Pedro Ramos Bichardo tem 28 anos e sempre sonhou trabalhar em televisão. Apaixonou-se pela caixinha mágica no “Ídolos”, mas foi na Rádio Portalegre que o bichinho da comunicação cresceu. Após dois anos como jornalista na CMTV, é atualmente repórter da crónica criminal do “Dia de Cristina”. Em entrevista, confessa que esta tem sido a melhor experiência da sua vida e defende a importância da denúncia na busca da verdade, mesmo que doa uma vida inteira.
Iniciou o seu percurso em 2011 e, no passado mês de julho, completou a licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa. Quando é que se apercebeu que Comunicação seria o seu futuro?
Sempre gostei muito de comunicar e de chegar às outras pessoas. Percebi que podia ser o meu caminho, mas sem ter certezas. Entrei para a Rádio Portalegre, em 2011 e, mesmo aí, não tinha muitas certezas se esse seria o meu caminho. Sabia, desde muito cedo, que queria fazer televisão e até tinha uma brincadeira durante as férias de verão com o meu primo: ele era a TVI e eu a SIC. Depois, houve uma altura do “Ídolos”, na edição em que o Diogo Piçarra ganhou, em que concorri a uma rubrica que tinham, o “Repórter por um Dia”, e fui selecionado. Fui para uma das galas fazer reportagem e, ao ver aquele embate dos bastidores, aquela movimentação fenética e a preparação do direto, percebi que era isto que queria fazer para o resto da minha vida. A partir daí, fui fazendo o meu caminho, muito consciente dos passos que estava a dar. Começar na rádio que, para mim, é a maior escola de qualquer comunicador, passar pelo jornalismo e, depois, chegar ao entretenimento. Não queria subir mais do que um degrau de cada vez e acho que tenho feito isso.
Depois do seu percurso académico, quais são as melhores recordações que leva da nossa “Casinha Amarela”?
O meu percurso não foi propriamente o mais normal. Vim para Lisboa e, assim que saí da Rádio Portalegre, comecei à procura de um projeto em rádio. Para entrar nos projetos, tenho de acreditar neles. Aquilo até pode falhar, mas alguma coisa cá dentro tem de me tocar. Enviei para várias estações de rádio o meu currículo e a Popular FM foi a única que me respondeu, e era a rádio que queria. Comecei aos fins de semana e, depois, a diretora convidou-me para ser um dos seus braços direitos na programação. Fui para a programação e houve uma altura em que pensei: “Tudo bem, isto está a correr bem, mas tenho de pensar mais além.” Há muita gente que diz que o canudo é importante. Achei que seria importante e é quando concorro à Universidade Autónoma de Lisboa. Optei pela Autónoma por sentir que o curso era muito prático. Senti que, pelo menos, ali conseguia encaminhar-me para aquilo que queria fazer mais tarde.
No segundo semestre, recebi uma proposta de trabalho para a Impala e era impossível conciliar. Agradeço eternamente a vários colegas que me ajudaram e que me permitiram fazer o curso. A melhor memória que guardo é, sem sombra de dúvida, o companheirismo de alguns colegas. Os professores eram todos fantásticos. Recordo-me muito da professora Telma (Ruas), da professora Paula (Lopes), do professor (João) Santareno e do professor Miguel (Van-der Kellen). Sempre nos foi dito que a professora Telma (Ruas) e a professora Paula (Lopes) eram professoras exigentes. Sempre gostei de trabalhar com pessoas difíceis porque podemos ter a certeza do que está bem e do que está mal, e não vai haver qualquer forma de ‘passar paninhos quentes’. Houve um momento, quando já estávamos a despedir-nos dos professores, em que o professor Miguel (Van-der Kellen), quando eu ainda estava na CMTV, disse: “Tudo bem, até podes estar a ser feliz, mas não te esqueças que tens capacidade para mais.” Senti que era ali que tinha que ir procurar o próximo passo.
“Embora soubesse que queria fazer televisão, a minha primeira grande paixão em Comunicação foi a rádio”
Como referiu, foi enquanto animador na Rádio Portalegre e, mais tarde, na POPULAR FM, que teve o primeiro contacto com a área. Numa entrevista, afirmou que apenas via a rádio como uma “porta de entrada”. Foi esta a sua primeira paixão? O que mais o fascinou na rádio?
