O desperdício de alimentos é um problema mundial que afeta a economia, o ambiente, a sociedade. Há milhões de pessoas com fome. Em Portugal, cerca de um milhão de toneladas de alimentos são deitados no lixo por ano, enquanto, 19,3% dos portugueses vivem em insegurança alimentar, segundo um inquérito da Direção-Geral da Saúde que monitoriza a insegurança alimentar no País.
A produção de alimentos das grandes indústrias utiliza, desnecessariamente, recursos naturais em grande escala para a produção de comida. Para carne bovina, cerca de 15.500 litros de água para cada quilo de carne, segundo dados da organização Water Footprint Network. No processo de colheita e distribuição de frutas, legumes e verduras, cerca de 14% desses alimentos ficam pelo caminho. Nem chegam ao comércio.
Face à inutilidade destes recursos, como se nada fossem, ignorar a imoralidade da fome e a insegurança alimentar, quando milhares de pessoas não têm as suas necessidades básicas atendidas agrava esta situação.
Em tempos de aumento do consumo (em excesso) e quando não há uma didática alimentar impera o desperdício de alimentos e, como consequência, a disparidade entre os que sofrem – ou não – por saltar refeições. A subnutrição afeta cerca de 2,5% da população em Portugal.
O paradoxo entre o desperdício e insegurança alimentar é o terrível resultado da procura de alimentos esteticamente perfeitos, pelo descarte feito pelas indústrias produtoras e pelos supermercados. De acordo com dados do InfoFamília, nos anos de 2011 a 2014, aproximadamente 43,7% dos inquiridos passaram por algum nível de insegurança alimentar. Nos anos subsequentes, de 2015 e 2016, o segundo Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física (IANAF) revelou que cerca de 10% da população portuguesa passou dificuldades para oferecer alimentação considerada suficiente ao seu agregado familiar.
Conforme a Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), agência especializada das Nações Unidas, em Portugal cerca de um milhão de toneladas de alimentos são deitados no lixo, por ano. Já a União Europeia conta com 89 milhões de toneladas de alimentos no lixo todos os anos.
Pedro Fernando Rosário trabalhou durante anos como comprador de produtos frescos para frutaria e relata a dificuldade que é ver diariamente alimentos serem deitados fora por terem alguma imperfeição nos centros de abastecimento de produtos agroalimentares. “O cenário ideal seria que esses alimentos fossem reaproveitados de alguma maneira. Mas, infelizmente, não é isso que ocorre.” Pedro destaca a disparidade de preços entre caixas de vegetais em perfeito estado, tendo em conta a aparência, sendo até 50% mais caras do que as que contêm alimentos considerados “feios”.
Devido a diminuição inevitável do consumo durante o confinamento, fruto da pandemia covid-19, a quantidade de alimentos disponíveis fez despontar o desperdício, traço que marcou o Mundo no primeiro trimestre de 2020. Com o encerramento das fronteiras, não foi possível que as cargas chegassem ao seu destino, o que fez com que agricultores tivessem que jogar fora produtos devido à não distribuição. O descarte de alimentos como leite, frutas, legumes e verduras, produzidos para serem distribuídos e consumidos num prazo muito específico, evidenciou as consequências da crise.
Em Portugal, o movimento Zero Desperdício, associação sem fins lucrativos, atua desde 2011 no combate à produção de lixo. O movimento referiu ser inevitável não ter consequências no que toca à distribuição de alimentos para pessoas carenciadas, face ao novo coronavírus. Alertam que o número de insuficiência alimentar para as famílias pobres poderia aumentar, e consequentemente, a sua rede de distribuição.
A cooperativa Fruta Feia trabalha em Portugal desde 2013 e tem como serviço a venda de cestos de frutas e vegetais que não foram comprados pelas grandes empresas, devido à sua imperfeição estética. Os alimentos são comprados diretamente aos agricultores por um preço mais baixo, dando assim um destino aos vegetais que iriam para o lixo. A cooperativa Fruta Feia evita semanalmente que cerca de 15 toneladas de fruto-hortícolas sejam deitados fora.
O nutricionista Rodolfo Duarte, especialista em Emagrecimento e Nutrição Desportiva, formado pela Universidade Estácio de Sá, em declarações ao UALMedia, salienta que a insegurança alimentar é um problema muito grave, que leva à desnutrição. A não ingestão de elementos essenciais para o organismo, “faz com que não se alcance a quantidade necessária para o metabolismo basal, que gasta suas reservas de gordura para manter o corpo, levando à subnutrição”. Destaca que crises económicas são um fator agudo para elevar a subnutrição, como no caso do desemprego, devido à covid-19.
Rodolfo Duarte ressalta a importância da proteção da população mais carenciada e indica que a educação alimentar, a fim de ter o aproveitamento integral dos alimentos, além de reduzir o desperdício, combate a subnutrição desta parcela da população, melhorando a qualidade nutricional da preparação do alimento.
O combate à subnutrição e desperdício alimentar deve ser encarado com seriedade pela população e pelo Governo. Observa-se alguma evolução no olhar para este tema, com o uso de aplicações como Too Good To Go e Good After, que vendem alimentos que iriam parar aos contentores de lixo de supermercados e restaurantes.