O Parque Biológico da Serra da Lousã, em Miranda do Corvo, é um ponto turístico mas também uma oportunidade de vida para pessoas com dificuldades intelectuais e/ou desenvolvimentais (DIDS).
Texto de Carina Araújo e Ana Álvares
Fotografias: Carlos Ratinho, Margarida Soares e Site oficial Hotel Parque Serra da Lousã
Escondido entre a natureza em bruto, até parece um parque igual a tantos outros. A realidade é que, embora pareça igual, rapidamente se destaca pela diferença.
Luísa Santos, 41 anos, vigilante, é responsável pelas entradas. Sorridente e meiga, está ‘presa’ a uma cadeira de rodas mas nada a impede de fazer o seu trabalho como ninguém. Como em qualquer trabalho, diz que o público é muito diversificado: existem pessoas carinhosas e outras por quem apenas se passa ao lado.
“Há pessoas que entram no museu e nem ‘bom dia’ nem ‘boa tarde’, mas há quem me faça esquecer do tempo”
Sente-se o espírito, a juventude e as ideias frescas. O parque tem apenas sete anos, o projeto representa para 95% das pessoas que lá trabalham a esperança de um futuro risonho. O projeto não olha a caras ou a diferenças, todos são um só: uma família. “A fundação ADFP (Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional) trabalha com pessoas com dificuldades intelectuais e/ou desenvolvimentais (DIDS) ou que foram vítimas de exclusão social. Tudo começou com a ideia de lhes dar um trabalho digno, mostrar-lhes que são úteis apesar de pequenos problemas que possam ter tido na vida”, explica Margarida Soares 26 anos, bióloga.
Museu, picadeiro e quinta pedagógica
O primeiro local a ser visitado é o museu. Moderno e acolhedor, este espaço representa não só a história de Miranda, como também um pouco da história da humanidade. Neste museu há um mini planetário que convida aos turistas a fazerem uma viagem no tempo, aliás, todo o museu é uma viagem no tempo. Aqui, é possível conhecer utensílios utilizados pelos mirandeses em tempos passados, porém não esquecidos.
Antes de ser parque biológico, esta quinta (Quinta da Paiva) já tinha um picadeiro. Aqui, há várias atividades, desde aulas de equitação a aulas de olaria. Quem dá as aulas de equitação é o senhor Carlos Pereira, 55 anos. Tem um braço paralisado, consequência de um acidente de mota. Foi o primeiro português a participar nos Jogos Paralímpicos na prova de equitação. Não tem problemas em ser como é, até brinca com a situação.
“A maior parte das pessoas não se apercebe que tenho o braço assim, normalmente chamam-me preguiçoso por não tirar a mão do bolso”
“Uma vez aconteceu uma situação caricata: estava uma ovelha presa a uma rede, eu estava a tentar tirar o animal de lá, e vira-se uma senhora e diz: «oiça lá com as duas mãos não seria mais fácil?» Eu respondi-lhe: «Pois, o problema é mexer a outra mão!» Quando a senhora viu que eu não mexia um braço… se houvesse um buraco, ela saltava para lá,” conta Carlos a rir. Carlos dá aulas de equitação não só a principiantes, como também a competidores. Uma das suas alunas é Agna Serra, de 27 anos. Assessora, tem aulas de equitação desde os 12 anos. “O Carlos é uma pessoa espetacular, é um segundo pai, o ambiente é excelente. Isto é uma família.”
A quinta pedagógica é a parte mais divertida para as crianças. Aqui, elas podem dar comida aos animais. Porcos, galinhas, vacas, ovelhas, cabras, há todo o tipo de animais que se podem encontrar em qualquer quinta portuguesa. Nesta quinta, encontramos ainda um grande roseiral e o único labirinto da Europa feito com árvores de fruto. Tem cerca de 320 árvores de 21 espécies, todas portuguesas.
