Sonhava ser profissional de futebol e, em dois anos, passou de uma oficina para a Primeira Liga. Sentiu o peso de substituir “o grande capitão” Humberto Coelho. Não esquece as subidas de divisão, como treinador adjunto, que o “marcaram”. António Oliveira, antigo jogador de futebol que fez carreira principalmente na primeira divisão, abriu o livro da sua vida desportiva, numa entrevista que teve lugar na Casa das Enguias, na Lançada/Montijo.
Ao longo da sua carreira conquistou sete títulos (entre campeonatos, taças e supertaças), jogou a Taça dos Clubes Campeões Europeus e até o Mundial pela seleção. Mas tudo começou no Barreiro, mais especificamente na Quimigal [agora denominado Grupo Desportivo Fabril] …
Não, tudo começou no 1º Maio Sarilhense, porque eu sou de Sarilhos. Do 1º Maio, fui para a CUF, Marítimo, Benfica, depois voltei para o Marítimo e acabei no Beira-Mar, em 1994.
Portanto, a seguir à Quimigal/CUF segue-se o Marítimo. Como foi estrear-se na Primeira Liga e logo como titular?
O sonho de qualquer miúdo é ser profissional de futebol. Eu não fugi à regra. Trabalhava durante o dia, numa oficina em Lisboa, e depois do trabalho ia treinar à CUF. Depois, tive a oportunidade de ser profissional, que foi um sonho tornado realidade. E o primeiro jogo de campeonato foi logo um Sporting – Marítimo em Alvalade, com o estádio cheio… marca-nos sempre. Mas lembro-me perfeitamente desse jogo, perdemos 1-0.
Fez essa temporada no Marítimo e, a meio da época, acaba eliminado da Taça de Portugal…
Pelo Riopele.
…e no fim da temporada, devido ao adiamento da final da Taça, acaba por jogá-la e por vencê-la pelo Benfica…
Tal e qual. Essa Taça de Portugal foi adiada, porque o Porto não queria jogar no Jamor e o Benfica não queria jogar nas Antas, mas ficou acordado entre federação e clubes, ser em agosto e ser nas Antas. Fomos às Antas, já no início da época 1983/84. Portanto, fui eliminado, de facto, dessa Taça de Portugal, de 1982/83, mas fui ganhá-la no início da temporada seguinte.
No ano seguinte, na temporada 1983/84 chega ao Sport Lisboa e Benfica. Como foi entrar num balneário onde estavam nomes como Bento, Carlos Manuel, Shéu, Chalana ou Nené?
…E o Eusébio era adjunto… Nós víamos o Eusébio como… (faz gestos de endeusamento)
[Entretanto, somos interpelados por um adepto do Benfica – conhecido de ambos – que, em tom de brincadeira, revive um episódio muito particular da carreira de Oliveira. Quando se tornou adjunto no Sporting, com Manuel Fernandes. Resultou, naturalmente, numa gargalhada dos três.]Um ano antes, estava no Batista Russo [oficina], no ano seguinte, estou a entrar no balneário do Benfica (pausa)… Foi complicado, mas ter jogadores como Carlos Manuel, Diamantino e outros jogadores desta equipa que eram deste lado [da Margem Sul] ajudou na adaptação a um clube muito grande, como é o Benfica.
“Há um antes e um depois de Eriksson”
O Eriksson revolucionou o futebol do Benfica?
Na altura, o Eriksson veio dar uma “pedrada no charco” no futebol Português. Há um antes e um depois de Eriksson. Tinha 32 ou 33 anos e trouxe consigo métodos diferentes e outro tipo de relacionamento com os jogadores. O Sr. presidente Fernando Martins apostou nele, e bem! Marcou uma era.
Logo na primeira época sagrou-se Campeão Nacional e chegou aos quartos de final da Champions League. Foram estes os melhores anos da sua carreira?
Joguei em três clubes na 1ª divisão. Jogar no Benfica é sempre jogar no Benfica. Mas também tive boas sensações no Marítimo e no Beira-Mar. Ganhei sete títulos no Benfica, mas não deixo de realçar uma final da taça que tive contra o Porto, quando estava no Beira-Mar (perdeu 3-1, após prolongamento). Se calhar foi tão importante como um título.
No Benfica veio substituir o Humberto Coelho, certo?
O que não era nada fácil… Quando cheguei, ele ainda jogava [fez três jogos] e depois lesionou-se. Era um grande líder. Por muito bem que eu jogasse, sempre falhava num ou noutro lance…o Humberto não falhava. [As pessoas] não viam o que eu jogava, mas sim o que o Humberto faria se estivesse lá.
Só voltaria a ser campeão dois anos depois, mas pelo meio jogou o Mundial de 86’ (do famoso caso Saltillo). O que se passou afinal no México?
