Religiosamente duas vezes por semana, homens, mulheres, adolescentes, idosos e famílias caminham até ao Salão do Reino das Testemunhas de Jeová para edificarem a sua fé e adorarem a Deus.
À igreja chamam “salão do reino” e aí não veneram santos, nem símbolos religiosos. Reunidos ao domingo numa moradia na zona de Cascais, é em pé que cantam ao seu Deus: Jeová. O nome não tem qualquer explicação transcendente: todos temos um nome. “A primeira coisa que perguntamos ao conhecer alguém é o nome. Se um animal de estimação ou uma boneca têm nome, acha que a pessoa mais importante do Mundo não teria nome?”, pergunta José Pontes, 63 anos, dedicado a Jeová há 39, pai de família e um exemplo para muitas “testemunhas”. “O nome ‘Jeová’ vem na Bíblia, foi Jesus que nos deu a conhecer Jeová. Não fica contente quando se lembram do seu nome? Jeová também! Jeová é meu amigo e eu trato os meus amigos pelo nome.”
As Testemunhas de Jeová são cristãos, mas nesta religião os membros só são batizados quando exprimem esse desejo. “Somos pessoas normais, comuns. Temos formação em diversas áreas, outros não têm sequer formação académica. Há pessoas de todas as classes sociais, como nas outras religiões. Alguns de nós até já foram de outras religiões ou nem acreditavam sequer em Deus. Só depois de um estudo afincado da Bíblia é que a pessoa, individualmente, decide se quer adorar Jeová. Mas temos problemas e fraquezas como todos, simplesmente o estudo regular da Bíblia ensina-nos como gerir o nosso dia a dia, obtendo melhor qualidade de vida. Esse é um dos motivos que nos leva a abordar com outros as coisas boas que aprendemos na Bíblia”, esclarece José Pontes.
Mudam-se os tempos, mantêm-se as modas
Crianças, adultos e idosos vestem-se formalmente, evitam roupas extravagantes, provocantes ou reveladoras. “Damos atenção ao nosso modo de vestir para mostrar respeito a Deus e aos nossos irmãos. Quando vamos a tribunal, damos atenção à nossa aparência em consideração ao juíz. Da mesma forma, queremos mostrar respeito ao juíz de toda a terra.” Patrícia Santos, de 27 anos, admite: “Sou mulher, sou jovem, gosto muito de roupa, gosto de estar na moda. Apenas escolho com critério, para não transparecer um ar de desleixo ou exagero.”
As Testemunhas de Jeová acreditam que, para além das palavras, glorificam Deus pela forma de vestir. A roupa é um adorno que os identifica como “testemunhas” e faz com que os outros os vejam com bons olhos. Tudo é muito pensado e organizado: a roupa, as publicações, os intervenientes, os horários.
“Cada congregação é organizada por um corpo de anciãos, um grupo de homens responsáveis. As instruções e orientações bíblicas são iguais ao mesmo tempo em todo o Mundo, pois são fornecidas pelo ‘Corpo Governante’, uma comissão de Testemunhas de Jeová experientes que servem na sede em Nova Iorque e distribuem às congregações”, esclarece José.
Se é verdade que o grupo responsável pela organização é constituído por homens, também é certo que as mulheres não lideram, têm o papel de ministrar. Mas afirmam ter plena participação. Pelo menos é o que diz Cláudia Silva, de 47 anos, professora e tradutora, que se esforça por ser “uma boa influência” para os outros. “Desde que comecei a estudar a Bíblia, apercebi-me do valor e significado da mulher para Deus. No povo hebreu, não havia distinção entre homem e mulher, no que diz respeito à literacia, direitos legais ou na sociedade. O cristianismo reiterou esses princípios subjacentes ao código da lei. Sou mulher, Testemunha de Jeová e sinto-me realizada, confiante e feliz no meu dia a dia.”
Cláudia disponibiliza horas semanais para trabalhar com a comunidade onde vive. “Vejo exemplos reais de pessoas de diferentes faixas etárias e grupos socioeconómicos a beneficiarem dos princípios bíblicos que transmito.” Esclarece que faz parte de um curso promovido pela religião que a prepara para comunicar com o público, ensinar, raciocinar com outros, escutar e fazer perguntas chave.
