Localizada no Palácio Foz, na Praça dos Restauradores, em Lisboa, a Cinemateca Júnior é um espaço de aprendizagem, mas também de diversão. Nesta viagem, fomos saber aquilo que melhor define este serviço, bem como o seu impacto na vida das pessoas que por lá passam.
Da réplica do cenário de “Voyage dans la lune” à maquete de “L’homme à la tête de caoutchouc”, de Georges Méliès, do impressionante zootrópio à famosa laterna mágica, a entrada no espaço da Cinemateca Júnior dá-se com uma exposição de artefactos que marcaram a história do cinema. Esta é já uma premonição daquilo que nos espera. Há aqui um mundo mágico que aborda o cinema como um todo.
A missão da Cinemateca Júnior resume-se em duas palavras: conhecimento e entretenimento. Carla Simões, funcionária desde 2018, diz que o objetivo passa por “criar público para as salas de cinema. As novas gerações acabam por ainda ir ao cinema, mas é um tipo de cinema a que nós aqui procuramos oferecer alternativas. A partir do momento em que há uma série de plataformas em que se pode ver cinema na televisão, na internet e tudo mais… o hábito de frequentar uma sala está em perda. E a ideia é conquistá-los para essa experiência de ver um filme em sala e um determinado tipo de cinema que não vêem nas salas comerciais”.
O “tipo de cinema” de que fala Carla passa pela programação de clássicos da Sétima Arte, bem como pelo que é nacional. “Nós aqui também temos a preocupação de oferecer propostas do cinema português. Não funcionamos com um programa fixo para as escolas, temos uma proposta de programa que apresentamos e, depois, são as escolas que nos contactam para ver o filme A, B ou C. A Cinemateca tem um arquivo com uma coleção muito grande, nomeadamente de filmes portugueses. Interessava-nos era ter mais filmes portugueses sedutores para crianças. O cinema português é muito mais dirigido a adultos.”
Literacia cinematográfica
Este serviço “júnior”, criado em 2007, acompanha a par e passo o crescimento infantil do seu público, visando potenciar competências nas crianças para uma melhor compreensão do cinema. “Nós temos uma parceria com uma associação que se chama ‘Os Filhos do Lumière’ em que fazemos sessões/projeções e conversas. Falamos de cinema, acerca de quando é que foi feito o filme, quem o realizou… e também sobre a própria linguagem cinematográfica em termos de imagem e como é que comunica”, explica.
Este espaço familiar e educativo conta com uma oferta muito variada de ateliers. Maria de Jesus Lopes, na “casa” há nove anos, explica as temáticas que são abordadas. “Temos muitos ateliers dedicados ao pré-cinema, que é no fundo o assunto da exposição. A exposição é acerca de como nasceu o cinema, de um conjunto de espetáculos e eventos que já existiam antes e que foram essenciais para o cinema surgir. Coisas como a lanterna mágica, os brinquedos óticos, a fotografia, o teatro de sombras e a câmara escura. Há muitos ateliers que são baseados em coisas que se podem ver aqui na exposição e outros dedicados a alguns aspectos do cinema. Temos ateliers dedicados à animação, ao som e ao documentário. Alguns foram concebidos por nós e também por pessoas que trabalham ou trabalharam na Cinemateca Júnior, e outros são ministrados por monitores externos.”
A sala de exposição, repleta de inúmeros objetos como o “praxinoscópio”, as “vistas óticas” ou o “Mundo novo”, cria um ambiente em que se desperta tanto a curiosidade, como o fascínio pelos truques e ilusões de ótica criados há décadas. A área dedicada à fotografia encanta pela boa apresentação e a sala dos primórdios oferece a oportunidade de ver a primeira concepção de projeção de Edison, o “kinetoscópio”, bem como o cinematógrafo dos irmãos Lumière.
