Carlos Andrade é jornalista e moderador do perdurável “Circulatura do Quadrado”, exibido semanalmente na TVI 24 e na TSF. Soma 42 anos de profissão e ensina jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social e na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Lisboa. Chegou a exercer advocacia, mas é o jornalismo a grande paixão da sua vida.
Aos 18 anos, estreou-se na Sindicalismo, uma revista especializada na área sindical. Passou pelo jornal Portugal Hoje e pela Rádio Comercial, até integrar a equipa de raiz da TSF Rádio Notícias, como editor. Chegou a diretor, cargo em que se manteve durante oito anos, até ter pedido a demissão. Arrepende-se?
Não me arrependo, porque foi uma decisão muito ponderada. Estava apaixonadíssimo pela TSF, é o local mais gratificante onde trabalhei. Saí porque percebi que as opções colocadas em cima da mesa, que implicavam a necessidade de escolher pessoas para rescindir contrato e para serem despedidas, iam enfraquecer a estação. No meu entendimento, a TSF não estaria em condições de garantir com a mesma qualidade o projeto que corporizava desde o início. Quando assumi a direção, pus como condição que nunca passaria pelo que passou o meu antecessor, David Borges, a necessidade de escolher pessoas para serem mais facilmente dispensáveis, do que outras. Se isso acontecesse, deixariam de contar comigo.
Durante o seu percurso na TSF surgiu, no fim da década de 1980, o “Flashback” contando consigo na moderação. Atualmente “Circulatura do Quadrado” é o programa de debate político mais antigo do país. Qual o segredo da continuidade?
Ninguém debate como Pacheco Pereira, Jorge Coelho e António Lobo Xavier, os três comentadores do programa. Este tem sido o segredo ao longo do tempo, juntamente com uma equipa estável e uma boa relação de confiança pessoal entre todos os que participam. Não são precisos preliminares para aquecer o debate, vão diretos ao ponto. Todos têm peso na sociedade portuguesa e a sua opinião conta, são brilhantes enquanto intelectuais. Em Portugal, ninguém tem o peso deles e debate como eles.
“O jornalista não obedece a ordens para escrever ou dar uma opinião, num determinado sentido”
E pode o jornalista ter opinião política?
Sim, o jornalista é um cidadão com todos os direitos de um cidadão. A independência não é, por exemplo, aquilo que o José Rodrigues dos Santos já afirmou publicamente: “não voto porque receio que a minha decisão influencie negativamente a minha imparcialidade profissional”. A independência significa que o jornalista, ao emitir opinião ou ao escrever notícias, tem total liberdade. É uma atitude interior de não ter patrões mentais que obriguem a ter determinada posição. No plano teórico, não há nenhuma incompatibilidade em ser militante ou até dirigente de um partido político e fazer jornalismo, mas é claro que torna as coisas mais difíceis. Não atiro nenhuma pedra a um camarada de profissão que é militante partidário e não me incomoda que durante muito tempo estivessem jornalistas do jornal Avante, órgão oficial do PCP, na direção do Sindicato de Jornalistas.
Com experiência sobretudo em rádio, mas também em revistas e jornais, televisão e Internet, conta com 42 anos de profissão. Quais os principais constrangimentos que enfrentou ou ainda enfrenta?
Tive a sorte de, ao longo da minha carreira, nunca precisar de procurar trabalho. Não sou um caso muito típico dos percursos profissionais dos jornalistas, quase sempre mudei de camisola por convite ou porque, tendo acabando um projeto, alguém quis a minha colaboração. Nunca fiz parte de projetos em que a minha independência de emitir opinião tivesse sido comprometida, correndo o risco de ir para o desemprego se não compactuasse. Não tenho tido o constrangimento da sobrevivência enquanto assalariado, e ganhar a vida dependendo disso, mas não significa que tenha os olhos tapados e não veja as dificuldades, quer para entrar no mercado de trabalho, quer no exercício da profissão.
“Felizmente, há jornalismo livre em Portugal”
O relatório anual da organização ‘Repórteres sem Fronteira’, cujo objetivo é defender a liberdade de imprensa no Mundo, coloca Portugal, este ano, no 10º lugar entre os 180 países sujeitos a avaliação. Afirma: “mesmo que os jornalistas portugueses sejam mal pagos e a insegurança no emprego esteja a aumentar, o ambiente jornalístico é relativamente calmo”. Concorda?
“Calmo” é uma palavra que pode ocorrer ao que se chama ‘a paz num cemitério’, está tudo quieto e as pessoas estão mortas. É evidente que não digo que o jornalismo português está morto, mas os ventos não sopram a favor de um jornalismo mais reivindicativo enquanto setor profissional. Nitidamente, os tempos não correm de feição para isso e as intervenções são sobretudo defensivas, ou ofensivas, no sentido de conquistar terreno. Não tanto quanto às remunerações, mas sim, muito mais, quanto às questões que têm de ver com a ética e a deontologia da profissão, o que ficou bem visível no último Congresso dos Jornalistas Portugueses.
Contudo, o estudo aponta para o facto de o insulto e a difamação continuarem a ser objeto de criminalização, o que restringe a liberdade de expressão. Há jornalismo livre em Portugal?
Eu diria que sim, felizmente, há jornalismo livre em Portugal. Embora os tribunais portugueses tendam a ser bastante restritivos e menos favoráveis ao livre exercício da profissão de jornalista, não me parece que haja compressão excessiva do direito a informar. Além disso, as instâncias europeias têm feito correções de desvios, quando as decisões dos tribunais portugueses são excessivas, por parte dos julgadores da lei.
A força de quem manda, em convergência com a febre de vender, obriga a substituir a qualidade por quantidade. Regra que, não cumprida, pode significar o olho da rua …
Sim, é verdade. Não falo por experiência própria, mas tenho ouvidos, olhos e dou-me com outros jornalistas e sei que isso é uma realidade.
A “chave” para o término dos constrangimentos do ofício passa pela reinvenção dos processos produtivos de notícias, bem como a reinvenção enquanto profissionais?
Dá para escrever um livro a partir dessa pergunta. Se falamos do fim dos constrangimentos, falamos das condições ideais para a prática do jornalismo. Aparentemente, há um conflito entre isso e uma concorrência, sobretudo pelas pressões do online, que procura dar o mais rápido possível as notícias. Não há nada de errado, o que há de errado é dar cometendo uma desordem informacional e achando a coisa mais banal do mundo. Se por novos processos produtivos falamos de notícias no online, que sofrem sucessivas correções, isso indica que o trabalho inicial não foi feito da forma mais profissional, bem como em concordância com as boas práticas profissionais. Tem de haver um esforço para se verificar as informações com as fontes, mantendo assim o rigor e a credibilidade. Uma prática sistemática de notícias falsas destrói a credibilidade de um meio. Ser um jornalista multimédia significa uma enorme pressão. Isso é complicado para gente da minha idade, mas os novos jornalistas estão muito mais formatos para o mundo multimédia.
Quatro décadas no ativo. Pretende alcançar as bodas de ouro e retirar-se de cena?
A profissão de jornalista é a grande paixão da minha vida. Mesmo sabendo que não somos eternos, e já reunindo as condições legais, não me sinto em condições físicas e mentais para me reformar. Esse assunto não ocupa a minha cabeça, continuo a ter gozo naquilo que faço.