O recurso à pílula do dia seguinte está a tornar-se um hábito cada vez mais frequente, no país. Em 2017, segundo dados do Infarmed, registou-se um aumento de 45% de embalagens vendidas, comparativamente com 2012. Por dia, os portugueses compraram 526 unidades da chamada contraceção de emergência. Números que os especialistas justificam pela falta de educação sexual.
A comercialização da pílula do dia seguinte, em Portugal, iniciou-se em 2001 e desde então o recurso a este método contracetivo tem vindo a aumentar, sobretudo, entre aqueles que iniciaram recentemente a vida sexual. “A maior procura por parte dos jovens acontece, durante a noite, em farmácias que se encontram em funcionamento 24 horas por dia”, revela Catarina Silva, farmacêutica. Segundo os dados da Infarmed- Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, nos primeiros quatro anos, foram comercializadas mais de 535 mil embalagens da CE (Contraceção de Emergência). Durante o primeiro semestre de 2004, foram vendidas mais embalagens do que durante todo o ano de 2001. Esta tendência manteve-se até aos dias de hoje, visto o ano passado venderam-se mais de 192 mil embalagens, o que representa um crescimento de 45,5% face a 2012. Neste ano, a média de embalagens dispensadas por dia rondava as 361 e, em 2017, as 526, o que equivale a 22 embalagens por hora.
Ema Paulino, presidente da Secção Regional do Sul e Regiões Autónomas da Ordem dos Farmacêuticos, considera que “o aumento das vendas deste medicamento pode ser causado por uma insuficiente educação sexual”, mas afirma que não é possível chegar a essa conclusão sem contextualizar a utilização da pílula do dia seguinte. “O uso da contraceção regular também deve ser analisada, bem como os dados relativos às Interrupções Voluntárias da Gravidez (IVG) e, segundo os mesmos, as vendas das contraceções regulares têm vindo a aumentar, mas os IVG a diminuir, o que é um aspeto positivo.” No entanto, a especialista é da opinião que os atuais números de vendas da CE representam uma oportunidade para mais informação e aconselhamento: “Nas consultas de planeamento familiar, seria importante mencionar a contraceção de emergência, uma vez que é sempre possível haver falhas no método de contraceção regular que nos é apresentado.”
Teresa Bombas, presidente da Sociedade Portuguesa da Contraceção, defende que “o aumento de vendas da CE pode ser um aspeto positivo, pois significa que as pessoas estão mais informadas sobre o significado e o risco de uma relação sexual desprotegida ou inadequadamente protegida. É importante realçar que uma relação desprotegida numa mulher que não quer engravidar deve implicar o uso de contraceção de emergência”.
Em 2007, a venda da contraceção de emergência, que na sua composição contém Levonorgestrel, começou a ser permitida em locais de venda livre, como supermercados. Foi, precisamente, neste ano que se registou o maior número de embalagens vendidas: 237 mil. “O risco de este medicamento poder ser adquirido fora das farmácias não está diretamente ligado às questões de segurança, como os efeitos secundários, mas sim com a desinformação. Fora das farmácias, torna-se complicado garantir que as informações acerca da toma deste medicamento e da sua eficácia sejam transmitidas”, alerta Ema Paulino.
Segundo a mesma profissional de saúde, “sempre que existe procura deste produto em farmácias, há uma oportunidade para o farmacêutico prestar aconselhamento contracetivo, ou seja, torna-se possível dialogar com as mulheres ou com os casais, que procuram aconselhamento. É um momento privilegiado para educar para a saúde, com informação adaptada a cada caso, de forma a aumentar o conhecimento e compreensão para que individualmente se façam melhores escolhas em questões da saúde sexual”. Ema Paulino aponta como exemplo “o momento de processo de dispensa da CE a uma mulher que refere tomar a contraceção regular oral regular, mas que se esquece de fazer a toma frequentemente. Neste caso, será pertinente referir que existem métodos contracetivos não dependentes ou menos dependentes da utilizadora, como o preservativo, implantes e dispositivos vaginais e reencaminhar essa pessoa para uma consulta médica”. Quando a venda acontece fora da farmácia, pode-se perder uma oportunidade de aconselhamento e de intervenção, uma vez que não é obrigatória a presença de um farmacêutico”.
Embora alertem para o recurso excessivo a este fármaco, os ginecologistas afirmam que a acessibilidade à pílula do dia seguinte é fundamental para garantir a prevenção de uma gravidez não desejada. Contudo, Teresa Bombas confessa “não ter qualquer obstáculo à venda destes medicamentos fora da farmácia”, com a justificação que conhece a segurança dos mesmos.
