Tudo começou com um comentário informal no mural do Facebook, mas que abriu as portas da TVI a uma conversa com Manuel Luís Goucha. Foi na estação de Queluz de Baixo, numa sala pequena, que decorreu uma conversa descontraída, onde Manuel falou sobre o seu percurso profissional e sobre como tem sido o desafio de apresentar a ‘Casa dos Segredos’. Aos 63 anos, o apresentador revela que tem sabido envelhecer bem e que a curiosidade o mantém jovem.
Porque aceitou dar uma entrevista a uma jovem com 19 anos, que lhe é completamente desconhecida?
Não é a primeira, lamento dizer-lhe. Há vários jovens que estão a tirar cursos na área de comunicação social que me contactam e, sempre que tenho conhecimento que alguém quer conversar comigo no âmbito do seu curso, tento sempre facilitar-lhes a vida. Não me custa nada, é um gosto! Naquele dia, a abordagem foi diferente. Habitualmente a abordagem chega-me por e-mail e até através da própria produção do ‘Você na TV’ mas naquele dia foi a sua mãe que fez um comentário agradável, simpático, que é uma coisa sempre boa de se ler no meu mural e eu achei graça porque ela quase que me desafia a responder e a fazer-lhe a vontade a si, enquanto filha e enquanto aluna da UAL.
Vou-lhe contar um segredo… A minha mãe não me contou…
Não?
Eu só soube quando vi o comentário. Nós tínhamos falado em casa e a minha mãe disse-me: “Filha tenta.”
O não está sempre garantido.
Claro. A minha mãe disse-me: “Eu acho que é uma pessoa acessível, porquê que não tentas?” E fez isto sem me dizer nada, no dia a seguir é que vi o comentário.
E acho que respondi logo, eu li e devo ter respondido horas depois.
Exatamente, e depois ela ligou-me…
Olha filha, já está! (risos)
O Manuel começou na RTP…
Sim, com programas de cozinha para miúdos.
E depois passou para a TVI.
Estive seis meses na TVI a fazer um projeto: ‘Momentos de Glória’, depois voltei para a RTP onde fiquei mais uns dez anos e há 15 anos regressei à TVI.
Existe muita diferença entre estar a trabalhar numa estação televisiva pública do que numa privada?
Não senti diferença alguma, aliás esta profissão é feita de desafios. De qualquer das maneiras, trabalhei na estação pública e trabalho há 15 anos numa estação privada, mas digamos que é no mesmo conceito de programa. Portanto, quando digo “eu não vi diferenças assim de grande importância”, estou-me a cingir ao facto de me ter especializado em programas da manhã, programas de companhia, neste género de talk-show na RTP e venho para a TVI fazer absolutamente a mesma coisa. Em termos de programa em si, não senti grandes diferenças. Em termos de funcionamento de uma instituição de uma casa em relação à outra, também não notei grande diferença.
O Manuel Luís Goucha é uma pessoa curiosa, gosta muito de aprender, já o disse várias vezes publicamente. O facto de apresentar o mesmo programa há 13 anos e ter de se preparar para temas diferentes todos os dias “alimenta” o seu intelecto?
Alimenta essa curiosidade, que acho que é a minha maior qualidade. Dou-lhe o exemplo de amanhã: vou falar de dois livros distintos, não vou falar dos livros, mas vou falar da matéria dos livros. Um deles é sobre as pessoas que fizeram oposição a Salazar, os inimigos de Salazar. Eu li o livro! Mas, ao mesmo tempo, vou falar de um outro livro, no mesmo programa, sobre a vida do Fernando Correia, também li o livro. Vou falar do “soldado milhões”, vou falar dos cem anos da Batalha de La Lys, na Primeira Guerra mundial, onde os portugueses estiveram a combater e perderam a vida, milhares de portugueses. Também vou ter de me inteirar do assunto, isso obriga-me a alimentar essa minha curiosidade.
É estimulante?
É estimulante e é a única maneira que entendo de fazer televisão, é saber do que estamos a falar. Claro que depois há muitas formas de sabermos, através de material que a própria produção nos pode fornecer. Mas se é para falar de um livro, tenho que ler o livro. Não tenho outra vida senão fazer televisão desta forma, por isso é que depois não há tempo, ainda por cima agora com o acumular de projetos, como o da noite, não há tempo para me dedicar aos amigos. Mas é uma opção de vida! Eu tenho que satisfazer a minha curiosidade e é a minha curiosidade que alimenta depois o facto de eu ser um bom profissional de televisão.
Portanto isso mantém-lhe o gosto pelo programa?
Com certeza, eu podia chegar aqui e não saber nada de nada, mas como já tenho muitos anos disto conduzia a conversa de uma forma inócua, mas que desse para a pessoa ir respondendo. Há quem faça televisão por intuição. Eu faço por trabalho.
E um belíssimo trabalho, deixe-me que lhe diga.
E um belíssimo resultado, que é diferente (risos).