A zona mais recente
Houve necessidade de aumentar o parque. “Arranjaram a margem do rio, começámos com os veados, gamos, aves mais pequenas. Ao longo dos anos foi crescendo e chegaram os ursos, linces e lobos”, explica com orgulho Margarida. Hoje em dia são 47 as espécies de animais a viverem no parque, todas de origem portuguesa, à exceção dos lama e das tartarugas. Todos os animais que estão aptos para uma vida selvagem não são aceites para ficar em cativeiro no parque.
“O parque apenas e só aceita animais que tenham vindo de centros de recuperação e foram considerados irrecuperáveis”
Os ursos foram salvos de um circo, a águia levou um tiro e não consegue voar, todos os animais desta quinta tiveram um passado menos feliz. Aqui, todos os animais são muitos bem tratados, uma prova disso é que todos os anos se reproduzem. No mês de abril deste ano, nasceram linces europeus. A felicidade tanto da bióloga como de quem alimenta os animais é notória.
José Varandas, 55 anos, é capataz na quinta: gere, alimenta e vai buscar a comida para os animais. “É um trabalho duro, mas faço-o com gosto. Este trabalho seria mais complicado para as pessoas que têm DIDs e alguém teria que fazer. É muito bom chegar aqui e ver que os animais se estão a reproduzir, é bom ver isto de perto. Os linces, os lobos e as raposas são alimentadas uma vez por dia, e fazem o jejum uma vez por semana para limparem o organismo, faz parte da dieta deles.”
Museu da Tanoaria e oficinas
Antiga casa dos caseiros, hoje é o Museu da Tanoaria, perto do moinho. Aqui estão os utensílios que ensinam como se faz pipas. António, de 50 anos, cuida do Museu da Tanoaria e recebe quem ali passa. A voz não é muito percetível, mas não tem vergonha de dizer que o álcool foi o seu pior inimigo. Hoje, recuperado, está há seis anos no parque. Na saída, pede para deixar uma lembrança no livro de recordações do museu.
“Vim para aqui derivado ao alcoolismo, tratei-me. Estou outro homem! Gosto de receber as pessoas. Aqui, é como uma família”
Foram criadas as oficinas, “onde estão muitos profissionais. Na maioria têm DIDs ou sofreram de exclusão social. Temos uma oficina de sapataria, a única da vila. Temos uma de olaria e vidro, tecelagem e vimo. E a loja de artesanato, onde se vendem muitos dos produtos que são feitos nessas oficinas, como também o mel, o vinho e a jeropiga produzida por nós, não nesta quinta, mas em quintas próximas”, completa Margarida Soares.
Na sapataria está o sapateiro chefe Miguel Rodrigues. Depois de um acidente de mota, teve que amputar uma perna, mas isso não impediu de chegar a mestre da arte do calçado. “Nunca pensei em fazer o que faço hoje. Andei por aí, estive em vários empregos, mas este foi o único que me deu uma hipótese de ter um emprego e um ordenado ao fim do mês, digno para viver.”
Comer e dormir
O Hotel Parque Serra da Lousã, um quatro estrelas mas com preço low cost, e o restaurante Museu da Chanfana também estão integrados neste projeto. O hotel abriu em novembro, retrata deuses gregos e todos os quartos do R/C são adaptados para pessoas com DIDs.
Neste espaço, há funcionários que também possuem alguns tipos de DIDs, principalmente quem limpa os quartos. No restaurante, o serviço é de topo, assim como a comida. O prato mais confecionado é a chanfana das melhores da região, e o seu sabor é bastante forte. Como sobremesa a nabada, um doce feito de nabos, tipicamente português, Ao que consta, a receita tinha sido perdida e apenas este restaurante conseguiu resgatá-la de um convento.
Novidades
Como prova de um parque ainda em crescimento, brevemente vai abrir um fumeiro e uma queijaria. O projeto mais aguardado a ser concebido neste parque é o templo. O templo vai ter presentes todas as religiões do mundo, para assim mostrar que nem a religião deve ser uma diferença.