“É importante chegarem aqui e verem os objetos que estão em exposição. São coisas que muitas das vezes não conhecem. Não é uma curiosidade que tragam, surge mais quando aqui chegam”, explica Maria de Jesus Lopes. “Muitos já sabem, mas também apanhamos muitas outras crianças que não têm noção de que o cinema é uma ilusão de ótica criada a partir de uma imagem fixa, a fotografia. E acho que essa informação para eles, quando ainda não a têm, é mesmo surpreendente”, acrescenta Carla Simões.
A cabine onde a magia acontece…
À semelhança do filme “Cinema Paraíso”, de Giuseppe Tornatore, também na Cinemateca Júnior encontramos uma área que ainda suporta a projeção de filmes em película. Um suporte que tem vindo a desaparecer em muitas salas de cinemas graças às novas tecnologias digitais, mas que a Cinemateca não descarta e tenta manter para as suas projeções. Na cabine está o francês Michael Monnier, instalado em Portugal há 20 anos e projecionista da Cinemateca Portuguesa há 15. Junto a três projetores (em especial, 35mm) e com as caixas de película por perto, conta aquilo que o apaixona na profissão.
“O cinema é uma paixão que sinto desde criança. Costumo dizer que, quer esteja uma ou 500 pessoas na sala, o resultado tem que ser igual. Projeção de qualidade e, ao fim ao cabo, transmitir a minha paixão. Embora não seja responsável pela produção do filme, tento transmitir como o realizador ou o produtor quiseram. Essa é a minha principal motivação no trabalho”, confessa.
Face às inovações tecnológicas que possibilitaram diversas formas de se assistir a um filme, a experiência também se tem modificado ao longo do tempo. Tal como Carla Simões, Michael Monnier fala do espaço único que é a sala de cinema. “O cinema que vemos hoje é a magia que acontece na sala. Cada vez mais, assistimos a filmes ou sessões de qualidade em casa e… pronto! Mas não há nada que se compare com a sensação de ver cinema dentro de uma sala de cinema”, garante.
De pequenino se vai à cinemateca
À entrada para a exibição do clássico português de 1942 “Aniki Bóbó”, de Manoel de Oliveira, sente-se o entusiasmo das cerca de 50 crianças das turmas 3ªA e 3ªB da Escola Básica Adriano Correia de Oliveira. Para a professora do 3ºB, Carmen Carvalho, a ideia está em combater o estigma “cinema antigo é aborrecido”. A docente diz que “o objetivo para hoje é continuar a ‘trabalhar’ o filme que vimos ver. Pertence ao Plano Nacional de Cinema e acho que é importante eles conhecerem tudo o que foi do antigamente”.
Os valores associados ao cinema são algo que a professora entende como fundamentais. “Os miúdos estão muito agarrados aos tablets e a jogos. E conhecer novas vivências fá-los pensar para o dia a dia. É muito importante, aliás. Tivemos um trabalho em sala de aula sobre o filme que vimos ver e todos ficaram fascinados com o facto de o filme ser de 1942. O tema do filme veio já suscitar aqui muitas perguntas e curiosidades”, garante.
Durante a exibição do filme, ouvem-se gargalhadas das crianças, especialmente nos momentos que envolvem os personagens Carlitos, Pistarim e o lojista. O momento é de diversão e o preto e branco não distrai a experiência nas crianças. Após o final, uma salva de palmas propaga-se pela sala e as crianças expressam a sua opinião sobre o filme. A pequena Leonor, de 8 anos, da turma B, aborda o parâmetro da cor. “O preto e branco pode ser algo muito útil, ao príncipio pode ser esquisito e uma seca, mas depois fica fixe”, confessa.
Tal como a Escola Básica Adriano Correia de Oliveira, também outras escolas têm aderido à oferta da Cinemateca Júnior, uma tendência que, segundo Maria de Jesus Lopes, tem-se mantido estável. “Estamos mais ou menos estabilizados, mas aqui há alguns limites. Às vezes, as escolas querem cá vir e não podem porque, por exemplo, querem trazer um grupo muito grande a fazer oficinas e nós só conseguimos atender um grupo pequeno de cada vez. Houve um período em que havia um protocolo entre o Ministério da Educação e a Cinemateca, pelo qual a vinda aqui era gratuita. Então, tínhamos mais procura. Depois houve um reajustamento e diminuiu um bocadinho. Gostavámos de atingir mais pessoas, mas a verdade é que, devido às limitações de espaço e pessoal, não conseguimos fazê-lo.”
