Fernando, Lopes da Silva e Fonseca são alguns dos personagens mais famosos do “Gato Fedorento”. José Diogo Quintela, um dos membros fundadores do grupo, interpretou-os a todos. Cronista, humorista, guionista, sportinguista e um dos sócios d’A Padaria Portuguesa, este lisboeta nascido em 1977 aceitou esmiuçar as definições de humor, política e escrita, numa conversa muito bem humorada, a propósito da celebração do 20º aniversário do “Gato”.
É cronista, humorista, guionista e sportinguista. Tem algum fetiche pelo sufixo ista?
Não, não sou fetichista.
Jerry Seinfeld diz que “o impulso para começar a fazer stand-up comedy é pensar que temos algo interessante para dizer ao público”. Qual foi o seu impulso?
Sempre gostei de fazer rir as pessoas. Foi algo que sempre procurei fazer, fosse através de alguma coisa que dissesse ou de alguma coisa que escrevesse. Gostava de como, através das palavras, podia causar uma reação tão espontânea e imediata nas pessoas. Isso fez-me pensar que poderia fazê-lo no futuro, mas nunca pensei que fosse algo em que pudesse trabalhar durante a minha vida toda.
Há uma distinção entre a escrita humorística e a interpretação humorística do texto…
Há pessoas que se dedicam mais à escrita e outras mais à performance. Quando comecei, a minha ideia era apenas escrever. Era disso que gostava, apesar de também gostar dos formatos televisivos. Quando começámos o “Gato Fedorento” deu-se uma conjugação de circunstâncias que fez com que tivéssemos de ser nós a interpretar os textos.
O “Gato Fedorento” começou num blogue. A vossa intenção passava por ganhar visibilidade?
Não diria isso. Nós escrevíamos textos para o Herman [José] e para a Maria Rueff e crónicas para o jornal A Bola. Todo o material que criávamos era propositadamente escrito para esses meios. Mas como gostávamos de escrever e de ter ideias, e não tínhamos um meio onde as usar, decidimos criar um blogue. Mas não era com o objetivo de gerar o que gerou. No fundo, permitiu-nos expor as nossas ideias e textos.
Alguns dos textos que foram escritos para o blogue, surgiram, inicialmente, como ideias para sketches?
Sim. Às vezes, só uma frase origina um sketch. Umas das origens dos sketches do “Gato” eram textos que tinham sido, inicialmente, propostos à Maria mas que ela rejeitava e nós aproveitámos para usar no nosso programa.
A primeira aparição do grupo teve lugar em 2003, na SIC Radical, no programa “O Perfeito Anormal”, de Fernando Alvim
“Gostamos de fazer rir porque o riso é um momento de prazer”
Numa entrevista à Rádio Renascença, Ricardo Araújo Pereira disse que muitas das vossas ideias surgiram da observação do José Diogo. O que é mais importante para um humorista: a observação ou a imaginação?
Não consigo desligar uma da outra. Muitas vezes, o humor nasce de uma deformação da realidade. Seja através de um exagero, seja através de uma inversão. Mas para isso tens de conhecer a realidade. E isso faz-se observando. Podemos estar na mesma sala, a ver as mesmas coisas, mas estamos a prestar atenção a detalhes diferentes. E é dessa realidade apreendida que nasce a imaginação.
Desse ponto de vista, é correto afirmar que o sentido de humor é, ou pode ser, uma espécie de doença que nem todos estão interessados em contrair?
Toda a gente nasce com sentido de humor. A interpretação que fazemos daquilo que observamos é uma escolha. É um músculo que se trabalha. Há pessoas que preferem desligar isso e, quando olham para o mundo e veem uma situação absurda, optam por não reparar que é absurda. O humorista não só está treinado, como também tem interesse em explorar e mostrar isso às pessoas. É esse treino e essa obsessão que gera o riso.
Considera que a intenção de fazer rir outra pessoa é uma atitude altruísta ou egoísta?
Ambas. Todo o altruísmo tem uma parte egoísta. Gostamos de fazer rir porque o riso é um momento de prazer e, quando geramos esse momento, gostamos de saber que temos essa capacidade.
Na sua opinião, os jornais são um bom meio para fazer comédia?
O humor é uma linguagem. Acho que não se adapta para dar notícias, que é uma coisa meramente formativa e que se espera seja neutra e factual. Se se der notícias recorrendo à linguagem humorística não se alcançará o principal objetivo, que é informar. Como instrumento opinativo, o humor adapta-se perfeitamente, porque tem códigos específicos que transformam os textos em algo diferente.
“As redes sociais tornaram-se sítios onde escrever sobre determinados temas é quase impossível”
Por que é que tem decidido escrever crónicas sobre assuntos relacionados com a política e com a sociedade?
Porque me deixo influenciar pelo meio. Quando escrevia para o Público, escrevia na revista semanal Pública. Nas revistas, por não ser diária, a crónica é mais intemporal. Quando fui escrever para o Correio da Manhã, e agora no Observador, sinto mais necessidade de me debruçar sobre os temas sobre os quais o jornal fala naquele dia.
É a política que tem piada ou são os humoristas que transformam a política em algo engraçado e com o qual se possa gozar?
Acho que as coisas têm piada antes do humorista falar sobre elas. A política é um tema com um potencial humorístico grande porque tem impacto na vida das pessoas.
A política pode tornar o humor numa coisa séria?
Há quem defenda que o humor é para ser usado como uma arma política. Discordo disso. Não acho que a política, por ser um tema sério e por ter impacto na vida das pessoas, torne o humor numa coisa séria.
As redes sociais trouxeram visibilidade a quem pretende começar a escrever textos, independentemente da natureza dos mesmos. É mais difícil publicar textos, hoje em dia, do que era há 20 anos?
Quando começámos o “Gato Fedorento” não havia a interação obrigacional com o público que as redes sociais proporcionam. Não nos sentíamos pressionados nem preocupados com eventuais respostas que aquilo que escrevíamos pudessem ter. Hoje em dia, há um ambiente que não é propício a dizer o que se quer. As redes sociais tornaram-se sítios onde escrever sobre determinados temas é quase impossível, porém não acredito que isso teria influência naquilo que escrevíamos.
O que acha da nova geração de humoristas portugueses?
É uma geração com qualidade, mas que se ofende com pouco. Não é uma crítica a humoristas, mas sim a esta geração. Esta geração é muito frágil e isso reflete-se na forma de como muitos humoristas são mais ativistas do que humoristas, e usam muito as suas fragilidades. As fragilidades combatem-se. Não se usam como símbolos de orgulho. Há bastantes mais humoristas do que havia quando comecei. Gosto dos que trabalham comigo.