Beatriz e Paloma partilhavam o sonho de ser mãe, mas nunca pensaram que se tornasse realidade tão cedo. Abrem as portas das suas casas, seguras de que um filho é a maior benção que uma mulher pode ter. Acreditam que, se aconteceu na altura em que aconteceu, era porque tinha de ser.
Do andar de baixo, já se ouve a voz doce da pequena Maria Leonor a brincar no quarto. Subindo as escadas, sente-se alegria naquela casa. Os brinquedos espalhados mostram a diversão que se vive na casa de Beatriz.
A cerca de 10 quilómetros, no conforto da sala, Paloma acaba de acordar e fala abertamente sobre o pequeno Rodrigo, enquanto este, ainda ensonado, brinca sorridente. A sala, repleta de brinquedos ao canto, tem um tapete colorido e uma tenda de brincar. Aos poucos, Rodrigo, ainda sem saber andar, gatinha até lá e vai-se entretendo.
Beatriz tem 19 anos, estuda e trabalha em part-time. Começou a namorar aos 13 anos e aos 14 deu à luz Maria Leonor. “Não tomava a pílula. Achava que tinha cuidados, mas agora sei que não eram os suficientes. Acabou por acontecer.” Descobriu a gravidez no mesmo mês em que deu à luz e a sua reação foi de surpresa. “Não estava à espera de estar grávida, muito menos grávida de quase nove meses”, diz a mãe de Maria Leonor.
Paloma, de 20 anos, foi mãe mais tarde, aos 19 anos. Trabalha em part-time e é mãe de Rodrigo de 10 meses. Engravidou por acidente, de um rapaz mais velho, com o qual não mantinha nenhuma relação amorosa. Na altura, tinha tirado o implante contracetivo por conselho da médica e tomava a pílula. “Poderia ter tido mais cuidados, mas fui mal informada”, desabafa. Culpa a técnica de saúde por não a ter alertado que havia a possibilidade de aquela pílula não ser eficaz. Quando descobriu a gravidez, já estava perto das 10 semanas [data limite para fazer uma interrupção voluntária]. Afirma que não gostou da ideia de estar grávida, que não aceitou nada bem a situação.
A mudança radical na vida de uma adolescente que engravida nem sempre é fácil, mas o apoio e a compreensão são fundamentais. Beatriz diz que tem a sorte de ter uma família que sempre a apoiou, que nunca lhe apontou o dedo. A mãe de Maria Leonor diz: “Descobri a gravidez com nove meses de gestação porque tinha de ser assim, ela tinha de nascer.” Por isso, nunca pensou em abortar. No entanto, diz ter noção que se tivesse descoberto mais cedo, a mãe a tinha obrigado a interromper a gravidez.
À semelhança da mãe de Beatriz, a mãe de Paloma foi a primeira pessoa a saber. Contudo, reagiram de formas distintas. Enquanto a mãe de Beatriz ficou em choque e chorou muito, a mãe de Paloma foi a responsável pelo nascimento de Rodrigo. A primeira hipótese de Paloma era abortar, mas dado que a gestação estava muito próxima das 10 semanas, sendo um risco para a sua saúde, a mãe incentivou-a a continuar com a gravidez.
Medos, incertezas e preconceito
A mãe de Maria Leonor assume que teve muito medo. Apenas fez uma ecografia até ao dia do nascimento da filha. Só sabia o sexo da criança, não tinha qualquer informação se estava tudo bem com a bebé. Diz não saber explicar, mas desde o momento em que a filha nasceu e viu que estava tudo bem “parecia que já sabia fazer aquilo há imenso tempo” e que estava preparada para ser mãe. Já a mãe de Rodrigo afirma: “Nunca ninguém está preparado para ser mãe, porque é algo muito diferente daquilo que se imagina.”
Nem sempre é fácil uma adolescente lidar com os comentários por ter sido mãe tão jovem. Os seus desempenhos como “mãe” são muitas vezes postos em causa. No entanto, Paloma diz não ligar aos comentários negativos, afirmando: “não sei deles porque não os procuro”. Beatriz diz que eles existem, que magoa as pessoas pensarem que uma mãe adolescente é menos mãe por tê-lo sido tão jovem. “Não é por ter sido mãe nova que sou menos mãe que qualquer uma outra”, confessa Beatriz.
Tanto Paloma como Beatriz dizem que não sentiram vergonha em estar grávidas. Paloma porque não procura os comentários, Beatriz porque nunca se sentiu 100% grávida, a gravidez não foi notória. Ambas dizem que a reação dos amigos foi boa e que, apesar de ter sido um choque, hoje em dia é completamente normal. Afirmam que os amigos têm um carinho especial e são muito preocupados com as crianças.
Ser mãe transformou-as em mulheres. Aos 14 e aos 19 anos, Beatriz e Paloma viram-se obrigadas a crescer, não fosse ser mãe uma das maiores responsabilidades de uma mulher. Não se consideram adultas, mas sabem que têm preocupações e responsabilidades que outras jovens não têm. Consideram-se boas mães, mas dizem que, como pessoas, ainda têm muito a crescer.
Não está nos planos de Beatriz ter outro filho nos próximos anos. No entanto, tem o sonho de dar um irmão a Maria Leonor. Paloma afirma que, neste momento, estaria pronta a ter o segundo filho.
