“Morta por dentro, mas de pé, de pé como as árvores” do clássico de Alejandro Casanova volta ao palco com o encenador Filipe La féria, no Teatro Politeama.
São ainda sete da noite e o barulho das palmas já percorre o corredor dos camarins. Depois de quatro panos, a peça das cinco termina, mas o ritmo não se perde. Com espetáculo marcado às 9h30 da noite, os atores fazem os últimos ajustes às personagens que dão novamente vida à peça “As Árvores Morrem de Pé”, de Alejandro Casanova, até 1 de janeiro.
Acreditando que o teatro deve conceber-se em poesia e só depois se concretizar em dramático, o autor espanhol inovou os moldes estilísticos do teatro. Casanova aventurou-se em palavras e deu ao público tudo, menos cenas de conclusões lógicas. A poesia das suas peças expunha a realidade do mundo fora do palco.
A peça encenada por Filipe La Féria, no Teatro Politeama, não é só agora representada por grandes nomes dos palcos portugueses. Em 1966, na altura que a RTP emitia as Noites de Teatro, Palmira Bastos aparecia pela última vez nos ecrãs dos portugueses em “As Árvores Morrem de Pé”.
A história é um teatro dentro do próprio teatro. Abre o pano para uma organização clandestina de talentos duvidosos que dedica o tempo a salvar as pessoas da infelicidade. Escrevem poesia na vida das pessoas através de personalidades falsas. Nesta ideia de vidas encenadas, Ruy de Carvalho é quem acolhe a personagem que será o verdadeiro organizador da narrativa em palco, Fernando Balboa. Um velho senhor que procura a “empresa” com um pedido surpreendente: a morte do neto teria que ser escondida da mulher.
Depois de 27 anos a escrever cartas fictícias – de um neto perigoso que fugira para o Canadá, para uma avó preocupada disposta a perdoá-lo – Balboa recebe o telegrama do neto a dizer que voltaria em breve e, logo após, a notícia de um naufrágio sem sobreviventes.
Carlos Paulo como Maurício, o diretor da organização, aceita de imediato o desafio. Neste jogo entre a mentira e a verdade, decidem levar Teresa, a mais nova sobrevivente da infeliz ideia de não ser feliz. Balboa concorda que a jovem tem todas as características da namorada fictícia do neto criado. O casal avança para casa da avó Balboa, interpretada por Manuela Maria, onde fingem ser o casal maravilha.
De espírito alegre, Ruy de Carvalho chega cedo, não pelo nervosismo, mas pelo medo de errar: “Já não fico nervoso, sei que vou para cena e que sou capaz de o fazer, bem é que já não sei se sou capaz. Por isso, vou sempre com respeito, respeito por mim, pelo público e pelos meus colegas. A isso chama-se humildade, humildade que começa por nós, com os nossos colegas e por fim com o público”.
Depois de acompanhar o texto a tornar-se real com Palmira Bastos, o ator inspira-se no talento da protagonista e sente orgulho. “É com prazer que faço esta peça. Está muito bem escrita e sempre teve êxito.” Agora, com o encenador Filipe La Féria, o padrão mantém-se com a sala cheia, de quarta a domingo. “Filipe La Féria é um grande profissional, exige muito dos atores e principalmente muita qualidade”, afirma Ruy de Carvalho, concordando com os métodos de trabalho do encenador: “E acho muito bem! Se não tiverem qualidade fracassam, porque para conquistar um público como o nosso, temos que ter muita qualidade.”
E se se identifica com a personagem que interpreta no Teatro Politeama? “Seria bem capaz de fazer o mesmo que Balboa, é um velho senhor que faz de tudo para evitar a dor da sua mulher, de ter um neto malandro”, explica o ator com um sorriso.
O clássico em palco
Cá fora, impera um ambiente de convívio ao som de uma música suave, interrompida pela voz que anuncia a peça das 21h30: “As Árvores Morrem de Pé”. Lá dentro já começa o espetáculo, com Filipe La féria de caneta em mão, chamando alegremente o público: “Venham, sejam bem-vindos!”. Sem demoras, oferece a quem passa o programa da peça autografado por si. E com alegria na voz despede-se: “Bom espetáculo!”.
As expetativas de Maria Lurdes de Almeida são grandes, “É uma peça que ouvi falar desde sempre, sobretudo, a mensagem”. Sendo costume fazer visitas aos cadeirões do teatro desde 1966, a professora Fernanda partilha da mesma opinião: “A motivação para vir hoje foi, precisamente, rever uma peça que vi quando era adolescente. É uma história muito profunda que quero reviver com esta idade.”
A sala do Teatro Politeama enche como o coração de Teresa, que espera ser salva por amor. E as pessoas aguardam como as árvores de Jacarandás que, permanecem firmes, do início ao fim.
A cena abre com a organização clandestina que realiza o desejo de Teresa. No minuto a seguir, truques de ilusionismo, padres, cães e ladrões preenchem o palco. Várias personalidades que estão dispostas a convencer o público do que o teatro numa vida é capaz.
Os aplausos não são tímidos quando Ruy de Carvalho caminha pelo cenário como Fernando Balboa. Pronto para salvar a mulher, faz o seu pedido ao diretor da organização, Maurício. As preparações para a próxima poesia são rápidas. Teresa, a mais nova aquisição do clã, partirá na sua primeira missão. Acompanhar o “falso” neto para deslumbrar a avó, com o seu sorriso.
Na casa rodeada de troncos cobertos de lilás, a avó Balboa recebe de braços abertos o seu falsificado neto, que com os seus truques de persuasão, a faz amar como o verdadeiro neto que desaparecera a 27 anos.
Por entre inesperadas atuações, o público aplaude bravamente quando Manuela Maria – como avó Balboa – profere a célebre frase final “Morta por dentro, mas de pé, de pé como as árvores”.
Depois de um serão cheio de emoções, Maria Vilas Boas deixa o piso ímpar com olhos em lágrimas. “Adorei a peça. Ela abandonou um neto que era malandro e ganhou um novo amor daqueles dois que não lhe eram nada, mas que a respeitaram, ao contrário do neto verdadeiro.”
Maria Pereira, que veio com o marido de Peniche numa excursão, declara a sua adoração pela peça: “Também temos um neto de 18 anos em casa. Então, o momento que me marcou foi a história do neto. Pensei se, eventualmente, tivesse acontecido o mesmo comigo.” Mas o marido acrescenta: “Felizmente o nosso neto é um bom rapaz.”
Os verdadeiros protagonistas da história foram Manuela Maria e Ruy de Carvalho, mas os mais jovens não ficaram nada aquém. Filomena Pina, que não conhecia o texto, confirma que “todos se destacaram e têm uma capacidade incrível para o teatro”. A amiga Sandra Pratas acrescenta ainda que “a Manuela Maria foi o expoente máximo da peça, mas gostei de todos, em geral”.
Veja o video da peça de teatro: