Diz o povo que “o segredo é a alma do negócio”. Qual terá sido o segredo dos negócios de João, Jorge, Nuno e Alexandre? Consideram, unanimemente, que o programa de pagamento antecipado das prestações de desemprego é uma alavanca para o empreendedorismo.
A Barbearia João Batista, decorada ao estilo vintage com peças cheias de história e significado que tornam o espaço charmoso e com personalidade, situa-se numa das principais ruas de Algés. João foi aprendiz de cabeleireiro e sentiu-se desamparado com o impacto do desemprego. Já tinha a ideia de um dia trabalhar para si próprio e, quando soube dos projetos dinamizados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), resolveu avançar. Hoje, defende que foi a melhor decisão que tomou. A barbearia apostou na oferta de mais serviços e, além dos arranjos de cabelo e de barba, aderiu às limpezas de pele e tatuagens. Afirma que o apoio financeiro inicial foi fundamental para a implementação do negócio, pois “sem isso não tinha hipótese, era impensável”.
Jorge Fonte é licenciado em Artes Decorativas. Quando ficou desempregado era responsável pelo Departamento de Produção e coordenador oficinal de uma fundação de renome. De voz embargada, recorda o dia em que o chamaram com a informação de que o iriam dispensar por restruturação do cargo que exercia. Ficou desolado. Teve sete meses desempregado e nos diversos contactos que teve com o IEFP conheceu pessoas que o ajudaram. “Foi um grande crescimento pessoal”, afirma. A família é proprietária de uma loja e Jorge sempre a usou para fazer os seus trabalhos de restauro fora de horas. Com o desemprego, passou a chamar-lhe “espaço terapêutico”. Um dia, sentado no centro do seu atelier, pensou que o melhor seria criar “aqui o seu ganha pão”. Através do programa da antecipação das prestações de desemprego, abriu uma empresa de construção e restauro de mobiliário, e encontra-se também a preparar workshops. Afirma que foi das melhores decisões que tomou na vida e o projeto ajudou-o a reestruturar-se da perda do emprego onde tinha estado durante 30 anos. Questionado sobre se o Centro de Emprego o ajudou neste processo, a resposta é: “um sim grande”.
No meio de peças de automóvel, ferramentas e resíduos vê-se Nuno Horta. Na organização da oficina, a funcionalidade sobressai. É necessário atribuir um lugar específico a cada utensílio, os 26 anos de experiência assim o ditam. Lava as mãos, compõe a farda de trabalho e aparece de sorriso aberto. Antes de ficar desempregado, era chefe de oficina na Mercedes-Benz. Desafiaram-no para ir trabalhar para a República Dominicana, mas estar longe da filha nem pensar. Acabou por sair e sentiu o vazio do desemprego. ‘Atirou-se’ para a Internet à procura de soluções. Ficou a saber que, em vez de ficar em casa a receber o subsídio de desemprego, podia antecipar os três anos das prestações que lhe tinham sido atribuídas para abrir a sua própria empresa. Aproveitou e criou uma sociedade de reparação de veículos automóveis direcionada para a marca Mercedes, onde já detinha um grande know-how. O apoio do financiamento foi fundamental. Hoje, defende com entusiasmo os seis anos de sucesso do seu negócio, que resistiu a um duro período de confinamento provocado pela pandemia.
Já Alexandre Gouveia é engenheiro agrónomo, mas foi como gestor de vendas de tratores numa empresa líder de mercado que se fez trabalhador. Os acionistas da empresa de importação de tratores agrícolas expandiram-se para o mercado automóvel e Alexandre, como diretor-geral, assumiu a responsabilidade comercial e do serviço pós-venda. Foi aqui que encontrou terreno fértil para prosperar durante 20 anos. Esta sociedade acabou por ser comprada por um grande grupo empresarial para onde Alexandre transitou. As novas funções, ligadas mais ao produto do que à gestão, não lhe agradaram e o desemprego acabou por lhe bater à porta. Foi uma nova sensação. Perspetivou contactar as pessoas que conhecia à procura de emprego, mas esse caminho foi afastado pela clarividência que obteve numa viagem de automóvel que o transportou para a ideia do negócio que já tinha tido dois anos antes. Nessa noite, o projecto começou a desenhar-se. Ter paixão por viagens e ser proprietário de um imóvel situado numa zona de grande interesse turístico em Cascais foram os primeiros passos para se firmar no Alojamento Local. A pandemia atrasou o desenrolar da atividade, mas Alexandre aposta numa boa recuperação, “até porque as pessoas têm interesse em passar férias na bolha familiar”, defende. Como o investimento foi elevado, a antecipação das prestações de desemprego antecipadas teve um peso de 15% no total do investimento, o que foi importante, mas não foi fundamental. Mesmo assim, considera que o programa de criação do próprio emprego é uma grande alavanca para o empreendedorismo e só tem mesmo pena de não ter avançado com este negócio há mais tempo.
O enquadramento das políticas de emprego considera que as medidas passivas de emprego devem ter a duração do período de tempo estritamente necessário para que seja possível o retorno ao mercado de trabalho. Nesta continuidade, estão previstos mecanismos de ativação dos beneficiários, entre eles promover a criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez do montante global das prestações de desemprego. Para isso, os beneficiários das prestações de desemprego têm de apresentar um projeto de negócio que origine, pelo menos, a criação do seu próprio emprego a tempo inteiro e cabe ao Instituto do Emprego e Formação Profissional proceder à análise de viabilidade económica.
Sobre a temática do programa de criação do próprio emprego encontra-se a dissertação de mestrado defendido no Instituto Superior de Gestão, com o título “Desemprego e Empreendedorismo: que Relação?”, da autoria de Mafalda Marçano, gestora com mais de 20 anos de experiência enquanto analista de projetos empresariais no IEFP. Trata-se de um estudo de caso aplicado ao Programa de Criação do Próprio Emprego, nos concelhos de Cascais e Oeiras, focado no resultado da observação dos dados sócio-demográficos de 550 empreendedores e do sucesso do programa dentro das medidas ativas de emprego.
Os resultados obtidos mostram, entre outros, a existência de fatores que ampliam a vontade de empreender: possuir uma licenciatura e/ou criar um negócio onde o promotor detém experiência profissional. Os resultados sugerem uma taxa de sobrevivência superior a três anos de 88%, o que contrasta com alguma informação da Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA) que refere que só 54,4% das empresas em Portugal conseguem manter-se após 24 meses de existência.