Joana Flora desde cedo percebeu que o caminho que queria seguir estava ligado às artes, mas acabou por estudar Enfermagem. Apaixonada pela arte da representação, afirma que está cativada pela profissão e a fazer aquilo de que gosta.
Já participou em algumas curtas-metragens como “História sem História”, peças de teatro, sendo a mais recente “Madame Liz Bonne”, a série “1986”, na RTP, e “Onde está Elisa?”, na TVI. Como descobriu essa paixão pela arte de representar?
Com 15 anos, percebi que queria ser atriz. Na realidade, sempre estive ligada à área das artes e do desporto, porque desde cedo comecei a praticar natação, depois ballet, seguidamente ginástica rítmica de competição, ao mesmo tempo que fiz parte de um grupo de dança durante 11 anos. No 9º ano, quando chegou a altura de escolher qual a área a seguir, tive muita dificuldade em tomar essa decisão, porque a escolha iria influenciar a continuidade dos meus estudos, do meu percurso e a entrada na faculdade. Para me ajudar, fiz dois testes psicotécnicos que, tanto um como o outro, deram o mesmo resultado – aptidão para Artes e Desporto. No fim do 12º ano, escolhi o curso de Enfermagem. Foi uma decisão responsável, mas não foi uma decisão de coração.
Como disse, é licenciada em Enfermagem. Segundo o que li no seu perfil do LinkedIn, por considerar ser um curso com “mais saídas profissionais”, mesmo que já soubesse que não era a escolha que mais se adequava ao seu futuro. Será que, dada a incerteza do futuro, os jovens optam por estudar áreas com maior empregabilidade, ao invés de investirem em algo que realmente gostam?
Penso que as coisas são diferentes nos dias de hoje porque, quando tirei a licenciatura, havia a preocupação de querer ser alguém mas, mais do que isso, de o provar: de provar que iria ser a melhor na minha área, que iria ter sucesso e conseguir sobreviver e “governar-me” a mim mesma, sem depender de ninguém. Acredito que ainda hoje exista esta pressão nos jovens e talvez a tendência para fazermos escolhas e seguirmos caminhos diferentes daquilo que queremos, apenas para agradar os “nossos”. No entanto, acho que, atualmente, estamos todos mais disponíveis para nos ouvirmos e seguirmos os nossos sonhos, e falarmos sobre eles abertamente com as pessoas de quem gostamos.
Poucos meses depois de ter concluído a licenciatura, começou um curso profissional de atores. Portanto, nunca chegou a exercer a profissão de enfermeira. O que a fez mudar de planos?
Quando acabei Enfermagem não estava bem, não estava feliz e sabia que, se continuasse por esse caminho, iria autodestruir-me. Cheguei a um limite e ganhei a coragem de me colocar em primeiro lugar. Fui à Ordem dos Enfermeiros entregar a cédula profissional e, para mim, aquilo foi o concluir de uma fase da minha vida. Na mesma semana, saí de casa com um caderno e andei por Lisboa a visitar as escolas de teatro e de formação de atores que tinha pesquisado, a anotar os horários e os valores dos cursos, para me decidir por um deles.
“O público é um elemento muito importante no teatro, mais exigente”
Ao mesmo tempo que estava a fazer um curso profissional na escola de atores, frequentou outras formações no campo da representação, dicção e voz. Como foi a sua experiência na escola de atores?
Quando estás a fazer aquilo que realmente queres é, como diz o velho ditado, “quem corre por gosto não cansa”. Ao mesmo tempo que estava a fazer o curso, estava a trabalhar. Emagreci, houve aulas em que não estava completamente focada devido ao cansaço, mas valia a pena! Quando estás finalmente no meio que sempre sonhaste, com pessoas tão determinadas como tu, a seguirem as suas paixões, tudo é diferente. A ACT for all tem essa particularidade de, ao ser uma escola pequena, nos acolher a todos como uma família. Lá, acabávamos por nos conhecer uns aos outros, a todos os professores, a convivermos e a vermos os exercícios uns dos outros, a jantarmos juntos e ajudarmo-nos.
Atuou tanto na área do teatro, como na televisão, o que certamente lhe deu mais conhecimentos a todos os níveis. Qual a maior distinção que faz entre a televisão e o teatro?
A produção onde tive maior destaque a nível televisivo foi a “1986”. De resto, fiz pequenas participações em telenovelas, que deu para ganhar bagagem e perceber algumas diferenças entre essa vertente da representação e o teatro. No teatro, sabes com antecedência quanto tempo tens de ensaio, antes do primeiro espetáculo, e tens esse tempo todo para descobrires e experimentares. Na televisão, sabes que por dia gravas ‘x’ cenas e essa preparação é feita no momento; tens de focar tudo numa cena que não se repete. Podes fazer dois, três takes, mas depois está feito e segues para a próxima.
