Com partida em Minglanilla, Espanha, saíram 1777 pombos-correio com o objetivo de voltar para casa no menor tempo possível. As suas capacidades foram assim testadas numa prova de fundo que corresponde à 13ª prova do campeonato do distrito de Setúbal.
Debaixo do azul do céu, entre árvores e a brisa quente, típica de uma tarde de maio na Caparica, Marcelo espera os seus pombos. A prova onde estes estão a participar começou por volta das sete da manhã em Minglanilla. Até casa são cerca de nove horas de voo sem pausas. O telemóvel toca e ao atender fica a saber que nos distritos vizinhos os pombos já começaram a regressar.
O relógio marca 16h48 quando se ouve que está a chegar o primeiro pombo. Este, apesar de ainda ser só um ponto preto bem no alto, é imediatamente reconhecido por Marcelo e marca o momento mais aguardado do dia. Segue-se outro. São duas fêmeas que antes de entrarem para o pombal, teimam em subir ao telheiro e perder mais uns segundos antes de passarem pelas placas de reconhecimento que estão debaixo das entradas, prontas a registarem os seus regressos e preparar as classificações.
Passados mais uns minutos chega o terceiro pombo, desta vez um macho e Marcelo sabe que agora já tem os primeiros dados que são aqueles que lhe vão servir para disputar os primeiros lugares, e que o resto da equipa chegará nas próximas horas.
Na manhã seguinte, dos 24 pombos em prova, sete regressaram ao pombal. Neste momento, Marcelo desabafa que “em todas as provas perdem-se pombos, mas não temos explicação para isto. Eles não falam”. Nesta altura, também já sabe que, apesar desta ser uma prova distrital, os resultados finais ainda vão demorar uns dias, mas, dentro da União Columbófila da Charneca da Caparica, do qual faz parte, os primeiros lugares desta prova pertencem a Miguel. Este concorreu na prova com 15 pombos e nove regressaram a casa até à manhã seguinte, onde o primeiro está registado por ter chegado na tarde anterior às 16h30. Neste caso, o seu pombal não tem uma vista desafogada no meio de uma zona rural, mas encontra-se no meio de prédios, o que não impede os pombos-correio de reconhecer a sua casa.
Da distribuição de correio a provas de velocidade
Os pombos-correio têm sido exploradas pelo Homem ao longo de toda a história. Devido às suas capacidades, estes foram usados não só para transportar cartas como também há registos de o seu uso no transporte de pequenos objetos ou mesmo de tubos de sangue em situações limite.
Hoje, criados para fins desportivos, os pombos-correio treinam e exploram as suas capacidades de orientação inatas para quando soltos a centenas de quilómetros de distância de casa, conseguirem regressar no menor tempo possível. Embora seja uma modalidade desportiva pouco mediática, a columbofilia em Portugal conta com cerca de 18.000 associados e 4.500.000 pombos recenseados e distribuídos por 763 Clubes e 14 Associações Distritais / Regionais. O défice de informação e conhecimento relacionados com a modalidade acaba por afastar jovens. Existe ainda o estigma que grande parte da população tem em atribuir ao pombo a característica de um “bicho portador de doenças”. Ao contrário dos pombos que regularmente encontramos na rua, os pombos correios que entram neste tipo de provas, são criados e treinados desde o nascimento com um tratamento digno de atletas. Existe todo um cuidado não só a nível de higiene, de alimentação e suplementação, mas também de saúde de forma a que seja garantida a melhor capacidade física nos momentos das provas.
Nestas provas, os pombos são largados a vários quilómetros longe de casa e regressam aos seus pombais, mesmo nunca tendo feito esse caminho. Começam por ser treinados à volta do pombal e com o avançar do tempo começam a percorrer distâncias maiores até estarem aptos a participar em provas. É o momento de percorrem centenas de quilómetros no menor tempo possível, enfrentando ventos, aves de rapina, caçadores, fios elétricos e todas as adversidades que possam encontrar no caminho de regresso a casa. Numa segunda fase, espera-se que estes sejam excelentes reprodutores. Formam casais com os melhores pombos de forma a transmitir a informação genética dos pais para criar novos pombos com características comuns.
Miguel Videira, dentista de profissão, assume os pombos como um hobbie que lhe exige muito tempo e onde o rigor o prende por gosto. No início deste ano, viu o seu trabalho reconhecido quando recebeu, na Polónia, a distinção de um dos seus pombos com o primeiro lugar a nível nacional, na categoria absoluta (provas de Fundo, Meio Fundo e Velocidade), ficando em 22º lugar a nível mundial. Assumiu a responsabilidade do pombal do pai quando este, por questões de saúde, se teve de afastar. Interessa-se por tentar perceber as capacidades de umas aves tão pequenas e sabe que ao aspirar ser um vencedor, deve cumprir a alimentação, higiene e treinos diários, afinal “quem ganha, promove a qualidade dos seus pombos e isso traz a possibilidade de se poder fazer negócio que nos leva a outro mundo.” Podemos dividir os praticantes deste desporto entre aqueles que o fazem por hobbie e aqueles que vivem da columbofilia. “Existem pessoas que só vivem da columbofilia. Isto implica que se eu ganho regularmente, então, o material que eu tenho é superior aos outros e esses, ao saberem disso, como também querem obter bons resultados, vão lá comprar. Primeiro, promovem-se e depois fazem-se as vendas, que variam muito em valores monetários”, revela Miguel.
Negócio de milhões
As vendas de pombos-correio, quando descendem de casais de pombos com bons resultados e genética, atingem valores exorbitantes. Armando é um bom exemplo disto: foi criado na Bélgica e ficou conhecido por ser o pombo-correio mais valioso até ao dia de hoje. No leilão online, foi vendido a um adepto chinês por 1,25 milhões de euros. Nesse mesmo leilão, do Pigeon Paradise, para além do Armando foram vendidas sete crias suas, com um valor médio de 21,500€ cada, divididos pela China, Bélgica, Holanda, Alemanha e Turquia.
Marcelo Durão, com apenas 26 anos é columbófilo. O seu percurso começou de maneira diferente. Apesar de ter conhecimento da modalidade pelo avô que já tinha sido associado, o seu interesse despertou quando um pombo correio apareceu junto dos pombos que o avô criava mesmo sem competir. Nesta altura, já era o próprio que ajudava o avô com os cuidados diários do pombal e a curiosidade em relação às características daquelas pequenas aves, levou-o a questionar o avô sobre a modalidade e pouco depois “a seguir o caminho com os meus próprios pés”, assume.
Marcelo e Miguel concordam que a columbofilia em Portugal enfrenta o entrave da falta de propaganda e informação para que possa crescer, desenvolver-se e chegar aqueles que ainda não conhecem a modalidade. Até porque mesmo lá fora, a columbofilia portuguesa, “ainda não é vista com o real valor que tem”, termina Miguel.