A perturbação obsessivo-compulsiva (POC) é considerada uma das dez condições mais debilitantes em todo o mundo pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo a psicóloga Ana Teixeira, estima-se que a POC afete 2% da população mundial, mas em Portugal tem uma predominância de 4%. Saiba um pouco mais sobre esta doença, desde o diagnóstico até aos possíveis tratamentos.
De acordo com o estudo Perturbação obsessivo-compulsiva: Revisão bibliográfica da Universidade da Beira Interior, a POC é uma doença psiquiátrica que atinge crianças e adultos, mas que tem tratamento eficaz. Caracterizada pela manifestação de obsessões e/ou de compulsões, esta patologia leva o paciente a um desgaste emocional e psíquico que interfere com a sua qualidade de vida, desenvolvimento pessoal, relacionamentos e até com a participação em atividades sociais.
Sofia Santos, psicóloga clínica doutorada em Neuropsicologia com especialização na área da Perturbação Obsessivo-Compulsiva, considera que a POC é “uma doença do foro mental, que consiste em pensamentos intrusivos e sistemáticos com uma carga emocional muito grande. Estes estão relacionados com os fatores a que o doente dá mais importância e podem estar associados à culpa, à angústia, à dor, à ansiedade, entre outros, fazendo com que o individuo, para aliviar estes sentimentos, desenvolva comportamentos físicos ou mentais”.
Em média, a perturbação obsessivo-compulsiva surge na idade adulta, sendo que em cerca de 65% dos casos esta tem início antes dos 25 anos. O mesmo estudo indica que os homens contraem a doença mais cedo do que as mulheres, sendo que a mesma surge, em média, aos 21 anos no sexo masculino e aos 24 anos no sexo feminino.
Origem da POC
Um estudo realizado por Ana Ortins Pina, intitulado Neurobiologia da perturbação obsessivo-compulsiva e novos horizontes terapêuticos, revela que a doença tem influência de fatores genéticos, hormonais, infeciosos, ambientais e psicossociais. Os fatores hormonais têm mais predominância no sexo feminino, desta forma, as mulheres podem ter a POC entre os 24 e os 32 anos, atingindo os anos de maior fertilidade.
Os fatores infeciosos também contribuem para o desenvolvimento da doença, visto que existem mecanismos autoimunes que podem estar envolvidos na etiologia da POC da infância e acompanhar o indivíduo ao longo da sua vida. Sofia Santos revela que “tem de existir uma pré-disposição genética para a personalidade obsessiva, contudo, a doença surge durante a infância ou adolescência, de acordo com fatores externos”. De facto, os fatores de ordem genética estão vinculados ao aparecimento desta patologia e estima-se que a POC de início precoce esteja relacionada com o histórico familiar.
O meio externo, tal como Sofia Santos refere, é igualmente importante para o aparecimento da patologia, pois o ambiente que nos rodeia desde a infância pode impulsionar a presença de comportamentos obsessivos-compulsivos. Por último, existem os aspetos psicossociais que integram as experiências que marcaram a vida do indivíduo, sendo que podem incluir o abuso sexual na infância, o aborto ou o excesso de trabalho, entre outros.
Obsessões e compulsões intrusivas
As obsessões correspondem a pensamentos, convicções, imagens e impulsos considerados intrusivos e indesejados pela pessoa que os tem. Deste modo, surgem contra a vontade do indivíduo causando angústia e ansiedade. Segundo a especialista Sofia Santos, as obsessões mais comuns são “as que estão relacionadas com a sujidade, com a contaminação, com a dúvida, com a simetria, com a perfeição, com pensamentos de ferir os outros ou a si próprio, com pensamentos mágicos e até com conteúdos sexuais e religiosos”.