Essa é uma das histórias mais interessantes e a que mostra que este era mesmo o meu caminho, por mais difícil que seja. Fui à Rádio Portalegre falar com o diretor de antena e ele diz: “Olha, mas porque é que queres vir para a rádio?” Na minha inocência, disse-lhe que não gostava de rádio, mas que, para mim, aquela era a única forma, em Portalegre, de entrar no meio. Saí de lá a pensar: “Ok, não vou ser chamado.” Passado uma semana, mandou-me uma mensagem a dizer: “Tens aqui a tua oportunidade, ‘bora lá.” Foi aqui que começou a nascer o tal “bichinho da rádio” que muita gente pensa que é cliché, mas não é. Há uma diferença brutal em fazer rádio e fazer televisão. Em televisão, temos 1.500 preocupações. Na rádio, temos a preocupação da dicção e depois o que vou defender para o resto da vida: a verdade. Temos de ser muito verdadeiros quando estamos a fazer rádio porque a mensagem tem de passar só através da voz, sempre de uma forma muito clara, porque não há forma de voltar atrás. Na televisão, há outras preocupações e ali consegui ser muito verdadeiro e feliz (risos). Embora soubesse que queria fazer televisão, a minha primeira grande paixão em comunicação foi a rádio desde o momento em que o microfone ligou e disseram: “É a tua vez, fala!”
Estagiou na revista Nova Gente e na Win onde desenvolveu trabalhos em televisão e, em 2018, frequentou a pós-graduação em Jornalismo Televisivo e Multiplataforma da Autónoma Academy. Sente que, com este curso, adquiriu competências essenciais para ser jornalista de televisão?
Sinto que me foi mostrado o outro lado que não conhecia. A pós-graduação tem uma parceria com a CMTV e os dois melhores alunos, ou os que se destacaram de alguma forma, eram escolhidos para fazer um estágio profissional. Aquele curso foi o momento em que me foi mostrado o que é trabalhar com uma câmara e mostrou-me as preocupações que não tinha na rádio, como a imagem e a forma como nos expressamos a nível físico. Às vezes, tenho noção que exagero um bocadinho (risos), que sou um bocadinho bruto e é isso que vou aprendendo todos os dias em cada direto e reportagem que faço. Ali, tínhamos a possibilidade de errar e voltar a fazer. Achei que havia dois colegas que seriam escolhidos. Então, a meio do curso, pensei: “Ok, vou aproveitar isto da melhor maneira e para aquilo que quero fazer para o resto da minha vida, sabendo já que não vou ser um dos escolhidos.” Fizemos reportagem, direto e uma simulação de jornal com os maiores profissionais do Correio da Manhã e da CMTV. Gostei daquilo que fiz e percebi que tinha adquirido competências muito boas que seriam importantes para seguir televisão.
E o espírito de companheirismo que referiu, sentiu-o também na pós-graduação, sendo que apenas havia dois lugares para a CMTV?
Senti que fomos um grupo muito coeso. Havia pessoas que não queriam aqueles lugares, que estavam só ali para adquirir competências. Obviamente, quem queria seguir televisão queria aqueles lugares, mas não senti que houvesse mexericos ou a tentativa de ‘lixar’ os outros.
“Tem sido a experiência da minha vida”
No dia 23 de setembro, com mais de dois anos a trabalhar na CMTV, estreou-se, na TVI, como repórter da crónica criminal no “Dia de Cristina”. Que balanço faz desta (ainda) curta experiência?
O “Dia de Cristina” aparece na minha vida de uma forma surpreendente. Estava a trabalhar numa sexta-feira, no Correio da Manhã, e recebo uma chamada de alguém a perguntar qual era a minha situação na CMTV. Expliquei a minha situação do contrato e disseram-me que, se acontecesse alguma coisa, me iriam voltar a contactar. Estava longe de saber que era o “Dia de Cristina”. No domingo, recebi uma mensagem da coordenadora do programa a dizer: “Parece que a oportunidade vai surgir.” Embora quisesse novas oportunidades, estava muito consciente de que o meu caminho ia continuar por ali e, de repente, em dois dias tudo mudou. Neste momento, aos 28 anos, sinto que ou arrisco agora ou não vou arriscar mais à frente, portanto, prefiro muito mais acreditar nos projetos do que propriamente em ter um ótimo contrato.
Liguei para a CMTV para dizer que ia abandonar o projeto e foram excelentes comigo. Era irrecusável trabalhar com a Cristina (Ferreira) e, venha quem vier, é uma das mulheres mais fortes em televisão em Portugal. Queria também conhecer a pessoa de quem toda a gente falava e que agora tenho a certeza de que falam sem a conhecerem. Embora seja muito precoce, tem sido a experiência da minha vida. Não só porque estou a trabalhar com quem queria, mas porque estou num segmento do programa que é muito importante. Dois canais generalistas, àquela hora, estão a fazer o mesmo e nós temos de arranjar maneira de fazer o mesmo de forma diferente, para conseguir conquistar o público. Estou a fazer informação dentro do entretenimento e a experiência tem sido muito gratificante, sinto que já deu para crescer bastante.
Nesse mesmo dia, foi alvo de comentários bastante positivos por parte da apresentadora que, como afirma, é das suas maiores referências. O que considera que o diferenciou de outros para ser o escolhido?
Sinto que tive sorte e que também trabalhei para ter essa sorte. A coordenadora de conteúdos do programa falou com várias pessoas para ter algumas referências e cinco pessoas falaram-lhe do meu nome. Foi um pouco de sorte porque essas pessoas podiam nem se ter lembrado de mim. Depois, tive a sorte de a Cristina gostar de dar oportunidade a novas pessoas. Acho que foi mesmo uma conjugação de fatores que me levou a ser o escolhido, não que tenha sido porque “ele é muito bom e destaca-se de toda a gente”.
“A justiça tem de funcionar e a verdade tem de ser apurada, doa a quem doer”
No “Dia de Cristina” lida com casos sensíveis, maioritariamente relacionados com crimes. Sente que o dever ético e deontológico do jornalista é ainda mais relevante a tratar estes temas, por vezes, suscetíveis?
É muito fácil passarmos para o lado que não devemos, o de especulação, não por nós, mas pelas fontes que vamos juntando. Há sempre aquela pessoa que diz que conhece muito bem [o caso] e que, por vezes, não conhece assim tão bem. Nós começamos a achar que é quase impossível a pessoa estar a mentir, mas há pessoas que mentem muito bem. São temas muito sensíveis e que, por vezes, ainda continuam a doer muito aos intervenientes com quem falamos. Já tive a oportunidade de falar com a mãe de um miúdo que foi abusado sexualmente pelo avô, o pai dela, e aí temos de nos meter no lugar de entrevistadores e, ao mesmo tempo, no lugar daquela pessoa. Temos de perceber até onde podemos ir, de forma a não invadir demasiado o seu espaço, mas também não nos podemos esquecer que estamos a informar outras pessoas. Temos reportagens que vamos desenvolvendo ao longo da semana que têm mais a ver com crimes que já aconteceram e aí temos de ter um bocadinho de cuidado, porque é nessas reportagens que invadimos mais a privacidade das pessoas. Mas temos de nos colocar no lugar de entrevistadores, de forma a que a reportagem não seja só a exploração inevitável do crime, mas também uma forma de arranjar um exemplo para outras pessoas.
A justiça tem de funcionar e a verdade tem de ser apurada, doa a quem doer. Todas as reportagens que vou fazendo passam por aí: mostrar que é necessária a denúncia, que é necessário ir contra a própria família, mesmo que isso seja consequência da busca pela verdade, e mostrar às autoridades que aquelas pessoas não podem ser apenas acompanhadas durante duas semanas porque há crimes que magoam uma vida inteira. O povo português gosta muito da desgraça e do crime, e temos de usar aqueles assuntos de forma a dar o exemplo a quem nos está a ouvir.
Numa entrevista ao blogue Face to Face, afirmou que odeia tristezas e menospreza maldade vinda de outras pessoas. Tendo, agora, contacto direto com as pessoas envolvidas nas diversas histórias de crime com que trabalha, como se consegue distanciar sem trazer uma parte emocional ao de cima?
Tenho de criar mecanismos para desligar daquilo que é a minha vida pessoal. Nestes crimes, sem querer desculpar os criminosos, há toda uma história que não conseguimos perceber na mente de um criminoso para o levar àquele ponto. Aquilo que faço, para não julgar, é desligar completamente daquilo que sou e dos meus preconceitos em relação aos temas. Mostrar aquilo da forma mais limpa possível, para que cada uma das pessoas que estão a ouvir tire as suas próprias conclusões. Não posso dizer que sou totalmente livre de preconceitos quando estou a fazer entrevistas – porque não o sou -, mas tento não o mostrar. Tento que sejam os protagonistas das reportagens ou das entrevistas que vão encaminhando as pessoas para aquilo que podem ser as conclusões que as próprias pessoas que estão a ver possam tirar.
Na CMTV trabalhava para os blocos informativos e agora, no “Dia de Cristina” num programa de entretenimento. Sente muitas diferenças nos métodos de trabalho e na forma como encara os temas que trata?
Sinto principalmente diferença nos métodos de trabalho. Na CMTV éramos muito poucos para muito trabalho e, por isso, a forma e rotina de trabalho era muito mais rápida e no momento. É uma televisão que gosta de mostrar primeiro aquilo que está a acontecer. No “Dia de Cristina”, a Cristina gosta muito mais de mostrar reportagens, ou seja, coisas que trabalhamos com mais tempo. A rotina de trabalho é mais calma, mas a exigência acaba por subir porque tens de mostrar uma coisa diferente dos outros canais todos, canais que também estão a desenvolver temas de crime.
“É muito mais complicado convencermos as pessoas pela temática e não porque é uma época de pandemia”
A pandemia que atravessamos trouxe a necessidade de formatos de programas como “O Dia de Cristina” se adaptarem em diversos parâmetros. Sente que esta alteração de comportamentos, de alguma forma, afetou o seu trabalho como repórter?
Neste momento, não. Entrei no “Dia de Cristina” em pandemia, ou seja, já tínhamos de ter muitos cuidados com a desinfeção, com a forma como estávamos com as pessoas e tinha de haver algum tipo de distância. Nas localidades mais pequenas é muito complicado haver um distanciamento porque as pessoas gostam muito da proximidade, de estar quase ‘coladas’ a nós. Há um amor gigante pela Cristina e as pessoas têm muita curiosidade em falar connosco. Não sinto tanto a dificuldade de chegar às pessoas por causa da pandemia, mas mais dificuldade em quererem falar dos assuntos que estamos a abordar por serem sobre crime. Muitas vezes, são mães que perderam os filhos ou companheiros que perderam companheiras. É muito mais complicado convencermos as pessoas pela temática e não porque é uma época de pandemia. Obviamente, é muito mais chato os cuidados que temos que ter neste tipo de assuntos e a pessoa com quem estamos a falar ter uma máscara à frente…
O mercado de trabalho é cada vez mais sobrelotado e competitivo. Que conselhos gostaria de deixar aos recém-licenciados e estagiários?
Neste momento, quem se destaca é quem tenta, de alguma forma, manter a personalidade. Não se querem cópias em televisão ou na rádio, mas, em televisão, ganhamos muito com a nossa personalidade, com aquilo que fazemos e a forma como o fazemos. O principal conselho que dou é mantermos sempre a nossa personalidade em todos os trabalhos que vamos desenvolver. É também importante mostrar mais do que o que te propõem, ou seja, não nos fixarmos apenas na ideia que tinham para o nosso trabalho, mas abrir os horizontes e sair um bocadinho “fora da caixa”. Outro conselho que dou é trabalhar muito em equipa. Depois aquilo que defendo, que é subir degrau a degrau. Se o nosso percurso profissional evoluir de uma forma muito calma, passo a passo, chegamos lá. Acredito que a energia que mandamos para o universo acaba por acontecer. Se fores fiel a ti próprio, respeitares aquilo que és e pensares “um dia vou conseguir!”, acaba por acontecer, por muitas dificuldades que tenhas e muitos “nãos” que vais receber.
Por fim, quais são as suas ambições futuras no mundo televisivo?
Entretenimento. No outro dia, assim muito envergonhado, fui contar à Cristina uma ideia que tinha na cabeça para um programa e tivemos uma conversa muito engraçada. Gosto de pensar em programas, da parte de trás das câmaras, tal como gosto muito de estar na parte da frente. Tenho muitas saudades de fazer entretenimento, que era o que fazia na Rádio Portalegre e na Popular FM. Poder brincar com as palavras, com as pessoas e ter ao meu lado uma pessoa a dividir o protagonismo comigo. O próximo passo será fechar um bocadinho as portas à informação e seguir o entretenimento.