Eu li uma coisa muito curiosa sobre si que desconhecia. O Manuel Luís foi ator, fez teatro?
Fui, fiz teatro profissional, portanto fui ator profissional, durante dez anos.
Esteve em várias companhias.
Estive em várias companhias. No chamado Teatro Independente, estive no Teatro de Campolide que agora se chama Teatro de Almada, onde fiz a segunda peça que José Saramago escreveu. Trabalhei na Luzia Maria Martins e depois, quando passei para o teatro comercial, para tentar fazer uma peça, uma comédia, na companhia do Raúl Solnado, fui despedido, por falta de talento… e ainda bem porque fechou-se uma porta e abriu-se a janela da televisão! Mas acho que o teatro foi útil, porque, por exemplo, o teatro dá uma capacidade de improviso grande, não é? E dá, sobretudo, uma estaleca para que por muita desgraça que aconteça num programa tem que se continuar se estamos em direto. Penso que essas técnicas, essas ferramentas, adquiri-as enquanto ator. Não sei até que ponto é que o ator não está ali presente todas as manhãs. Um bocadinho estará, certamente. Apesar de ser muito eu, está também a técnica teatral.
É impressionante, ia fazer-lhe essa pergunta.
Mas eu já a matei (risos).
Falou aí no improviso. O Manuel Luís não usa teleponto?
Não, não uso. Nem eu, nem a Cristina. Mas porquê o teleponto? Eu sei que, hoje em dia, usa-se muito o teleponto, sobretudo na informação. Eu sou do tempo enquanto espectador que os pivots, não se dizia assim, mas os apresentadores do telejornal tinham todas as notícias escritas em papel e iam lendo. Agora, em programas como por exemplo o ‘Você na TV’ ou a ‘Tarde é Sua’ ou a ‘Praça da Alegria’ não se justifica o teleponto. O teleponto limita-nos no que diz respeito ao improviso, à naturalidade, portanto, nunca usei teleponto.
Portanto, o facto de estar à frente de um programa de entretenimento tem que ser uma coisa espontânea?
É claro que o melhor improviso está estudado, há muitos improvisos que estão na minha cabeça. As apresentações, as introduções de algumas peças, mais ou menos tenho a ideia do que vou dizer, mas a conversa é muito coloquial e se tiver que tropeçar numa palavra, tropecei, é como se estivesse a conversar com as pessoas lá de casa. Portanto, tudo é muito mais natural sem teleponto. O teleponto para mim seria um entrave a essa autenticidade que procuro ter todos os dias. Também nos programas da noite, onde a dinâmica é diferente, por exemplo, na ‘Casa dos Segredos’, agora que estou a fazer este programa, não uso teleponto, escrevi os meus textos de abertura da introdução de peças, tenho-os na cabeça mais ou menos.
Por falar em ‘Casa dos Segredos’, que é um projeto novo na vida do Manuel Luís Goucha, mas é um conceito que já existe há alguns anos e é um programa que sempre foi e que ainda hoje é alvo de preconceito…
E de polémica…
Teve receio de associar a sua imagem ao programa?
Não, nenhuma. Houve muitas pessoas que tiveram estranheza quando se comunicou que eu era o apresentador da ‘Casa dos Segredos’. Houve de tudo: houve quem achasse o máximo, houve quem achasse que eu talvez proferisse alguma dignidade ao projeto, que, entretanto, se tinha perdido com o correr do tempo, e alguma elegância, mas isso era um tiro no escuro, não é? Aceitei o desafio imediatamente, disse logo: “sim, vou fazê-lo!” Porque era um desafio tão diferente na minha vida como apresentador…
Não pensou?
Não, não pensei nada. Aliás, só pensei passado um mês, quando cada vez se aproximava mais a estreia e aí, sim pensei: “mas no que é que me fui meter”? (risos). Houve muitas pessoas que estranharam dado à minha elegância, mas aceitei justamente porque é um desafio que à partida não se cola à minha faceta de apresentador.
Sai da sua zona de conforto.
Saio completamente da minha zona de conforto. Esse é que é o desafio! Não tem a ver com o dinheiro. Claro que sou mais pago ainda, claro que sim. Se eu tenho um contrato que me obriga a fazer por “X” dinheiro o ‘Você na TV’, tudo o que eu faço para além disso é contratualmente pago. Mas não é essa a questão, de que vale ganharmos mais, se depois temos um fracasso televisivo que nos pode macular o percurso? A ideia que persiste na cabeça das pessoas não é aquilo que fizemos para trás é o sucesso ou o fracasso no imediato. O que eu procurei foi de modo equilibrado e elegante conduzir uma gala.
Há pouco o Manuel Luís Goucha disse que a ‘Casa dos Segredos’ sai completamente da sua zona de conforto e eu lembrei-me de uma situação que ocorreu quando estava no ar o ‘Dança com as Estrelas’, o Manuel Luís já tinha dito que não gostava de dançar e referiu essa situação ao longo da semana no ‘Você na TV’ com muito humor. É assim que lida quando sai da sua zona de conforto?
