Todos os anos, na altura do verão, regressa o flagelo dos incêndios. Há décadas que os fogos estivais ameaçam o país, mas ninguém esperava que as chamas pudessem tomar dimensões tão destruidoras e com consequências tão trágicas. Em junho, o incêndio de Pedrógão Grande consumiu mais de 30 mil hectares de floresta e foi considerado o mais dramático de sempre em Portugal. Para além da área ardida, 47 pessoas perderam a vida, a maioria na Estrada Nacional 236 ao tentarem fugir das chamas que, de um momento para o outro, cercaram aldeias e populações da zona. No final, registaram-se 67 vítimas mortais e mais de 200 feridos.
Quando se pensava que a época de incêndios tinha chegado ao fim, a 15 de outubro, as chamas voltaram a consumir o verde das florestas portuguesas. A zona Centro viu as suas paisagens ficarem negras, desta vez, nos distritos de Leiria, Viseu, Coimbra, Guarda, Castelo Branco e alguns concelhos da região Norte. Este foi considerado o pior dia do ano em termos de fogos. Várias casas e empresas ficaram destruídas, no dia em que se contabilizaram mais de 440 incêndios, sendo que 33 eram de grande dimensão. Para além das 45 vítimas mortais, também se perdeu uma parte da história de Portugal. Com mais de 50 mil hectares ardidos, cerca de 80% pertencem ao Pinhal de Leiria que foi erguido pelo rei D. Dinis há cerca de 700 anos, mas demorou um ápice a desaparecer.
Consequências ambientais
As consequências ambientais desta calamidade são extremas, provocando o aumento das emissões de CO2 para a atmosfera, a perda de biodiversidade, seja a nível de espécies vegetais ou animais. A fauna sobrevivente é a mais exposta às consequências dos fogos, uma vez que perde ou vê as suas fontes de alimento reduzidas. Como explica Rodrigo Guerreiro, membro da comissão política do PAN – Pessoas, Animais e Natureza, “quando falamos em animais, contabilizamos não só as centenas de animais de pecuária que foram mortos, como milhares de animais selvagens que pereceram nos incêndios. Esta fatura tem um elevado custo nos já frágeis ecossistemas e será um forte golpe à recuperação ecológica de muitos habitats já de si fragilizados”. O impacto de um incêndio nos mamíferos depende da sua intensidade e da área ardida, mas as consequências podem ser muito negativas devido à rápida perda de abrigo e alimentação.
Para além da fragilidade da vida animal, as erosões dos solos e a perda de espaços agrícolas, que têm um forte impacto não só na economia local como na vida das pessoas que aí obtêm o seu sustento, são também consequências diretas dos incêndios. Os incêndios causam um prejuízo de mil milhões de euros, algo que poderia ser reduzido para os 165 milhões se se apostasse mais em prevenção, segundo contabilizam a Quercus e a associação Acréscimo.
Outro problema é a salinização dos solos, ou seja, a água do mar utilizada no combate acaba por prejudicar a terra, na medida em que pode retardar a normalização do equilíbrio da floresta e contaminar os recursos hídricos existentes. “Se tivéssemos um ordenamento do território onde se privilegiasse a prevenção com meios humanos e materiais durante todo o ano, os ecossistemas, a gestão duradoura das florestas, a proteção de todos os animais que nele habitam, um paradigma de crescimento nulo, uma economia plena e circular, entre outros fatores, não seria necessário o uso de água salinizada para combate a fogos”, considera o representante do PAN.
A terra depois dos incêndios
Os incêndios afetam a fertilidade dos solos, na medida em que, mesmo que estes fiquem enriquecidos em nutrientes, enquanto uma parte da matéria orgânica não for reposta, não é possível devolver ao solo os nutrientes que são necessários para renascerem novas plantas. Além disso, com a chuva, a capacidade de retenção de água na terra pode ser mais reduzida, o que consequentemente leva a um aumento do escoamento à superfície do solo. Rodrigo Guerreiro esclarece que “devido à falta de ordenamento, no combate a um fogo, é usado aquilo que é possível para, de forma espontânea, travar o fogo acelerado de monoculturas florestais. E o uso de água do mar, que não é comum ser utilizada, pois existem reservas que assistem os meios de combate a fogos, pode gerar um efeito devastador a longo prazo, pois a terra já de si queimada e depauperada de nutrientes, sem árvores, plantas e outras folhosas para absorver a água e os nutrientes, leva a uma crescente salinização dos solos. O que irá, por seguimento, gerar mais despesa a tratar estes solos para que seja possível no futuro haver regeneração ecológica”.