O interesse pelo cinema é aquilo que a Cinemateca tenta promover nos seus espetadores. Para Carla Simões, isto é aquilo que alegra o seu dia. “Eu gosto muito quando os miúdos saem daqui muito animados. Isto acontece, sobretudo, com os grupos até ao 1º ciclo. Não consigo ver reações tão exuberantes nas outras idades. Como também é uma paixão minha, gosto de partilhá-la e de sentir que naquele momento, pelo menos, chegou. Não sei se terá futuro, é possível que o gosto não se mantenha e que não seja perseguido pela maior parte dos miúdos, mas se houver um ou dois que a partir destas sessões fiquem com esta memória e que realmente fiquem com o gosto de ver o filme em sala é algo que me traz satisfação.”
Um espaço para todos… até para graúdos
Além da programação escolar, a Cinemateca Júnior conta ainda com uma programação fixa, disponibilizando sessões para o público em geral aos sábados, bem como a possibilidade de marcação de visitas destinadas ao público sénior. “Temos alguns grupos de juntas de freguesia que vêm aqui, não atendemos só crianças. Isto é um espaço interessante para pessoas de mais idade porque o cinema é antigo e eles vêm cá rever alguns filmes”, explica Maria de Jesus Lopes.
A caminho do visionamento de duas curtas-metragens, “Rentrée des classes” (1956) e “Petite Lumière” (2003), os alunos do 2º ano de Ciências da Comunicação da UAL demonstram já uma bagagem fílmica alargada. A reflexão crítica que se segue após os visionamentos, moderada pela coordenadora de serviços, Neva Cerantola, abre novas perpectivas para a compreensão e a literacia fílmica. Os alunos e a professora Maria do Carmo Piçarra expressam as suas ideias, e o ambiente torna-se um espaço descontraído de debate.
Diogo Vaz, 26 anos, faz o balanço positivo da sua visita. “Foi uma mais-valia termos vindo aqui. Não só pelo nosso curso, mas acho que toda a gente deveria vir aqui visitar o espaço, porque há uma história por detrás disto tudo. As pessoas que vão ao cinema, se calhar não têm uma noção de como é a história e de como foi feito o filme. Acho que, por isso, é uma mais-valia atender a este espaço.”
Um misto de curiosidade e fascínio faz-se notar neste público. Na visita à exposição, objetos como o “mundo novo”, a “laterna mágica” e os “brinquedos óticos” captam as atenções. Para Mónica Santos, 47 anos, a criação destas iniciativas é uma mais-valia da Cinemateca Júnior. “Eu já tinha uma ideia do que é que a Cinemateca fazia precisamente em termos de recuperação de espólio. Não tinha era a noção da existência destas iniciativas, especialmente para os mais novos. É muito interessante que eles façam isto para esta geração que está a aprender agora o que é a vida e o cinema.”
Janilson Júnior, de 31 anos, afirma que “o cinema é um artefício fundamental da sociedade. Através do cinema, a gente consegue-se divertir, ter conhecimento e, a partir daí, ter algum senso crítico para qualquer tipo de trabalho, para conversar com a familia ou até para não fazer nada. Para mim, é importante dentro de uma sociedade e a vinda aqui à Cinemateca Júnior foi muito boa”.
A missão da Cinemateca Júnior fica completa quando a mensagem é assimilada pelo público. O enlace entre conhecimento e entretenimento é aquilo que melhor define este serviço que tem como objetivo transmitir o gosto pela arte cinematográfica. Um espaço onde, no fim da visita, a visão sobre aquilo que é o cinema nunca mais será a mesma.