Nas noites de Lisboa, muitos são os jovens que percorrem as estreitas ruelas do bairro de Alfama em busca de diversão. Não procuram apenas pequenos bares, mas também casas de fado vadio, onde perdem o medo e se aventuram com novas cantigas… que podem mudar a sua vida.
Na Rua de São Miguel, em Alfama, são 21:30h e já se ouve fado. Seguindo por essa estreita ruela a música vai ficando cada vez mais estridente. Uma velha porta verde com grandes letras brancas indica o nome da casa: Taberna A Baiuca Alfama. Esta porta, para os mais antigos, simboliza um passado distante que remonta há 40 anos.
Nesta casa de fado, o ambiente é acolhedor. É um local pequeno, com paredes revestidas de molduras com retratos de fadistas e músicos que por ali passaram, e que contam histórias. Quem as conhece… conta-as a quem for curioso. Também nas paredes estão expostos os típicos símbolos de casas de fado vadio, como os xailes, cujos desenhos são minimalistas na sua forma tradicional, e as grandes garrafas de vinho expostas ao lado das guitarras características do povo português, utilizadas nas noites de Fado.
As cores da casa inspiram o ambiente já que as paredes estão pintadas em tons claros, mas quentes, como o bege, acompanhados de balcões e pequenos azulejos brancos e verdes. No entanto, quando as luzes se apagam, o ambiente parece ficar mais ‘sério’ devido às grandes luzes encarnadas que se dirigem ao fadista amador que canta. O cheiro é algo que não se esquece por quem frequenta A Baiuca. É um cheiro familiar que vai da sardinha à açorda. Uma casa que conta histórias e lembra, a quem por já lá passou, as tabernas de séculos anteriores. Talvez seja essa a ideia que o pai de Igor Gascon quis dar a conhecer.
Antes de a pandemia se instalar em Portugal, esta era uma das casas em Alfama mais frequentadas. “O ambiente era bastante animado, havia grandes jantaradas, muitos grupos de amigos e turistas”, diz Igor Gascon, gerente d’A Baiuca. Acrescenta: “quando a noite já estava assente, pediam para cantar. Daí, vem o fado vadio. As pessoas chegavam, pediam uma música e cantavam fado para se divertirem a elas e aos outros”.
O Fado surge, durante o século XIX, nas ruas de Lisboa. Deriva do Romantismo, exprime sentimentos como a tristeza, a saudade e a angústia, sentimentos que se têm mantido “tradicionais”. Começou a ser cantado nas casas de fado conhecidas como ‘tabernas’, que serviam de palco ao encontro de fidalgos, trabalhadores, populares e estrangeiros, que se reuniam para noites de fado não profissional.
Eis que o termo fado vadio chega à boca do povo e vem contrariar a ideia de que todos os que podem cantar têm de ser autênticos profissionais. Contudo nestas casas, como A Baiuca, qualquer um pode cantar, não importa a profissão que tenha e muito menos se é jovem ou idoso.
“A faixa etária mais presente na casa está entre os 40 anos e os 60 anos”, afirma Igor Gascon, mas acrescenta rapidamente que “alguns jovens frequentam a casa e têm idades entre os 20 anos e os 40 anos”.
“Não acredito que haja muitos jovens a ouvir Fado”
O fado vadio pode ser cantado por todos, desde que demonstrem interesse pelo estilo musical. É o caso da jovem fadista Helena Coelho, que admite que agora vê “muitas pessoas novas a cantarem fado”. Esta jovem, de 21 anos, diz ter descoberto o gosto pelo fado “no início de 2015, porque o avô era fadista e, a partir daí, houve sempre uma ligação com o Fado”. A jovem diz estas palavras com um sorriso e um brilho nos olhos, demonstrando o orgulho por ter seguido os passos do avô.
Apesar de dizer que vê vários jovens a cantar nas casas de fado, afirma: “não acredito que haja muitos jovens a ouvir Fado, porque acabam por ter a ideia de que o Fado é um estilo musical muito triste e associam este estilo aos mais velhos”. Completa dizendo: “os jovens de hoje em dia estão mais ligados a músicas mexidas, ou seja, com mais ritmo”.
