Na Alta de Lisboa existe uma escola de ballet onde os alunos sonham ser bailarinos profissionais e que ajuda quem quer dançar, mesmo que não possa pagar.
O dia aproxima-se do fim. Na pista municipal Moniz Pereira, na Alta de Lisboa, não se pratica apenas atletismo. Numa das salas do edifício de apoio à pista existe uma escola muito especial. Ali nascem, crescem e desenvolvem-se os sonhos de muitas crianças. Os sons de música clássica, risos e conversas enchem o ar. Meninas de maillot preto, collants cor-de-rosa e coques aprumados preparam-se para mais uma aula de ballet, na Lx Dance – Escola de Dança e Bailado de Lisboa. Após a indicação da professora Fátima, o grupo anteriormente desordenado dirige-se para o centro da sala, levando também as barras móveis. Param e aguardam. Os rostos, agora sérios, aguardam as ordens de Fátima. “Primeira posição!”, indica a professora, dando assim início à aula. No final, os rostos transpirados demonstram o cansaço, que os mais de 60 intensos minutos de exercícios de ballet causaram. Ainda ofegante, Mariana Jerónimo conta que quase todos os seus dias terminam assim, com aulas de ballet.
Mariana tem 10 anos – é a menina mais nova da aulas das terças e quintas-feiras – e quer entrar, no próximo ano letivo, para a Escola de Dança do Conservatório Nacional. Desde dezembro tem aulas coletivas quatro vezes por semana, às quais junta duas aulas particulares, com a Professora Fátima, para aprender a dançar em pontas. Em junho tem de estar pronta para conseguir passar nas audições de admissão ao Conservatório. “É o meu sonho. Quero ser bailarina e adoro ballet!” diz animada. “Mas é muito cansativo. Também tenho de ter atenção na escola e estudar para ter boas notas”, conta. “Ainda bem que moro aqui ao pé, porque assim estudo até o pai me trazer e depois venho dançar. Gosto muito da Fátima e da escola”, explica.
Leonor, de 16 anos, também adora ballet. E reconhece que o seu futuro poderá talvez passar pela dança. “Já tinha feito ballet em pequena, mas era demasiado intenso para mim e desisti. Quando quis regressar, a minha mãe pesquisou e encontrou esta escola. Recomecei no início deste ano letivo e adoro as aulas com a Fátima. É mesmo para continuar aqui!” afirma decidida, embora reconheça não ser fácil estudar, manter boas notas e ter de deslocar-se ao final do dia para as aulas de ballet.
O sonho de dançar também obriga Luís Mercês, o único rapaz que atualmente integra o grupo de bailarinos da escola, a encaixar as aulas de dança entre o trabalho e a escola. Apesar de não pensar em seguir a profissão de bailarino, desloca-se até à escola de dança quatro vezes por semana. “Adoro dançar! Comecei com aulas de musical e depois experimentei as de ballet. Fiquei em todas”, explica, contando ainda que houve tempos em que ia e vinha diariamente das Caldas da Rainha. Atualmente vive em Lisboa, o que simplifica as suas deslocações.
Também para os pais destes aspirantes a bailarinos esta é uma logística muito complicada. Por um lado, os filhos têm um sonho e querem ter uma atividade física. Por outro, é necessário levá-los e trazê-los de e para a Alta de Lisboa, com todo o tempo que essa movimentação acarreta.
Inês Monteiro tem duas filhas e reconhece a dificuldade desta coordenação. “Ia ser muito difícil conseguir ter as duas miúdas a praticar atividades diferentes em locais diferentes. Foi por pura coincidência que descobrimos a escola de ballet. Como a Sara (filha mais velha) pratica atletismo lá na pista, foi fácil inscrever a Joana no ballet. Ela experimentou, sem compromisso e agora não quer sair de lá. Aliás, já me disse, que tal como a Mariana, também vai querer entrar para o Conservatório quando tiver idade!”, revelou, ainda surpreendida pela decisão da filha.
