No Sporting Clube Linda-a-Velha, o futebol vai para além do campo. Em cada treino e em cada jogo a equipa junta-se não só para competir, mas para manter viva uma paixão que ultrapassa as limitações de recursos e infraestruturas. Com uma história rica e uma massa adepta unida, o clube luta todos os dias para sobreviver na 2ª Divisão da AF Lisboa. “O que nos mantém é a união e a dedicação de todos”, garante o diretor-desportivo.
Está prestes a começar mais um treino de terça-feira. São 20h30 e os jogadores já se encontram em campo. É o primeiro treino da semana e o ambiente é de foco total. A equipa da 2ª Divisão distrital da AF Lisboa chega motivada, ainda a saborear a vitória no último jogo frente ao Abóboda, no qual marcaram cinco golos, contra um do adversário. No entanto, o ‘mister’ faz questão de lembrar que o próximo desafio está à porta e não há espaço para relaxar. “A vitória foi importante, mas agora temos de pensar no próximo jogo”, alerta Paulo Oliveira.
Alguns atletas antecipam-se ao treino e passam primeiro pela fisioterapia. Raquel, a fisioterapeuta do clube, explica que o seu trabalho vai além do tratamento de lesões. “Nós fazemos a prevenção a nível da alimentação, do sono e sempre que há alguma alteração durante o treino, qualquer dor que não seja normal pedimos que venham logo para conseguirmos prevenir e evitar que progrida.”
A sua atenção aos detalhes e o acompanhamento contínuo faz com que pequenos problemas não se transformem em lesões graves. “Trabalho num serviço de cirurgia, o que me dá uma perspetiva diferente para lidar com situações de saúde no clube. Não tratamos apenas lesões relacionadas com o desporto, mas também ajudamos os jogadores a estarem fisicamente preparados para o jogo. Conheço cada atleta, como o corpo deles reage, como têm de ser imobilizados. Isso passa confiança para eles e para mim, porque sei como tratá-los ao longo da época.”
Além disso — e tal como Raquel, que trabalha num hospital — também os jogadores têm vidas profissionais e pessoais para além do futebol, que é preciso cuidar e respeitar. “Qualquer lesão aqui vai sempre refletir-se na vida que eles têm lá fora”, garante a fisioterapeuta. O seu objetivo é garantir que mantenham uma boa qualidade de vida tanto dentro como fora do campo.
“O talento é importante, claro, mas prefiro um jogador comprometido. Aqui, o que conta é a mentalidade”
Gonçalo Mateus, o capitão da equipa, fala com carinho sobre a sua ligação com o Linda-a-Velha. “Cresci aqui, foi o meu primeiro lugar no futebol. Cheguei com quatro anos e estive até aos 15. Depois fui para fora, mas voltei. Esta é a minha terra e o meu espaço. Fiz muitos amigos e vivi momentos importantes aqui”, conta o atleta, sublinhando a ligação emocional que sente por esta formação.
Apesar desta paixão, o futebol distrital é marcado por desafios constantes e esta equipa não é exceção. A falta de recursos é uma realidade que obriga a equipa técnica e os jogadores a serem criativos. Paulo Oliveira, o treinador principal, reconhece as limitações, mas sabe que a solução está na adaptação. “Não podemos pedir mais do que temos. Temos que ser realistas. Não existe GPS ou equipamento de topo, mas temos um grupo de pessoas que dá tudo o que tem.”
O plantel treina apenas três vezes por semana e cada sessão é maximizada para trabalhar tanto a parte física quanto a tática. “Queremos trabalhar a defesa, o ataque, bolas paradas, tudo com o pouco tempo que temos”, explica Telmo Vaz, treinador-adjunto. “Com três treinos por semana, temos de ser muito eficientes.”
Mateus está habituado a esta dinâmica e a conciliar o futebol com o trabalho ou os estudos desde novo. “Já faço isto desde pequeno. Claro que temos de abdicar de algumas coisas, como saídas com amigos ou momentos com a família, mas quando gostamos fazemos o sacrifício”, comenta. Para Pedro Fernandes, o futebol é uma forma de descomprimir. “Depois de um dia de trabalho, vir aqui treinar é como desligar dos problemas. Venho para me divertir e estar com os meus colegas.”
O mister Paulo Oliveira sublinha a importância do compromisso no futebol distrital: “O talento é importante, claro, mas prefiro um jogador comprometido. Aqui, o que conta é a mentalidade. Sem compromisso, não há equipa.”
Muito mais do que futebol
O Linda-a-Velha não é apenas uma equipa de futebol. Para muitos dos jovens da freguesia é uma segunda casa. “O papel do Linda-a-Velha, como o de muitos pequenos clubes, é tirar os jovens da rua e dar-lhes algo produtivo. Estes clubes fomentam o desporto e ajudam a construir carácter”, afirma José Silva, diretor-desportivo. Para o dirigente, este espaço desportivo é mais do que um campo de treino, um local onde os jovens aprendem valores essenciais como a disciplina, o respeito, trabalho em equipa e os valores da comunidade”.
O esforço dos pais, voluntários e membros da comunidade é, na verdade, o que mantém a instituição em funcionamento. “É difícil gerir um clube da segunda distrital, especialmente com os recursos limitados, mas continuamos por carolice”, confessa o diretor. “As pessoas aqui ajudam no que podem, seja na organização dos jogos, na manutenção das instalações ou em eventos para angariar fundos.” Nos dias de jogo, o campo transforma-se num ponto de encontro com pais e amigos a apoiar.
Mateus e os seus colegas confirmam que este espaço desportivo vai muito além de um clube de futebol. “Foi o lugar onde comecei a crescer, onde aprendi o que é ser parte de uma equipa. Aqui fiz amigos para a vida e vivi experiências que nunca esquecerei. É mais do que futebol, é uma parte fundamental de quem sou hoje”, conclui o capitão.