Várias são as atividades humanas que colocam em causa a biodiversidade marinha. Entre elas está a mineração em mar profundo, que acontece em países como a Papua Nova Guiné, as Ilhas Salomão ou as Ilhas Fiji, mas Portugal não é exceção. Por cá, este tipo de mineração também está em cima da mesa.
Fomos ao encontro de Catarina Abril, ativista da Ocean Hub Portugal, associação que sensibiliza e informa a população sobre as ameaças ao oceano. Com 24 anos, sempre foi apaixonada por tubarões, o que a levou a licenciar-se em Biologia Marinha na Universidade do Algarve. Mais recentemente, concluiu o mestrado em Biologia Marinha e Conservação e envolveu-se ativamente na luta pela defesa dos mares.
Qual a missão da Ocean Hub Portugal?
A nossa missão parte da associação mãe, a Sustainable Ocean Alive (SOA). A SOA é uma Organização Não Governamental (ONG) americana que pretende dar voz aos jovens. No nosso caso em particular, temos como objetivo capacitá-los, tentando que estes sejam mais ativos na conservação do oceano. Não visamos apenas os jovens, mas também as outras faixas etárias.
Quais são as vossas principais ações?
Como começámos em março de 2020, durante a pandemia, grande parte das nossas ações têm sido online. No início, candidatámo-nos a pequenos fundos da SOA com o objetivo de organizarmos dois cursos: o Caravela, que realizámos no ano passado, de inspiração para jovens que não estão ligados ao oceano, tentando, assim, inspirá-los a criarem os seus próprios projetos e/ou as suas próprias organizações pelo oceano; e, em segundo lugar, a Bússola, realizado em março deste ano, que teve como principal objetivo dar mentoria às pessoas que já tinham projetos ou ideias para startups para o oceano. Desenvolvemos também, ao longo do ano passado, diversos materiais sobre literacia do oceano, através da celebração dedatas icónicas como o Dia Mundial do Oceano ou o Dia da Terra. Mais recentemente, criámos a nossa própria campanha contra a mineração em mar profundo, a partir de uma que já estava a ser impulsionada pela SOA, a “Defend The Deep”, acabando esta por se tornar o nosso eixo de ação.
Quais são as principais ameaças à biodiversidade marinha?
Em primeiro lugar, a destruição dos fundos marinhos que está relacionada com o tipo de pesca pouco seletiva e destrutiva que ocorre atualmente, como é o caso da pesca por arrasto. Por outro lado, as alterações climáticas também são uma ameaça à biodiversidade marinha, nomeadamente a tropicalização que acontece no eixo em que Portugal se encontra: uma vez que estamos no limite entre a zona temperada e a zona tropical, várias espécies de águas tropicais começam a surgir no nosso território marinho e, consequentemente, expande-se a sua distribuição. Além disso, também existem problemas devido às espécies invasoras. Estas podem habituar-se a habitats que não são os seus, passando, assim, a dominar esses mesmos territórios. Por último, a poluição sonora que está relacionada com o transporte marítimo e a atividade que o serhumano desenvolve dentro de água. De uma forma resumida, tudo vai parar ao oceano.
Neste momento, qual consideram ser a principal ameaça?
Há algumas que são muito preocupantes. A primeira, a propósito do que têm sido as discussões sobre transição energética, é não existirem mais estruturas extrativas dentro do oceano, quer seja de combustíveis fósseis ou de minérios, nomeadamente petróleo ou minerais para energia elétrica. A segunda tem que ver com a sobrepesca e o bycatch pois são duas atividades que atualmente não fazem sentido ocorrer, ou seja, pescarmos da forma que pescamos.
Mencionou a campanha que estão a desenvolver contra a mineração em mar profundo. O que é a mineração em mar profundo e qual o motivo para existir essa procura por minerais no fundo do mar?
Mineração em mar profundo é essencialmente replicar as práticas que atualmente se fazem em terra, masno fundo marinho. A tecnologia e a maquinaria que está a ser usada para testes de prospeção é muito semelhante às máquinas utilizadas em terra. No mar profundo existem alguns compostos minérios, tal como uns nódulos polimetálicos que têm minerais, como o cobalto ou o lítio. À procura de um estilo de vida melhor, todos adquirimos telemóveis, ecrãs… e são necessários minérios para produzir estesaparelhos. Atualmente está a ser feita mineração em terra. Esta também tem aspetos negativos e gera preocupações. E começa-se agora a olhar para o fundo do oceano também como uma potencial fonte desses minérios.
Quais os impactos dessa mineração?
O problema da mineração em mar profundo é não conhecermos, na realidade, as consequências dessa exploração. Creio que conhecemos 0,01% do mar profundo, portanto é difícil precisar quais serão os impactos em seres vivos que desconhecemos. Apesar disso, os impactos que se espera que ocorram são o levantamento de plumas e a destruição do leito marinho, porque muitos desses minérios encontram-se emlocais como fontes hidrotermais, que têm uma fauna e uma biodiversidade muito particular, que aguenta, por exemplo, fenómenos extremos de temperatura e de falta de oxigénio.
Sabemos que é preciso fazer uma transição verde e que, eventualmente, a mineração poderá ser usada com esse fim. Qual a sua opinião, tendo em conta que independentemente do processo que estejamos a falar estarão sempre em causa impactos no meio ambiente?