Com a chegada de um filho, as despesas disparam. Geralmente sozinha, uma adolescente não tem a capacidade de as suportar. O maior desgosto de Beatriz é não conseguir ser ela a responsável pelas despesas da filha. “Às vezes, sinto-me menos mãe por não sustentar a minha filha”, desabafa. Todas as despesas estão ‘destinadas’ à avó Carla. Enquanto acaba o secundário, Beatriz trabalha para ajudar a mãe com as despesas e tem a ambição de entrar no ensino superior. Paloma vive sozinha com o namorado e o filho. Os dois sustentam Rodrigo, mas, tendo ele apenas 10 meses, não sentem que seja uma grande despesa. Ambas mudaram a forma de pensar a partir do momento em que foram mães. Se antes pensavam só nelas, hoje o pensamento recai naquilo que faz falta aos filhos.
As mães reconhecem que a presença e as atitudes dos pais não são as que sempre sonharam dar a um filho. Para o pai de Maria Leonor não foi fácil aceitar a chegada da filha. Foi algo que, na altura, entristeceu Beatriz. Atualmente, isso já passou e Beatriz diz que “não pode apontar muito” sobre o pai da filha. Sempre foi um pai que, com o apoio da família, ajudou nas despesas e está presente na vida da filha. Beatriz sente que cresceu muito mais por ter sido mãe do que ele por ter sido pai, mas compreende. É ela quem passa a grande parte do tempo com a filha e quem tem a maior responsabilidade.
Para Paloma, o pai do Rodrigo é o atual namorado. É ele que cuida dele desde os cinco meses e o trata como filho. O pai biológico de Rodrigo não aceitou bem o nascimento do filho. Poucas vezes o procurou e cumpriu com as suas responsabilidades de pai. E, por isso, caso um dia o filho queira passar tempo com o pai, Paloma diz: “Vou sofrer e ficar magoada porque quem está aqui sempre para ele sou eu, mas vou respeitar.”
O que ficou para trás
Beatriz e Paloma viram-se obrigadas a adotar uma vida fora do comum para uma adolescente. No entanto, são felizes com a vida atual. Paloma afirma que, caso não tivesse sido mãe aos 19 anos, “provavelmente não estaria a viver sozinha” e não “estaria diferente”. Afirma que nunca foi de sair, que é “muito caseira”, e que por isso não sente que tenha perdido a sua vida de adolescente por ter sido mãe .
Agora, com um filho, a diferença é que tem de acordar mais cedo. Tem de se preparar a si e ao Rodrigo, deixá-lo na ama e ir trabalhar. A quarentena para a mãe de Rodrigo foi difícil. “Cheguei a trancar-me na casa de banho, a chorar, porque ele estava aos gritos”, assume Paloma.
Para Beatriz, é difícil dizer o que ficou para trás, mas tem a certeza que “nasceu uma nova Beatriz quando a Maria Leonor nasceu”. O pensamento agora é só a filha. Trabalha sempre da parte da manhã, para garantir que vai levar a filha ao colégio e buscá-la. Tal como para Paloma, o período de quarentena não foi fácil. Afirma que a filha “está numa fase horrível e só faz birras”, mas no fundo sente que foi bom. Passou mais tempo com ela.
Nenhuma das duas teve tempo para se imaginar como mãe, mas, do pouco que pensaram sobre isso, estavam longe da realidade. Paloma diz que sempre achou que iria ser uma mãe “cheia de regras e fria no que toca a birras e chorinhos”, mas que não consegue. O sonho dela sempre foi ser mãe, por isso, não sente que tenha deixado algo por concretizar antes do nascimento de Rodrigo.
A liberdade deixou de existir. Para onde vão, os filhos vão também. Para Beatriz, “os dias em que ela vai ao pai são os dias de folga”. Aproveita o pouco tempo que a filha vai a casa do pai para se divertir, descansar e passar tempo com os amigos. Não sente que tenha perdido a sua adolescência, sente apenas que foi uma “adolescência diferente”.
Olhando para trás, têm a certeza que, se tivesse sido por vontade própria, não teriam tido filhos tão jovens. Agora que passaram por tudo isso, dizem não se arrepender nem querer apagar isso das suas vidas. Ambas são felizes e realizadas, e no futuro o que vão transmitir aos filhos é que ser mãe ou pai na adolescência não é fácil.
Os dados não enganam
Segundo dados de 2019, os últimos disponíveis, em Portugal nasceram 2.077 bebés filhos de mães entre os 11 e os 19 anos, sendo Rodrigo um deles. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), este foi o valor mais baixo dos últimos 20 anos. Em 2015, ano do nascimento de Maria Leonor, nasceram 2.295 crianças filhas de jovens adolescentes.
Para Catarina Lapa, enfermeira de planeamento familiar, a diminuição do número de gravidezes na adolescência dá-se principalmente por haver mais informação, consciencialização e apoio nas escolas, transformando os jovens em “indivíduos mais informados dos riscos que a sexualidade pode trazer”. Porém, não deixa de lado a hipótese de este número ter reduzido por a população portuguesa estar cada vez mais envelhecida.