Sim. Ninguém me obriga a participar em nada. Portanto se eu aceito é para ultrapassar o desafio que é sair da zona de conforto. O ‘Você na TV’ não tem qualquer tipo de dificuldade para mim. É como uma espécie de “ninho”. Repare, estou amparado ali por pessoas que me conhecem há treze anos. É como se estivéssemos numa nuvem onde as coisas vão acontecendo. Na casa dos segredos por exemplo eu estou “em arena”, não é em arena propriamente dito, mas eu estou ali sozinho, sem teleponto, talvez com uma escapatória, repare eu aqui tenho várias escapatórias se me vir aflito vou ao público. Eu no ‘A Tua Cara Não Me É Estranha’ acontece uma coisa qualquer temos a Cristina ou o júri, aqui não tenho nada, tenho a voz. Mas a voz não está ali, é uma coisa distante que eu não conheço e ainda por cima não sei quem é.
Não sabe?
Não. Agora eu percebo porquê que a voz é importantíssima para aquelas pessoas e não mais a esquecem e alguns concorrentes que até se comovem quando depois mais tarde ouvem de novo a voz e, portanto, ali não, ali o desafio é estou ali, não é? Estou ali barricado entre duas paredes de público, portanto estou exposto de outra maneira. Enquanto espetador dos reality shows eu tinha uma postura diferente face aos concorrentes, eu próprio acabava sempre por gerar algum pequeno ódio em relação a esta figura ou àquela e claro alguma estima por esta ou outra ou aquela ou outra.
É imparcial?
Não sei se consigo ser imparcial, mas não tenho preferência se você me disser: “Gosta de quem?” gosto de todos e neste momento estou-me absolutamente nas tintas para quem vai ganhar, é curioso.
Em entrevista ao José Alberto Carvalho, o Manuel Luís revelou que já teve preconceito relativamente a este tipo de programas.
Sim, claro. Eu tenho preconceito em relação ao ‘Love on Top’, porque o objetivo é completamente diferente. Eu e a Cristina já tivemos preconceito em relação a este tipo de programa. Mas tal como disse ao José Alberto de Carvalho foi um preconceito que se foi esbatendo à medida que ia recebendo as pessoas no estúdio, muitas vezes acabávamos de falar com a pessoa, porque é a tal leviandade com que julgamos os outros através de um produto televisivo, e pensei: “olha que interessante que este jovem é para além daquilo que mostrou na Casa dos Segredos”.
Sim, aliás o Manuel Luís deu o exemplo do Marco…
O Marco é um grande exemplo, nós olhamos para aquele homem e não dávamos nada por ele e é um trabalhador incansável, muitas vezes não se deita naquelas épocas mais festivas como o Natal, a fazer os seus bolos, as suas tartes, as suas tortas, tem um negócio montado, lançou um livro. Eu fui a primeira pessoa a aceitar: “sim, sim” eu faço um prefácio. Portanto eu habituei-me a não julgar os outros. Mas isso foi uma coisa que eu fui castigando em mim ao longo do tempo. Eu não entendia porque é que as pessoas alinhavam numa exposição mediática a partir de um reality show, que é o que é. Mas depois também pergunto, alguns é porque querem ser conhecidos, então e eu não quis sempre ser conhecido? Desde miúdo que eu dizia isso (risos).
Há uma coisa que é muito curiosa no seu percurso, que é o facto de o Manuel Luís Goucha ser admirado por milhares de pessoas. Como é que consegue manter ao longo de tantos anos em televisão, um público que lhe é fiel?
Eu acho que é a verdade. Eu sou muito feliz a fazer televisão e acho que isso passa para casa das pessoas. Há pessoas que me dizem são as minhas horas de felicidade eu rio-me consigo, eu comovo-me consigo, mas eu gargalho com os seus disparates. Ora está ganho! Esse é o objetivo das manhãs, fazer companhia agradável às pessoas, falando de tudo e até dizendo disparates!
E é isso que chega e que passa para a casa das pessoas.
É isso que passa e depois as pessoas fidelizam-se ao programa.
Para finalizar, porquê que acha que uma jovem como eu, com a minha idade que está a estudar, escolheu o Manuel Luís Goucha para entrevistar e não escolheu outra pessoa, outra personalidade para entrevistar mais próxima da minha geração?
Isso é uma pergunta interessante e porque eu acho com alguma vaidade e sem presunção que eu atravesso várias gerações. Acho curioso como gente jovem, gosta do meu trabalho, gosta da minha irreverência e da minha autenticidade. Agora eu penso é que eu tenho sabido envelhecer bem, e envelhecer bem é sem tentar cair no ridículo e com juvenilidade. Eu penso que a curiosidade me mantém jovem, até ao último dos meus dias.
Sim e estimula.
Sim, e uma jovem que quer seguir a área de comunicação social é natural que queira conversar com um dos melhores. (risos)