Quando estava a fazer a “1986” estava, ao mesmo tempo, a fazer a peça final de curso da ACT. Durante dois meses, tinha de estar no Teatro do Bairro às 10:00h da manhã e ficávamos lá no mínimo 8:00 horas a ensaiar. Nos dias que também gravava, preparava o texto no tempo livre que tinha, ia para o local das filmagens, gravava as cenas e estava despachada, e seguia para o teatro.
Outra grande diferença é a presença/ausência de público. O público é um elemento muito importante no teatro, mais exigente, creio. Uma reação do público pode influenciar o que estás a sentir e até a forma como dizes determinada fala. Na televisão, o público não está presente, a reação face à tua performance vem depois.
Falemos agora de curtas-metragens e séries. Foram esses os géneros que mais gozo lhe deram?
As curtas-metragens foram em contexto escolar, para outras universidades. Precisamente porque, quando comecei o curso na ACT, quis ir pondo os pés no terreno e criar as primeiras noções. Candidatei-me num portal público – o coffepaste – de audições e castings, onde diariamente são publicados anúncios de estudantes de cursos de dança e teatro que precisam de atores para os projetos finais. Fazeres uma curta-metragem em contexto escolar, em que todos os intervenientes, atores e equipa técnica são também eles estudantes e, por isso, as coisas demoram mais tempo a serem preparadas. A nível profissional, o tempo, os adereços, a equipa está tudo contado e pronto, assim como tu também tens de estar. A responsabilidade é outra.
“Acho que a Cultura, no geral, não tem sido valorizada como deveria ser”
Os portugueses estão entre os europeus que menos consomem cultura, com uma taxa de 17% de participação em atividades culturais (teatro, cinema, idas a museus…), segundo o relatório do Eurobarómetro de 2017. Acha que o teatro tem sido cada vez mais desvalorizado?
Acho que a Cultura, no geral, não tem sido valorizada como deveria ser, e isso já é uma questão com que nos debatemos há tanto tempo, que já nem deveria ser posta em causa. É incrível como é que ainda nos manifestamos, pedimos apoios e temos de provar que também merecemos ser vistos e ouvidos. A pandemia mudou a vida de muitos profissionais ligados à área das artes performativas e audiovisuais. Espetáculos foram cancelados, profissionais ficaram sem quaisquer rendimentos ou com rendimentos muito reduzidos, sem que tivessem sido tomadas medidas de emergência por parte do Estado, que fizesse antever algum tipo de proteção para os próximos tempos.
Tem sido notícia permanente o impacto do coronavírus no sector cultural, com vários espetáculos a serem cancelados e muitos atores a terem de se reinventar. De que forma acha que o mundo da representação vai ter de se adaptar a esta nova realidade?
Se não forem tomadas medidas urgentes, os efeitos serão catastróficos para muitos, até porque não sabemos até quando é que esta situação irá durar. A nível televisivo, as coisas vão avançar com as devidas precauções, como o uso de máscara e a desinfeção constante. Creio que a maior preocupação é mesmo ao nível do teatro. Mesmo que alguns espetáculos voltem a cena, acredito que muitas pessoas, não vão ver as peças por medo do contágio. As redes sociais tornaram-se, também, uma ferramenta fundamental neste período, e é através delas que muitos se tentam reinventar e usar a criatividade para criar coisas novas e não ficarem parados. Mas não podemos encará-las como uma solução a longo prazo…
Quais os conselhos que deixa aos jovens que queiram seguir a área da representação?
Acho que o principal é a pessoa esclarecer primeiro quais as razões por que quer seguir esta área. Quando decidi abdicar de Enfermagem para seguir esta área, sabia que era uma profissão instável, que me iria trazer dissabores, que iria ter de lutar muito para me diferenciar. Claro que há casos de sorte, de colegas que estavam no sítio certo à hora certa, atores que conseguiram o primeiro papel sem terem ouvido muitos “nãos” antes disso. Mas sabia que tinha de estar preparada para as dificuldades. E esse é outro dos conselhos que dou. Primeiro, saber bem o que queres e por que o queres, e segundo, lutares por isso. Embora se vejam muitos profissionais da área a trabalhar sem qualquer tipo de formação, o meu conselho é sempre: se queres mostrar o vales, aprende com os outros. Procura cursos, forma-te. Terceiro, conversa abertamente sobre os teus objetivos com os teus familiares e amigos. É difícil chegarmos longe se não tivermos uma base de apoio.