Os incêndios que deflagraram no País, entre junho e outubro, deixaram um rasto de destruição. É tempo de acionar as medidas do Governo, mas a natureza não perdoa: será necessário muito tempo para que a floresta portuguesa volte a ser verde.
O tempo quente que se prolongou até outubro trouxe consigo a calamidade dos fogos florestais que conduziram a uma tragédia sem precedentes em Portugal. Segundo os dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, arderam 504,7 mil hectares de povoações inteiras e floresta, o que levou à perda de vidas humanas, animais e vegetais.
A APA -Agência Portuguesa do Ambiente, o organismo que monitoriza a qualidade do ar e os níveis de poluição, registou elevadas emissões de dióxido de carbono na atmosfera, nos diferentes períodos em que o País foi dizimado pelas chamas e ficou envolto em fumo. Com a poluição do ar, as entidades lançaram, de imediato, o alerta sobre os riscos que a inalação do fumo representa para a saúde pública. Na altura, a APA divulgou informação sobre os diversos sintomas relacionados com a degradação do ar, entre os quais, a irritações nos olhos, tonturas e náuseas, especialmente, nos grupos mais vulneráveis, como os doentes asmáticos e idosos.
Desastre ambiental
Com os campos agrícolas queimados, muitas famílias que viviam das terras também perderam o sustento do dia-a-dia. Nas florestas devastadas pelas chamas, os animais que sobreviveram viram o seu habitat ser destruído, ao mesmo tempo que perderam o alimento que os mantinha ligados a estes espaços verdes. Alguns meses depois dos grandes incêndios, a regeneração dos solos será o maior desafio. Isabel Castanheira e Silva, engenheira agrícola e docente no Instituto Politécnico de Castelo Branco, deixa um prognóstico bastante negativo para os espaços queimados. “A recuperação vai levar muito tempo. Terão de passar décadas para que os solos e a floresta possam voltar a recompor-se e a reflorescer. Além de toda a erosão subsequente das chamas e a perda de vegetação, foi utilizada água salgada para apagar os fogos, o que tem uma consequência negativa sobre os mesmos”, revela.
Apoios a contrarrelógio
Após a tragédia, o Governo tomou diversas medidas com o objetivo de proteger a floresta e de impedir que outros fogos deflagrem novamente. Entre as principais medidas divulgadas pelo primeiro-ministro António Costa, encontram-se as decisões de reforçar o papel das Forças Armadas, transferindo as funções de patrulhar as áreas florestais e também de gerir os meios que têm à disposição para prevenir e combater os incêndios. As comunicações da Rede Nacional de Emergência e Segurança – SIRESP, que durante os incêndios deste verão registaram inúmeras falhas, serão reforçadas e as ligações serão enterradas no solo, de forma a evitar a vulnerabilidade dos atuais fios à superfície, que foram danificados pelas chamas e impossibilitaram as chamadas de emergência. Isabel Castanheira e Silva considera que “estas medidas já vêm tarde porque todas as decisões deveriam ter sido tomadas quando era realmente urgente e necessário, ou seja, antes de toda a tragédia”.
A engenheira agrícola sublinha que «ainda é preciso que muito seja feito para impedir que novos fogos levem o que restou da floresta e dos campos agrícolas». Na opinião da especialista, o Governo deveria exercer uma política de consciencialização ambiental perto das populações: “Seria necessário começar a prevenção perto das pessoas que convivem todos os dias com o campo e com a floresta, pois são quem, todos os dias, está perto e também precisam de ter um papel fundamental de cuidar do que está ao seu redor. É preciso que a população e também o Governo se consciencialize que é de máxima importância começar a limpar as matas e tudo o que está à sua volta.” Nestes processos, o tempo urge. “Esta ideia precisa de ser posta em prática o quanto antes.”
No meio das medidas divulgadas pelo Governo, estão os apoios financeiros que vão ser atribuídos aos agricultores, assim como uma verba até 35 milhões de euros para apoiar a alimentação dos animais e o depósito e a comercialização da madeira ardida. A 8 janeiro, Luís Capoulas Santos, ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural anunciou que o Governo vai disponibilizar 10 milhões de euros para a criação de parques de madeira. O objetivo é favorecer o escoamento da madeira ardida dos terrenos queimados. Em declarações à Imprensa, garantiu: “O Governo irá apoiar a criação de dois tipos de parques de madeira. Um, aquele que é a nossa principal prioridade neste momento, dedicado à madeira de serração e, para isso, será concedido um apoio financeiro de quatro euros por tonelada aos produtores. Por outro, será dado um apoio de três euros por tonelada aos parqueadores, desde que, quer no pagamento ao produtor, quer na entrega no parque, sejam respeitados preços mínimos de 25 e 46 euros, respetivamente.”
Como ainda há muito por fazer quanto às ações de prevenção e de reconstrução do que restou, Isabel Castanheira e Silva salienta que é importante que estejam a ser dados apoios aos agricultores que precisam de se auto sustentar e de manter os empregos. “É um suporte financeiro que precisa de ser contínuo porque irá permitir que muitas pequenas empresas não tenham que abrir falência e que muitas famílias não fiquem em situações de maior dificuldade. Mas também sabemos que estes apoios ainda vão demorar muito tempo a chegar e é isso que também temos de criticar”, conclui.