Um dos casos mais comuns é o medo da morte. João (nome fictício) de 30 anos, lutou contra a perturbação obsessivo-compulsiva e revela: “comecei por ter algum receio da morte e sentia que, se não fizesse determinada ação, podia acontecer algo mau”. Com sintomas desde os 14 anos, revela que os pensamentos influenciaram bastante o seu percurso escolar. “No 9ºano, tive provas finais e a ansiedade da POC misturava-se com o nervosismo dos estudos”, refere. Esta patologia, como tantas outras, não está imune aos acontecimentos do dia-a-dia e, “como não há forma de controlar a vida, a pessoa tem de aprender a confrontar e a aceitar a doença”, alerta a especialista Sofia Santos.
As compulsões, por sua vez, são fenómenos mentais repetitivos dos quais o indivíduo se sente forçado a fazer uma determinada ação para prevenir ou reduzir a ansiedade causada pelos pensamentos obsessivos. Quando as compulsões estão relacionadas com um padrão repetitivo, os pacientes tendem a executar cada tarefa de forma ritualizada, acreditando que se não o fizerem serão penalizados.
Alguns indivíduos com POC encaram as suas compulsões como desagradáveis e sem utilidade oferecendo a máxima resistência às mesmas. De acordo com Sofia Santos, as mais frequentes são “a lavagem ou limpeza, a verificação, a ordem, a repetição de palavras, o toque, o ato de rezar, as contagens, etc”.
João afirma que conseguiu lidar melhor com as compulsões desde que começou a ser acompanhado por especialistas. “Só a partir do momento em que comecei a ser acompanhado pela minha psicóloga e pelo meu psiquiatra é que consegui desenvolver algumas estratégias para não realizar as compulsões.” Algumas pessoas acabam por evitar determinados locais e interações sociais com medo de desencadearem certas compulsões e, consequentemente, causarem prejuízos à sua saúde física e mental.
Diagnóstico e tratamentos
O diagnóstico para a perturbação obsessivo-compulsiva está relacionado com os traços de personalidade de cada indivíduo. A psicóloga clínica Sofia Santos revela que “toda a pessoa que tem uma personalidade obsessiva pode ter uma predisposição para desenvolver a doença, considerando os fatores externos que a influenciam”. O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da American Psychiatric Association, defende que o diagnóstico tem como critérios a presença de obsessões e/ou de compulsões que levam o paciente a despender mais de uma hora por dia com as mesmas, causando um mal-estar profundo e afetando o bem-estar e a vida do indivíduo.
De acordo com Sofia Santos, “os tratamentos incluem produtos farmacológicos para alguns casos, a psicoterapia cognitivo-comportamental, a terapia Gestalt e a terapia de grupo”. Os medicamentos podem ser antidepressivos, tricíclicos ou antipsicóticos. Ainda assim, os mais comuns são os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS).
Domus Mater- Uma associação de apoio à POC
A Associação Domus Mater é uma instituição particular de solidariedade social de carácter nacional e sem fins lucrativos. Fundada em 2003, esta entidade dedica-se ao tratamento da perturbação obsessivo-compulsiva com o objetivo de auxiliar as pessoas que sofrem desta patologia, divulgando a mesma.
Sofia Santos trabalha como psicóloga clínica há 16 anos na instituição e afirma que “a missão da Domus Mater é poder chegar a um maior número de pessoas que sofrem desta doença, para que tenham um tratamento especializado, ao contrário do que acontece nos hospitais que colocam todas as doenças mentais no mesmo saco”.
João frequenta a associação há dez anos e refere que “cada utente é acompanhado por uma das psicólogas da instituição. De semana a semana ou de quinze em quinze dias, o paciente tem uma sessão de terapia em que aplica as estratégias dadas pela sua psicóloga e no dia-a-dia tenta ao máximo contrariar os seus pensamentos e rituais”. E acrescenta: “Ainda existem as terapias de grupo, em que todos os pacientes da associação se juntam e ajudam-se mutuamente. São muito importantes porque falamos abertamente sobre a doença e percebemos que não somos os únicos a viver assim.”