Rio Maior é uma terra de encantos e sal sem mar, carregada de um forte passado histórico, situada na Estremadura Ribatejana, sede de município. Sofreu um grande desenvolvimento turístico nos últimos anos e está a apostar em força neste setor.
Aqui não há mar mas é assim que cheira, quando chegamos às salinas de Rio Maior. O mais parecido que existe são pequenos retângulos com chão de pedra banhados com água e onde nalguns se nota uma crosta branca e brilhante. São as salinas que se encontram escondidas pelas velhas casas de madeira, divididas por talhos e que, por esta altura do ano, já se encontram na fase final de limpeza para que a água possa surgir do subsolo e deixar a flor de sal.
Se nuns talhos vemos homens de diversas gerações com vassouras na mão a realizar a limpeza, noutros já podemos vislumbrar pequenos montes de sal que são postos a secar em palanques de madeira para que mais tarde possam ser comercializados para os vários setores.
Ao início da rua, encontra-se o posto de turismo. Lurdes Henriques e Elisabete Figueiredo recebem-nos com simpatia e boa disposição e explicam como funciona todo o processo de surgimento e recolha da flor de sal. Lurdes Henriques ressalva que “as salinas de Rio Maior são únicas no país, pois a água das salinas vem do subsolo”. Em tempos, por aqui existiu mar, há 250 milhões de anos, e devido aos movimentos horizontais das placas tectónicas a terra subiu e a água recuou. Atualmente, o mar mais próximo encontra-se a 30 km, na Foz do Arelho. Sendo uma zona situada num vale tifónico, a água das chuvas infiltra-se pela montanha acumulando-se no subsolo. Durante esse processo forma-se através dos sedimentos das restantes a rocha sal-gema. A rocha vai-se diluindo com as águas das chuvas transformando a água doce em salgada.
A zona de Rio Maior é a maior do país com águas subterrâneas. Estas vêm à superfície quando atingem um certo nível, surgindo naturalmente num poço com nove metros de profundidade e 3,75 de diâmetro. “É a natureza no seu estado puro”, comenta Lurdes Henriques. A água sai do poço com cerca de 98% de Cloreto de Sódio, juntamente com magnésio e sais minerais, não possuindo iodo, ao contrário das águas do mar. Este processo de salinas interiores só existe em Portugal na região de Rio Maior, e pode-se encontrar também em Espanha e nos Andes, no Peru.
“Aqui há três riquezas: uma água com muito cloreto de sódio; o vale tifónico que faz um excelente microclima, o que permite fazer uma boa e rápida produção de sal e há um sal puro que não é lavado”, considera Elisabete Figueiredo. “Quando é recolhido e posto ao sol já é branco. Isto porque os talhos são feitos de lage que não parte ao contrário do cimento que se deteriora com o tempo. A lage é branca e uma pedra porosa que quando colocada no talho faz um efeito esponja que absorve a água deixando só o sal à superfície.”
Atualmente, existem cerca de 100 proprietários e três grandes produtores. No tempo da monarquia, o sal era um produto bastante valioso e todas estas salinas pertenciam ao rei Pêro D’Aragão e à sua mulher Sancha Soares. Mas, ainda no século XVIII, venderam a quinta e parte do poço das salinas aos Templários de Tomar, que, por sua vez, revenderam aos produtores da aldeia dividindo os seus talhões em pequenos talhos consoante o número de filhos, dando às salinas o aspeto que hoje têm.
Nos últimos anos, a Câmara de Rio Maior tem apostado em várias iniciativas para dinamizar a região. Desde a sua dedicação a várias modalidades do desporto, às feiras gastronómicas, à forte aposta na divulgação e publicidade das salinas.
Sobre o aumento do número de visitantes e a sua variedade, Lurdes e Elisabete explicam que vem gente de todos os lados do mundo, principalmente professores catedráticos da Alemanha, que vêm para compreender melhor o fenómeno. Surge, entretanto, uma turista francesa em busca de mais informações sobre que locais visitar na região. Lurdes Henriques mostra-lhe o mapa de zonas turísticas a visitar, tais como os caminhos pedestres que escondem alguns vestígios da presença romana, o dólman junto da igreja e o primeiro parque sensorial da Europa, destinado às pessoas com problemas de visão e com as explicações e indicações todas em braille.
Do sal ao salário
Atualmente, 80% do sal produzido é exportado para a Alemanha, essencialmente para a produção de medicamentos na empresa Bayer, pois o sal é um produto anti-inflamatório por não ser lavado e extraído diretamente da natureza. Lá é certificado. Todo o rótulo está escrito em alemão exceto “Rio Maior” para comprovar a autenticidade do produto.
“O sal é um produto de excelência português, como temos tantos outros”, diz Lurdes Henriques. “Nós portugueses não valorizamos o que é nosso. Desde há quatro anos para cá que vejo as coisas diferentes. A geração mais nova – não a minha que ainda tem a mentalidade que o que é estrangeiro é que é bom – tem que valorizar os produtos que têm. Temos o vinho, a cortiça (somos os melhores do mundo nesses produtos), o azeite, o sal que é um dos melhores do mundo. Melhor que isto não há.”
Ainda sobre o turismo e os produtos portugueses, Elisabete Figueiredo refere que “estamos no topo do mundo, mesmo no turismo. Temos os prémios todos. Quem acaba com isto são os analfabetos, os que não são entendedores de turismo e são gananciosos.”
Seguimos rua fora em busca de mais histórias sobre as salinas. Numa casinha mais à frente o senhor Francisco enquanto trabalha o sal artesanalmente conta-nos que as casas de madeira foram construídas após a venda dos Templários de Tomar e serviam primeiramente para armazenar o sal, sendo trancadas com fechaduras com um mecanismo próprio desta zona.
Numa pequena taberna degustamos o licor de Pastel de Nata produzido pela empresa Blêm, cujo dono Alexandre Silva leva o nome da região além-fronteiras.Na parede destacam-se umas longas tábuas com símbolos bastante característicos. Em tempos, o sal era um produto de grande importância no comércio, pois além de servir para dar sabor às refeições também permitia a conservação das carnes e sendo um produto tão valioso era usado como moeda de troca no pagamento de serviços. É do nome deste produto que vem o conceito de salário. E deve-se a este método de pagamento que existem estas tábuas.
Há alguns anos, o trabalho nas salinas era manual e prolongava-se noite dentro para que a Cooperativa Agrícola de Produtores pudesse subsistir. Então, era nessas noites que os marinheiros costumavam consumir avultadas quantias de álcool nas tabernas locais. Para facilitar as suas contas o taberneiro fazia a escrita nessas tábuas de madeira com cerca de um metro e meio de comprimento e dez a 15 centímetros de largura, atribuindo assim cada tábua à conta de um freguês. Cada símbolo na tábua representa uma bebida e a despesa que o marinheiro ia fazendo. Primeiramente só existia um símbolo, o do vinho, e a conta era feita por traços (cada um representava um copo bebido). Mais tarde, com a introdução de mais bebidas alcoólicas no mercado cada uma adquiria o seu símbolo. As tábuas ficavam então expostas na parede para facilitar o pagamento ao taberneiro que era sempre feito em sal.
As salinas de Rio Maior são o sítio ideal para passar uma tarde em família, a 75 km de Lisboa e para aprender um pouco mais sobre este fenómeno tão exclusivo de produção de sal.