A mais de seis meses da grande tragédia que assolou a população de Pedrógão Grande e concelhos vizinhos, é impossível esquecer o tanto que se perdeu nos oito dias que duraram os incêndios de 17 de junho. Perderam-se vidas, casas e postos de trabalhos. O fogo também prejudicou a saúde de quem vive nas zonas afetadas e deixou marcas psicológicas profundas. A terapia é agora uma poderosa aliada para ajudar os sobreviventes a sarar feridas.
Durante oito dias, o concelho de Pedrógão Grande, no interior do distrito de Leiria, transformou-se no inferno na terra. O grande incêndio florestal, que deflagrou a 17 de junho, na pequena povoação de Escalos Fundeiros, no início de uma tarde de domingo com condições atmosféricas invulgares, alastrou-se aos concelhos vizinhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Ansião, Alvaiázere e Sertã.
Sem dom nem piedade, as chamas provocaram a morte de 67 pessoas, 253 ficaram feridas e 500 habitações foram destruídas, com a perda de muitos postos de trabalhos. Estima-se que os prejuízos materiais ascendam aos 500 milhões de euros. De todas as vítimas mortais, 47 foram encontradas ao km 5 da EN236, a estrada que liga Castanheira de Pera a Pedrógão Grande, algumas no interior dos automóveis, as restantes morreram enquanto tentavam fugir às chamas a pé.
No primeiro dia do incêndio, foram enviados para o local oito corporações de bombeiros e dois meios aéreos. Horas depois, o fogo continuava a alastrar e a assumir dimensões cada vez maiores. No dia seguinte, a 18 de junho, os bombeiros perderam o controlo das chamas devido a mudanças meteorológicas e ventos fortes. Até dia 24 de junho, quando o fogo foi extinto, estiveram no terreno mais de 830 bombeiros e 191 viaturas.
As autoridades locais apontaram descargas elétricas como tendo estado na origem do fogo. No entanto, a população acredita que as causas naturais não terão sido o motivo do incêndio, uma vez que houve testemunhos de que os primeiros sinais de fumo se fizeram notar antes da trovoada.
De acordo com o segundo relatório do Parlamento sobre os incêndios de Pedrógão Grande, a evacuação das povoações foi algo que esteve sempre em mente, mas com o avanço estrondoso do fogo foi difícil agir.
De acordo com informação do relatório da Comissão Técnica Independente, “apesar de terem existido iniciativas no sentido de evacuar algumas localidades, o rápido desenvolvimento do incêndio não permitiu uma antecipação do que iria acontecer, de modo a conseguir salvar as vidas dos que pereceram no dia 17 de junho. Na verdade, nenhuma das aldeias afetadas no período mais crítico, nomeadamente as que se encontram a leste da EN 236, terá sido alvo de qualquer evacuação”. A partir do dia 18 de junho e ate ao dia 20, existiram, pelo menos, 20 registos de evacuações de aldeias por parte da GNR.
Saúde em risco
Além do horror que se viveu, os incêndios causaram consequências ambientais graves, cujos reais impactos para a saúde pública ainda hoje estão por conhecer. O INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) esteve no terreno a coordenar e a assegurar a assistência médica desde que começaram a chegar as primeiras vítimas. Instalados no Posto Médico Avançado, em Avelar, os profissionais de saúde do INEM contaram com o apoio das unidades de saúde local, da Segurança Social e das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social).
Durante todo o período de incêndios, entre 17 a 24 de junho, o INEM prestou assistência a 198 vítimas do fogo de Pedrógão Grande.
O fumo inalado pelas populações era uma das principais preocupações, em consequência dos elevados níveis de partículas e toxinas que podem ter efeitos nocivos a nível respiratório, cardiovascular e oftalmológico, entre outros. Para diminuir os riscos associados à inalação de fumo, a DGS (Direção Geral de Saúde) divulgou um conjunto de recomendações, onde aconselhou o uso de máscaras perante a inevitável a exposição ao fumo.
Como explica Vítor Ramalhinho, cardiologista e chefe de serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Maria, “entre os principais sintomas na saúde pública da exposição ao fumo, encontram-se a irritação nos olhos, nariz e garganta, tosse persistente, sensação de falta de ar, dor ou aperto no peito e fadiga”. O médico acrescenta ainda que “a inalação de fumo pode provocar infeção ou inflamação nas vias respiratórias, causando problemas a nível respiratório por falta de aporte de oxigénio e excesso de dióxido de carbono”. Numa fase avançada, diz, “a pessoa fica inconsciente e necessita de aporte de oxigénio urgente, com ventilação e entrada nos cuidados intensivos”.
A inalação de fumo também pode gerar complicações cardiovasculares, mas apenas em doentes cardíacos. Vítor Ramalhinho esclarece que o fumo não afeta diretamente a situação cardíaca, mas sim as vias respiratórias. “Só doentes com historial cardíaco poderão ou não agudizar a sua condição clínica. E em incidentes de inalação mais graves, obviamente a parte respiratória afetará a parte cardiovascular do paciente, pois pode provocar arritmias e, em casos mais perigosos, vasoconstrição dos vasos, o que poderá levar a enfartes. Por norma, em doentes sem patologia cardíaca, o stress e a angústia nestes cenários são os maiores provocadores de episódios cardíacos, como a HTA ( Hipertensão Arterial), Taquicardias e enfartes”, refere.
Traumas difíceis de superar
A tragédia não terminou com a extinção dos incêndios. O inferno na terra persiste na memória e é projetada na paisagem. As pessoas do Pinhal Interior, a região mais fustigada pelos fogos e onde se insere Pedrógão Grande, vivem rodeados por um cenário moribundo. Os campos verdes e férteis já não estão lá para serem cultivados, muitos dos animais também se perderam, por isso o quotidiano de quem habita nas zonas destruídas pelos fogos foi severamente afetado. Em declarações à Imprensa, Ana Araújo, coordenadora da Unidade de Saúde Mental Comunitária de Leiria Norte, referiu que “a população acompanhada na área da saúde mental aumentou para 67% nesta região, após os incêndios”. A psiquiatra disse mesmo que “chegou a ser necessário o pedido de reforços médicos por parte do secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo”.
Vários estudos têm identificado uma elevada propensão para as pessoas que foram afetadas pelos incêndios sofrerem de reações psicológicas adversas. A psicóloga Patrícia Gonçalves ressalta que “as investigações demonstram que um número significativo de pessoas que passou por este trauma em específico desenvolveu sintomas que alteram e incapacitam a realização de tarefas do quotidiano. É o caso de perturbação de stress pós-traumático, perturbações depressivas, de ansiedade e perturbação do pânico”. Estes distúrbios psicológicos podem ser acompanhados, segundo a terapeuta, “de abuso de álcool e de outras substâncias psicoativas”.
Nos primeiros grandes incêndios do verão, uma equipa de psicólogos esteve no terreno a prestar apoio a 858 pessoas. A ajuda psicológica é uma poderosa arma de prevenção de problemas de saúde mental da população que chora as suas perdas. Passados mais de seis meses, é importante continuar a assegurar que as pessoas afetadas não sejam esquecidas. Como sublinha, Patrícia Gonçalves “a intervenção psicológica surge como um fator de extrema importância, no sentido de prevenir o aparecimento de sintomas patológicos, bem como ajudar a ultrapassar todas as perdas provenientes deste trauma”.