“As mulheres são naturalmente mais empenhadas na obra pois, por natureza, são mais perspicazes, persistentes, detalhadas, acolhedoras e hospitaleiras”, continua. Afirma ainda que as mulheres, independentemente do credo, nacionalidade ou grupo étnico, têm feito a diferença na sociedade. “Trabalho no campo lado a lado com aqueles que mais necessitam e, ao contactar com essa gente, vejo que aquilo que os move são valores alinhados aos defendidos pelas Escrituras Sagradas.”
Afirmam não receber nenhum pagamento pelos seus serviços, mas afinal como se financiam? Todas as revistas, livros e folhetos que disponibilizam e distribuem de porta em porta, nas ruas ou nos jardins são pagos por quem? “Os locais de adoração contêm caixas de donativos disponíveis para quem deseja contribuir. Os donativos também podem ser feitos online e são anónimos. Não somos pagos para pregar, nem pagamos para assistir às reuniões”, diz Cristina Fonseca. Testemunha de Jeová com 40 anos, dois filhos menores, trabalho, uma casa para cuidar, ainda diz ter tempo e vontade para divulgar a mensagem a outras pessoas, sem receber nada em troca. “A motivação advém do amor a Jeová.”
Sangue: vida e alma
As transfusões de sangue são assunto inevitável quando se pensa em Testemunhas de Jeová. “O que a Bíblia diz é que nos devemos abster de aceitar sangue ou os seus componentes primários, quer no alimento, quer em transfusões”, específica Orlanda Pontes, mãe, casada e seguidora da religião.
As “testemunhas” assinam uma declaração que fica associada ao seu processo na Direção-Geral de Saúde, uma diretiva ao abrigo da Lei Portuguesa Esta declaração traduz a manifestação antecipada da vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que não desejam receber, caso se encontrem incapazes de expressar essa mesma vontade pessoal e autonomamente.
Para além desse termo de responsabilidade, as “testemunhas” fazem-se acompanhar no seu dia a dia de um cartão datado e assinado para uso médico. “O sangue representa a vida, que é algo sagrado para Deus”, esclarece Orlanda. As equipas médicas enfrentam um desafio incomum ao tratarem Testemunhas de Jeová, mas não há que ter receios com responsabilidade civil. Eles próprios tomam providências legais que dispensam qualquer responsabilidade, no que concerne à sua recusa consciente de receber sangue.
Representantes da religião frequentemente reúnem com equipas cirúrgicas e administrativas para melhorar o entendimento e ajudar a solucionar questões sobre o reaproveitamento de sangue, transplantes e, claro, evitar o confronto médico/legal. No entanto, cabe a cada um, individualmente, na sua consciência, decidir se deve ou não aceitar o tratamento, bem como em situações de transplante de orgãos e/ou tecidos. É fornecida pelos médicos uma análise de risco/benefício, a qual é ponderada individualmente para uma tomada de decisão.
Há mesmo quem assuma como um incentivo à morte os exemplos nas publicações das Testemunha de Jeová, por exemplo, os casos de jovens que escolheram abdicar da sua vida em detrimento de um tratamento com sangue “Não é incentivo à morte. É um incentivo a não fazer algo que vai poluir a alma. Para esse grupo, a alma é mais importante que o corpo”, sublinhou Helena Vilaça, socióloga da Universidade do Porto, à TVI. “Procuramos o melhor tratamento para nós e para os nossos filhos”, reforça Orlanda.
Neutralidade política, serviço civil alternativo
As Testemunhas de Jeová são cidadãos que cumprem as leis, respeitam as autoridades, não minam a segurança do Estado, mas mantêm-se neutros em assuntos políticos, pois dizem que não se querem “envolver no Mundo”. A objeção de consciência ao serviço militar é já uma meta alcançada. Hoje, essa objeção é considerada um direito humano. Leis internacionais reconhecem que rejeitar o serviço militar por questões de consciência é um direito fundamental. As “testemunhas” preferem o serviço civil alternativo, dispensando prestar serviço militar.
Atualmente, pode dizer-se que as Testemunhas de Jeová alcançaram o seu objetivo e têm o mesmo reconhecimento legal que as principais religiões. Mantêm uma atividade reconhecida pelo Governo. No dia 28 de junho de 2019, “testemunhas” de todo o Mundo encheram o maior estádio do País num evento pautado pela multiculturalidade, o Congresso Internacional, traduzido em simultâneo para várias línguas. Nesse dia, no Estádio da Luz, prometeram manter uma só palavra: a palavra de Jeová Deus.