A partir do momento em que existimos, impactamos. Neste momento, existe a tentativa de mudar dos combustíveis fósseis para a exploração de lítio. No entanto, as pessoas não percebem os impactos da exploração desse minério. Existe, ainda, a ideia de que a energia elétrica é sinónimo de verde. Porém, as pessoas não param para pensar de onde vêm os minerais para a produção dessa atividade, ou seja, dos custos do ponto de vista da biodiversidade e dos direitos humanos. Há uma desconexão, o que de certa forma é greenwashing.
Qual pode ser a alternativa? E essa alternativa, achas que passará por uma mudança de hábitos?
Estão a ser estudadas algumas alternativas, como o caso do hidrogénio, mas a dificuldade é a autonomia para uso pessoal, porque já existem camiões que fazem milhares de quilómetros e têm dimensão para terem um tanque grande. Existe alguma independência do ponto de vista da utilização do hidrogénio como energia, mas a realidade é que não é fácil fazer um tanque de hidrogénio para um carro particular. Há alguma aposta em diminuir a necessidade desses minérios na construção das baterias. A marca Toyota, por exemplo, conseguiu melhorar a forma como fazem os seus motores elétricos com menos cobalto. Se nós não esgotamos aquilo que são os minérios em terra, é menos provável irmos buscá-los para outro lado, portanto aí há alguma inovação. Mas sim, para além destas pequenas inovações, também tem de haver uma mudança de mentalidade da parte do consumidor.
De que maneira pode ser feita essa mudança?
É muito difícil, mas existem já algumas formas. Por exemplo, existe um conceito que é a Obsolescência Programada, que é aquilo que nós todos dizemos na brincadeira que “as coisas são feitas para estragar”, mas de facto a realidade é mesmo essa. As coisas agora são feitas para se estragar e para não passarem mais do que aqueles dois anos de garantia e isso não faz sentido. Termos algo cujo tempo de utilização dura aproximadamente dois anos e depois somos obrigados a comprar outro novo porque já não se encontra atualizado, ou porque já não se fazem as peças, ou porque foi descontinuado, não faz sentido. As pessoas deveriam ter direito a ir a Repair Cafés e reparar os seus próprios eletrodomésticos ou gadgets.
Considera que tem de haver um decrescimento?
Claramente. Tem de haver um decrescimento do consumo das pessoas e da velocidade a que as pessoas consomem.
O que que pode ser feito para travar a exploração em mar profundo?
Temos aquilo que pode ser feito pelos governos e, por outro lado, pelas pessoas que tomam as decisões na autoridade que legisla o mar profundo, a International Seabed Authority (ISA). Neste momento, estamos atentar que haja uma moratória a nível global e que cada governo tenha a iniciativa de assinar essamoratória. Essa assinatura significa que o país se compromete a parar a atividade até determinados pressupostos se cumprirem. Atualmente, estamos a tentar que muitas das nações que teriam algum interesse em fazer esta atividade, subscrevam o documento junto dessa autoridade. Se reduzirmos a forma como consumimos, deixa de haver desculpa por parte dos governos para dizer“nós precisamos de ir à procura destes minerais” e também fazemos alguma pressão. A realidade é que o público e a sociedade civil conseguem pressionar os decisores políticos num sentido, e acho que quantos mais formos a pressionar e a dizer “ não queremos mineração no nosso país”, dificilmente vamos ter um ministro ou um governo que diga “não, não quero saber o que é que os portugueses querem, vamos para a frente”. Portanto, põe-se a questão do porquê de estarmos a estender a plataforma continental. E agora questiono-me, qual é a posição do governo? Atualmente não é conhecida, portanto acho que a exigência dessa resposta deve partir de nós, cidadãos.
Têm trabalhado nesse sentido de exigir uma posição por parte do governo português?
Sim, sempre que estamos com algum dirigente político, tentamos mostrar as nossas razões, mas claro que é business as usual. Mesmo que tentes perceber a posição do ministério, só consegues posições muito pontuais de algumas pessoas. Não podem falar pelo governo em geral, consequentemente tem sido muito difícil encontrar essa resposta sólida de “sim, somos a favor” ou “não, somos contra”. Temos feito algum trabalho, nomeadamente com a campanha do mar profundo e a nossa ideia é tentar motivar as pessoas para fazerem essa pressão.
Olhando para as gerações mais novas, e fazendo também parte dela, quais as suas perspetivas de futuro?
Sou otimista (risos). Gostava de dizer que sou pessimista, que vamos dar cabo do planeta, vamos ter mais plástico que peixe, mas não. Tenho dito muitas vezes: tenho esperança na minha geração. Sei que há muita descredibilização da Geração Z e duma pequena fatia dos millennials, mas acredito que estamos a caminhar no sentido de termos mais consciência ambiental. Se já estamos lá? Não, não estamos, mas estou confiante que nos próximos anos lá chegaremos. Temos visto os debates sobre as alterações climáticas, especialmente na semana da Conferência das Partes (COP), e apercebemo-nos que a COP está a falhar redondamente, porque estão a ir contra tudo aquilo que os jovens querem ouvir. Olho com muita confiança para os próximos anos e espero poder contribuir para a mudança.