Uma escola com missões
Os alunos da Lx Dance são o orgulho de Fátima Veloso, a proprietária da escola. Para aqueles que querem entrar no Conservatório esta professora, coreógrafa e bailarina disponibiliza toda a sua atenção, carinho e muito do seu (pouco) tempo disponível. A sua dedicação e profissionalismo já deu frutos e o “melhor bailarino do mundo para o escalão dos 12/13 anos” saiu da Lx Dance diretamente para as salas do Conservatório Nacional. Em fevereiro, Martinho Santos venceu a categoria de solos do segundo escalão do festival Tanzolymp, que decorreu em Berlim. “É um orgulho!”, confessa. “E maior orgulho ainda é ver que o Martinho continua a vir aqui pedir-me dicas”, conta sorridente. A missão atual é preparar a pequena Mariana, que quer seguir as pisadas de Martinho. “Tenho muito talento aqui. Para além da Mariana também tenho a Lara. Quando chegar a vez de ela entrar para o Conservatório, vai ser um fenómeno”, garante, visivelmente orgulhosa dos seus meninos.
A Lx Dance não forma só bailarinos. Tem, também, uma ação de integração social para crianças e jovens de bairros sociais de Lisboa. Ou seja, para além dos alunos pagantes, a escola tem nas suas classes de dança várias crianças, oriundas dos antigos bairros sociais que querem aprender a dançar e que não têm possibilidade de pagar as aulas.
Fátima Veloso acredita que a dança tem de chegar a todos e é importante que se dê a quem não pode pagar a oportunidade de poder seguir os seus sonhos. “Este projeto visa integrar estas crianças e dar-lhes oportunidades em igualdade de circunstâncias”, explica. “O talento é igual para todos. E com o meu trabalho eu quero pôr todos, os que queiram, a dançar”.
A Lx Dance nasceu em 2010, na Avenida da Liberdade, fruto de um investimento privado, com um intuito de servir a cidade de Lisboa e dar vida a uma zona que “morria depois das 17 horas” quando as pessoas saiam dos empregos e iam para casa. “Baixei os preços e alarguei o espectro para todas as pessoas poderem ter acesso as minhas aulas. Ali não havia ricos nem pobres, eram todos iguais, até na roupa que usavam para fazer as aulas”.
A escola acabaria por sair da Avenida da Liberdade e mudar-se para a pista municipal Moniz Pereira, onde funciona atualmente, num espaço cedido pela Câmara Municipal de Lisboa. A zona da Alta de Lisboa alberga os realojados dos antigos bairros sociais que foram demolidos pela autarquia, pelo que a missão social da escola se manteve nas novas instalações, contando agora com a colaboração com a Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha. “Já cheguei a ter 30 crianças aqui na escola, nessas circunstâncias. Atualmente só tenho cá seis ou sete. Parece que quem não paga não dá valor. E como não pagam acham que não têm de vir e faltam imenso. Já fiz um acerto e alguns passaram a pagar cerca de 20€, embora existam outros que não pagam nada, mas mesmo assim vão deixando de vir”, lamenta. “Tenho aqui meninos muito talentosos”.
A integração e felicidade das crianças é importante e por isso mesmo o projeto social da Lx Dance é um programa que agrada muito aos pais dos meninos que frequentam as aulas de Fátima Veloso. “É um projeto humanitário fantástico! Vai de encontro dos pontos da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde que promovem a igualdade entre as crianças”, afirma, perentória, Inês Monteiro. “É muito justo que estas crianças tenham as mesmas oportunidades que os nossos filhos têm”, ressalva. “E a Fátima lida muito bem com todos eles, não há cá diferenças. Percebemos que tem um coração do tamanho do mundo e que está muitíssimo empenhada em ajudar”, garante.
Também Nuno Jerónimo, pai de Mariana, concorda com este projeto de âmbito social. “É bom, claro. Mantém as crianças ocupadas e focadas em coisas importantes, para além de ajudar à integração delas”, diz, adiantando que “a Fátima parece muito dura, mas sabe perfeitamente orientar aquelas crianças todas”.