O que é a pílula do dia seguinte?
A ginecologista explica que “a pílula do dia seguinte atua no corpo da mulher bloqueando transitoriamente a ovulação”. E acrescenta: “Existem no mercado duas formulações químicas comercializadas como contraceção de emergência: Acetato de Ulipristal, um comprimido com 30 mg, que faz um bloqueio da ovulação por um período de 5 dias, atuando na fase pré-ovulatória precoce e tardia do ciclo, sendo mais eficaz; e Levonogestrel, um comprimido com 1,5 mg, fazendo um bloqueio da ovulação por três dias, atuando na fase precoce da ovulação (apenas no início do pico da hormona luteinizante (LH)) e é menos eficaz. A primeira pode ser tomada no intervalo de cinco dias após uma relação sexual desprotegida e a segunda no intervalo de 72 horas.”
Não existe um limite de idade para poder iniciar a toma da CE. Qualquer mulher que tenha uma relação sexual desprotegida ou irregularmente protegida (esquecimento da pílula, anel ou rutura de preservativo) pode utilizar. “De acordo com a lei portuguesa, a contraceção de emergência e regular está acessível a todas as mulheres, sendo os adolescentes um grupo de intervenção prioritário”, avança a ginecologista.
A mulher que use repetidamente a CE deve ser informada sobre o método de contraceção que está a usar, pois, segundo a ginecologista, “acaba por se expor a um risco frequente de uma gravidez não planeada e deve consultar o seu médico de forma a rever o método de contraceção em uso, sendo nestes aspetos que o aconselhamento na venda deve ser baseado e não sobre a questão do risco de toma”.
Eficácia e os efeitos secundários
A eficácia da CE depende da sua boa utilização, da escolha entre as duas composições e da altura do ciclo menstrual. Farmacêuticos e ginecologistas afirmam que “este medicamento não é 100% eficaz na prevenção da gravidez, chegando a ser menos eficaz que a contraceção oral regular, e não protege das doenças sexualmente transmissíveis. A CE não é uma pílula abortiva, se a mulher já estiver grávida não irá haver qualquer influência na gravidez em curso”.
A posologia, o modo de tomar a contraceção de emergência e os seus efeitos secundários devem ser transmitidos à utente durante a venda, segundo a Norma da Ordem dos Farmacêuticos. Ema Paulino refere que “os efeitos secundários da pílula do dia seguinte são raros, ligeiros, transitórios e sem necessidade de terapêutica adicional. São descritos como cefaleias (dores de cabeça), náuseas, vómito, tonturas, aumento da sensibilidade mamária e dores pélvicas”. Estes efeitos – continua – “surgem, em geral, duas horas após a toma e podem manter-se por dois dias. No entanto, uma alteração menstrual pode atrasar ou acelerar a menstruação e mantê-la alterada até três meses. Se durante as primeiras três horas seguintes à toma a utente vomitar, deve consultar um médico ou farmacêutico pois é provável que tenha de repetir a dosagem”.
Apesar de a CE ser considerada uma bomba hormonal, contendo seis a 20 vezes mais a dose hormonal de uma pílula comum, a especialista assegura que não existe um verdadeiro risco na sua toma, desde que seja controlada e cuidada. “Ambas as contraceções de emergência são seguras – não causam efeitos secundários graves nem complicações sobre a fertilidade futura – para a saúde e não colocam em risco a vida da mulher nem o seu estado de saúde. Podem ser tomadas por todas as mulheres saudáveis e não saudáveis. A pílula de Levonogestrel não tem contraindicações; na de Acetato de Ulispristal, as contraindicações são doenças tão raras que pode ser usada sem limitações importantes. A ideia de um risco para a saúde é um mito. O facto de não ter contraindicações e ser segura foi determinante para que estes medicamentos sejam vendidos sem prescrição obrigatória”, avança a ginecologista.
De uma maneira geral, Teresa Bombas considera que “a informação sobre a contraceção de emergência deve estar incluída na informação disponibilizada às mulheres, sobretudo, se estiverem com métodos de contraceção cuja eficácia depende da sua boa e regular utilização”. O aumento do consumo da contraceção de emergência, por mais alarmante que possa parecer, para a ginecologista, “não precisa de ser visto como uma coisa má, mas sim como um sinal de responsabilidade e de maior informação da população”. A presidente da Sociedade Portuguesa da Contraceção sublinha, no entanto, que “à mesma medida que ocorre o aumento do consumo deste fármaco, também aumenta o consumo da contraceção regular, o que não corresponde a uma substituição do uso regular de contraceção.”