O que se passou no México já foi há tanto tempo… faz agora 34 anos. O futebol era um bocado amador. Os únicos intervenientes quase profissionais eram os jogadores, a estrutura à sua volta ainda era um bocado amadora. Hoje tens uma estrutura profissional de cima a baixo, e na altura não tinhas. Se calhar, [a federação] pecou por isso. Houve muita confusão e, se tivesse existido esse profissionalismo, se calhar [as situações] teriam sido resolvidas. Mas deu-se uma “pedrada no charco”, a partir daí as coisas nas seleções foram diferentes.
Os anos 1980 “deram” ao nosso país, uma grande geração de avançados (Fernando Gomes, Nené, Jordão, Futre…). Sendo o Oliveira um defesa, qual foi o jogador que mais dificuldades lhe causou?
Todos eram grandes jogadores, cada um com as suas características. Mas os mais difíceis não são os que estás a marcar, são aqueles que vêm pela frente com a bola dominada. O Manuel Fernandes era muito perigoso com a bola dominada. O [Fernando] Gomes era muito perigoso dentro da pequena área, se te descuidavas era golo. O Nené a mesma coisa, se te descuidavas 0,1 segundos ele marcava golo. Hoje também há grandes jogadores, mas estes teriam sido melhores agora. O Chalana jogava em qualquer época (sorri).
E a equipa mais difícil que defrontou?
[Com convicção] O Liverpool. Tinham Ian Rush, Kenny Dalglish, Souness, Sammy Lee, Alan Hansen, Grobbelaar. Foram campeões europeus. Foram ganhar a final à Roma, na época 1983/84. Acho que, com o Eriksson, levámos 4-1 em casa. Noutra vez ganhámos 1-0, mas não os eliminámos.Nas últimas épocas da sua carreira (no Marítimo e no Beira Mar), já numa fase mais descendente, continuou como titular indiscutível. Qual foi o segredo dessa longevidade, que nessa altura não era muito comum?
Mas ainda ganhei alguns prémios individuais de imprensa (diz num tom animado). Joguei até aos 36 anos e, se calhar, ainda jogava mais um ou dois [anos], mas, entretanto, surgiu a oportunidade de trabalhar com o Sr. Manuel Fernandes no Campomaiorense. Saí na altura ideal, apesar de não me sentir inferior. O segredo foi levar uma vida normal.
Nunca surgiu a possibilidade de ir para o estrangeiro?
Não, nessa altura não era fácil… Só os génios, como o Chalana, o [João] Alves… Não bastava ser bom, e não havia empresários como há hoje. Também não tínhamos tanto mediatismo. Antes do Mundial de 1986, só tínhamos ido ao de 1966. [Ao nível de clubes] Antes de Eriksson, pouco tínhamos feito na Europa. Depois disso, tivemos o Benfica na final da Taça UEFA de 1983, mais tarde o Porto vai à final da Taça das Taças de 1984 e ganha uma Taça dos Campeões em 1987. Portanto, não havia o mediatismo nem estes interesses dos clubes, de compra aqui, compra ali.
“O Manuel Fernandes era o meu conselheiro”
Terminou a carreira de futebolista em 1993/94 e logo se tornou treinador adjunto de Manuel Fernandes. Como surgiu o convite, tendo em conta que Manuel Fernandes foi um histórico avançado do Sporting?
O Manuel Fernandes é aqui de Sarilhos, tal como eu… conhecemo-nos há muitos anos, apesar de ele ser sete anos mais velho. Nos clubes por onde passei, não assinava contratos, nem nada, sem me aconselhar com o Manuel. Mesmo como jogador, o Manuel Fernandes era meu conselheiro. Ficou sempre a ideia: “no dia em que deixares de jogar, formas equipa comigo”. Deixei de jogar com 36 anos e convidou-me para ir para Campo Maior.
Que recordações guarda desses tempos como adjunto?
Bons tempos (confessa com saudade). Subimos o Campomaiorense à primeira divisão. Há muito tempo que o Alentejo não tinha uma equipa na primeira divisão. Era uma terra maravilhosa, com gente do melhor que há. No Vitória de Setúbal, não estive muito tempo, mas era um clube já com história. O Santa Clara nunca tinha subido à 2ª Liga. Subiu desde a 2ª B até à 1ª divisão. Os Açores nunca tinham tido uma equipa na primeira divisão, foi importantíssimo porque ninguém conhecia, desportivamente, os Açores. O Penafiel já não subia há mais de dez anos. São momentos que nos marcam.
E qual foi o seu papel nessas subidas?
O papel do treinador adjunto é muito importante. É o elo de ligação entre treinador e jogadores. Há coisas que o treinador principal não se apercebe. Nós estamos atentos e temos de ajudar. É o tal equilíbrio. Não é meter o treinador em dilemas.
Existe algum jogador parecido consigo, atualmente?
Até tenho medo de dizer algum jogador parecido (desabafa pensativo)… Hoje existem, também, grandes jogadores. O Benfica tem dois grandes centrais [Rúben Dias e Ferro]. Vejo ali qualquer coisa no Ferro. E o Rúben Dias tem vindo a melhorar todos os anos. E gosto muito do Coates [Sporting]. Mas vejo ali qualquer coisa no Ferro.