Nuno Ferreira, um jovem de 19 anos, dá a conhecer o género musical que mais ouve, mencionando de forma rápida: hip-hop. Nuno explica que já ouviu fado “há uns anos”. Apesar de já ter ouvido fado em ambientes como “no carro ou em casa”, admite que, “por acaso não, não tenho curiosidade em entrar numa casa de fado, não é algo que cative muito a minha atenção. Como não é o meu estilo musical não me faz querer saber mais sobre o assunto”.
Em contraste, Marta Fonseca, de 20 anos, parece ter uma ligação e opinião diferente acerca do estilo musical. “Às vezes, ouço fado quando estou no carro ou então naqueles dias em que me apetece ouvir uma música em específico e pesquiso no motor de busca do YouTube: Fado.” Embora Marta ouça fado, diz não ter preferências musicais, mas que se tivesse de escolher um… “talvez, música Pop”.
Esta jovem diz escutar este estilo musical “em casa e no carro da minha avó”. Marta Fonseca assume ter curiosidade em frequentar casas de fado, mencionando de forma rápida e com entusiasmo: “para ver como é o ambiente e qual é a interação que os fadistas têm com o público e como é a atuação em si”.
Tiago Relva, de 23 anos, assume convictamente que não gosta de Fado, “porque é um género musical que nunca me inspirou e que nunca me deu grande vontade de ouvir.” Diz ainda: “não me identifico com o Fado”. Este jovem, ao contrário de Marta, não gosta do estilo de canção.
“Se estiver a falar em 100% da casa, cerca de 30% a 40% são jovens, com idades entre os 20 e os 30 anos”
Durante o percurso pelas ruelas do bairro de Alfama é possível encontrar em cada canto várias casas de fado vadio e a Esquina de Alfama não é indiferente à constante procura do público pelo Fado.
A Esquina de Alfama encontra-se situada em frente ao Museu do Fado, fazendo com que esta ganhe destaque. A casa tem um ambiente caloroso, os empregados e gerentes que dão a cara pelo estabelecimento são amáveis e preocupados com os seus clientes.
A própria casa remete para um ambiente tranquilo e moderno, devido a paredes revestidas de pedras de cores neutras, que contam com grandes quadros autografados por fadistas muito conhecidos, como é o caso do “Rei do Fado”, Fernando Maurício. Ao lado, guitarras portuguesas acompanhadas de xailes dignos de fadistas que as usam quando interpretam um poema de sofrimento, de saudade ou de angústia. Os balcões e as mesas são feitos de madeira escura, remetendo para uma espécie de modernidade, embora seja uma “casa-taberna”. O chão da Esquina de Alfama é constituído por azulejos que fazem lembrar a calçada portuguesa.
Nesta casa, encontram-se pessoas de todas as idades, incluindo jovens, em plena noite de espetáculo. “Quando há fado, se estiver a falar em 100% da casa, cerca de 30% a 40% são jovens entre os 20 e os 30 anos”, afirma o empregado da casa, Ronaldo Silva. Já quanto ao ambiente dentro do estabelecimento, acrescenta que, “a maioria destes jovens, pelo menos quando estou em serviço, gostam do que ouvem, porque o fado, em si é, um estilo musical que vibra muito a personalidade”.
“O Fado é Património Cultural e Imaterial da Humanidade, o que é muito bom para a representação do nosso País”
Segundo Ronaldo Silva, existe uma minoria de jovens a frequentar a casa onde trabalha há quatro anos. Perante este facto, a questão centra-se em: futuramente, os jovens ainda terão contacto com o Fado?
A jovem fadista Helena Coelho dá a sua opinião: “Penso que o Fado vai acabar por perder a sua identidade e Portugal também, já que o Fado representa parte da nossa cultura.” Acrescenta: “O Fado é Património Cultural e Imaterial da Humanidade, o que é muito bom para a representação do nosso País.” Diz, esperançosa: “Só espero que não se perca porque, como há jovens a cantar, futuramente, poderá fazer a diferença e fazer com que a tradição do Fado se mantenha.”
Em novembro de 2011, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) proclamou o Fado como Património Imaterial da Humanidade no VI Comité Intergovernamental. A decisão foi tomada em Bali, na Indonésia, de forma unânime. A candidatura do Fado à UNESCO teve como embaixadores Mariza e Carlos do Carmo.