Os jogos tradicionais são cada vez mais descartados no nosso quotidiano. O JOTRA (Clube de Praticantes de Jogos Tradicionais) é uma das poucas organizações que ainda realiza eventos um pouco por todo o país. Fomos conhecer de perto o trabalho desta associação.
Para João Mounier, presidente e sócio fundador do JOTRA, a ligação aos jogos tradicionais vem desde a infância. “O meu pai construía jogos tradicionais em casa, portanto eu comecei por construir com ele e a partir daí ficou uma ligação emocional que jamais acabará”, confidencia.
Ainda assim, a origem do clube tem outras raízes. Tudo começou na Escola Secundária de Alvide, em Alcabideche, onde alguns alunos (integrados num projeto escolar à disciplina de Português), escreveram para as câmaras municipais de todo o país a pedir informações sobre os jogos tradicionais. Com essa informação, passaram da teoria à prática, numa outra disciplina em que trabalhavam com madeiras. Os responsáveis pela Câmara Municipal de Cascais viram o resultado e, surpreendidos, pediram à escola para fazer uma animação para as escolas do 1º ciclo.
O sucesso foi tal que os pedidos para animações e para atividades sucediam-se. Foi aí que surgiu o JOTRA, em maio de 2007. Criado por três professores de Educação Física, um antigo professor de Educação Física da mesma escola e ainda um especialista no jogo do pau, o objetivo passava por “para dar resposta às solicitações de jogos tradicionais que existiam para além do ambiente escolar”, conta João Mounier.
Desde então, organizam todo o tipo de actividades, desde pequenos grupos a grandes multidões — não só em escolas, mas também câmaras municipais, festas ou feiras em várias zonas do país. Pode ser uma simples festa de aniversário ou eventos com mais de 3000 pessoas. Para o presidente da entidade, os jogos tradicionais são “um momento de prazer, de lazer e de aprendizagem”. Uma forma de criar ligação entre várias gerações.
As crianças do 1.º e 2.º ciclo (dos 5 aos 14/15 anos) são o grande destinatário das atividades, no entanto, os jogos alcançam todas as idades. Nos eventos, é recorrente ver-se os avós e netos a praticar o mesmo jogo, onde os mais velhos mostram aos mais novos os jogos que praticavam na sua infância. Até porque as regras são as mesmas desde então.
João Mounier garante que, depois de começarem a brincar, todas as gerações criam ou aprofundam ligações. Para o fundador da associação, os jogos tradicionais representam uma parte significativa do património cultural de uma sociedade e continuam também a ser fundamentais para a aquisição de aprendizagens. “Faz parte do sangue querer brincar, querer competir, querer pular, querer trepar e os jogos tradicionais apresentam-se como uma boa solução para essas vontades”. Sendo as brincadeiras de rua entre as crianças cada vez mais raras defende, inclusive, que deviam “ser implementadas nas escolas”.
Momentos mágicos e inclusivos
A organização tem cerca 150 jogos diferentes, entre eles andas, arco e gancheta, berlinde, quatro em linha gigante, damas e xadrez gigante, futebol de mesa, jogo do burro, argolas, jogo do sapo, labirinto ou macaca. Uma panóplia bastante ampla, onde se incluem também os quebra-cabeças. Os quebra cabeças (pequenos problemas para resolver) têm tido uma procura muito grande nas atividades. Há mesmo quem fique mais de uma hora a tentar resolvê-los.
João Mounier viveu diversos momentos especiais, mas há um do qual jamais se esquecerá. Enquanto professor de Educação Física, aproveita os jogos tradicionais em benefício da própria disciplina e leva a cabo alguns projetos com os seus alunos. Lembra-se de um projeto em específico, “de uma turma especial, muito engraçada”, do 10º ano, da qual era diretor de turma.
Ao longo de dois anos fizeram animações de jogos tradicionais nas escolas do 1º ciclo. Eram os próprios alunos quem liderava a animação. Tudo culminou numa atividade para jovens com necessidades educativas especiais de todo o concelho de Cascais. Muitos dos seus alunos, estavam “aflitos e preocupados”, pois nunca tinham tido ligação com estas crianças. Mas João garante que a atividade foi “tão boa, tão bonita, tão inclusiva, tão especial” que, no final, teve uma turma quase inteira a chorar, agarrada ao professor, a agradecer a experiência.
A importância dos jogos tradicionais na era digital
José Dias, sócio do clube, diz que a maioria das crianças e jovens “praticamente não consegue conviver com os outros, se não tiver um telemóvel ou um computador”. São incapazes de criar algo. Os jogos tradicionais podem assim, na sua opinião, ajudar a combater e alterar esta realidade, até porque promovem o “convívio, a capacidade de raciocínio lógico de pensamento, criatividade e perseverança”.
Segundo José, há jogos para todos os gostos, idades e capacidades. Este associado refere que, “devido ao seu físico”, algumas pessoas gostam mais de jogos que tenham a ver com o uso da força e da resistência; já outros “pela sua perspicácia e pela sua capacidade de raciocínio”, gostam mais de jogos que tenham a ver com o desenvolvimento de perícias e quebra-cabeças. Para descobrir aquele que mais se enquadra na personalidade de cada um, nada como “experimentar, tentar perceber o jogo, desafiar-se a si próprio, desafiar outros numa atividade que seja coletiva”. E, acima de tudo, “sentir prazer pelo jogo em si”, conclui.
Já Fábio Costa, colaborador do JOTRA, confidencia que, tendo ele 22 anos, o telemóvel sempre foi um objeto indispensável no seu quotidiano. Mas revela que nem sequer se lembra dele quando está a trabalhar. Para este jovem, os mais velhos são os que têm maior paciência para as atividades. “Uma das interações mais giras é quando as pessoas, principalmente as mais idosas, pegam num jogo e dizem: «eu joguei este jogo durante tantos anos da minha vida e já não o via há tanto tempo»”.
Memórias e um património cultural, que, num mundo dominado pela tecnologia, o JOTRA quer continuar a preservar.