Para a flora, a primeira consequência é a morte das plantas. A mortalidade provocada pelo incêndio não atinge, por norma, todas as plantas e há espécies que renascem após um incêndio. Em relação às árvores, nem sempre a copa é atingida e, mesmo quando acontece, não significa que cause a sua morte. “Das espécies florestais que resistem a um incêndio, nem todas voltam a ser como eram. Dá-se uma diminuição do crescimento, quer seja pela redução da fotossíntese, quer seja por danos nos tecidos do tronco. As plantas mais afetadas acabam por morrer devido a pragas e a doenças por terem as suas defesas naturais enfraquecidas”, refere.
Floresta: um bem essencial
Sem que o ser humano se aperceba, pois é um bem que tem como certo, mas a floresta exerce um impacto determinante no ar que respiramos. “De uma maneira muito simples, as árvores, ao contrário dos seres humanos, libertam oxigénio para a atmosfera e absorvem o dióxido de carbono. Por isso, quando há um incêndio de grande dimensão, em que vários hectares de floresta são completamente queimados, dá-se o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera e isso é algo bastante prejudicial para a saúde de todos os seres vivos”, avisa Rodrigo Guerreiro.
Hora de reflorestar
Segundo dados do Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais (SGIF), entre 1 de janeiro e 31 de outubro de 2017, registou-se um total de 16.981 ocorrências, onde arderam 442.418 hectares. Em comparação com os valores dos dez anos anteriores, houve um aumento de 428% no que respeita a área ardida. Depois do Norte e do Centro do País terem sido assolados por tantos incêndios, as palavras de ordem são, para além de reconstruir, reflorestar e preservar.
Reflorestar as zonas que se perderam e preservar não só as espécies vegetais como animais. Neste sentido, os incêndios deste ano geraram uma onda de solidariedade. Vários são os cidadãos e as empresas que tomam a iniciativa de pôr Portugal como era antes. A Quercus, por exemplo, tem a campanha “Uma Árvore pela Floresta” desde 2014 que, devido à enorme força de todos em querer cobrir de verde as paisagens que acompanham diversas estradas, caminhos e florestas, está a ter um enorme sucesso. Os primeiros seis mil kits, à venda nos CTT, esgotaram, bem como os sete mil que se seguiram. A campanha, que se estende até ao último dia do ano, deverá chegar às 20 mil árvores.
A campanha tem como objetivo dar a oportunidade à população de ajudar a criar bosques mais sustentáveis e resistentes a incêndios. Este projeto pretende intensificar a plantação de árvores autóctones por todo o País, especialmente nas áreas ardidas. Por ano, a Quercus planta entre 4 mil e 5 mil hectares, o que ainda é pouco comparado com o que se perdeu em 2017.
Mesmo com toda a boa vontade em querer reerguer o património florestal do País, existem pormenores que devem ser tidos em atenção e a que o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) alerta. É preciso ter em linha de conta se a espécie que está a ser plantada é a indicada para aquela zona, já que isso pode pôr em causa todo o ecossistema envolvente. Para além disso, muitas vezes, pode estar a ser plantada uma árvore doente e desse modo espalhar uma praga. Rodrigo Guerreiro, do PAN, deixa um apelo: “A floresta é um dos maiores bens que temos e, como tal, é nosso dever cuidar dela e protegê-la.”
Pinhal de Leiria: o pulmão histórico
Conta a história que, em 1916, um grande incêndio deflagrou no Pinhal de Leiria, onde se perderam 150 hectares de floresta. Cento e um anos mais tarde, a história repetiu-se. Ao longo de 30 quilómetros, as chamas foram engolindo o verde daquela região. Várias casas arderam e localidades tiveram que ser evacuadas. Situado na orla costeira da Marinha Grande, o pinhal remonta ao século XIII no reinado de D. Afonso III, mas foi D. Dinis que deu ordens para se realizarem as grandes sementeiras com pinheiro-bravo para conter o avanço das areias para os terrenos férteis. Foi deste Pinhal que saiu a madeira utilizada para a construção das embarcações que deram início aos Descobrimentos.
Rico em biodiversidade, era objeto de vários estudos científicos. A sua recuperação levará décadas para voltar a ser considerado o pulmão de Portugal. Para além das reconstruções que são necessárias, é preciso também pensar nos problemas ambientais que advêm dos fogos florestais, problemas esses que atingem não só a fauna como também a flora e todo o ecossistema das zonas afetadas.
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