Histórias com H é uma rubrica onde relatamos as mais belas histórias do desporto mundial. A narrativa desta semana aborda a vida de Griezmann, futebolista mundialmente conhecido, mas com uma história tão parecida como a de outros milhões
É importante contar a história de Antoine Griezmann. Não porque é única, nem por se comparar na balança da espectacularidade a qualquer outra que aqui, nas “Histórias com H”, tenhamos contado. Na realidade, esta é uma narrativa que possui um início muito repetidor, mas é por essa mesma razão que importa partilhar esta história, porque só assim, através do conhecimento, se muda cânones bem afincados na sociedade no geral, e mais especificamente, na cultura desportiva.
Dias depois de sair, na plataforma mais popular de filmes e séries, o documentário biográfico de Antoine Griezmann (“Nasce uma Lenda”), já dá que falar. O típico e quadrado fanático da bola suga o que pode do documentário. O (esforçado) erudito escolar do jogo tenta descortinar uma história que se repete demasiadas vezes, considerando que talvez exista uma importância maior na partilha de uma história destas, muito maior do que o tamanho do ego de Griezmann. A verdade é que penso encontrar-me no meio dos dois, isto é, como adepto total e sem reservas de futebol, o documentário transmite-me sentimentos literais de bem-estar. Afinal de contas, é futebol, o que há para não gostar? Do outro lado, encontra-se o esforçado erudito do jogo, que encontrou um tópico interessante no meio da confusão de sentimentos, grandes golos e do constante afagar de um ego durante o tempo de filme. E é isso mesmo que importa partilhar: as duas visões através de uma história que representa tanto um lado como o outro, e que deve suscitar a quem o vê o lado racional e emocional. É uma história de superação, de força de vontade, de esforço e de sacrifício. Mas também é uma história que enuncia as (ainda) presentes culturas ignorantes no futebol mundial.
Com pouco mais de dez anos, Griezmann não era nada mais do que um jovem com uma vontade imensa de vencer, mas sem lugar por onde começar. Os vários clubes onde prestava provas respondiam-lhe sistematicamente com um “Não, és demasiado baixo e fraco.”. Uma frase que, se pensarmos bem, pode ter impedido centenas de craques de ter tido a oportunidade merecida, e é por isso mesmo que esta história tem de ser partilhada, porque uma cultura futebolística que negue oportunidades devido a inúteis standarts, tem de ser pressionada. E é com muita pena minha que, apesar de o futebol e as mentalidades estarem a evoluir lentamente, ainda se olha com alguma reticência para jogadores que não possuam o tamanho nem o porte físico desejável. Dou o exemplo do Bernardo Silva no Benfica, que passou por imensas dificuldades a meio do seu trajecto pelas camadas jovens, porque fisicamente não alcançava o nível dos outros jogadores. Por isso, esteve a um passo de desistir e sair do clube da luz. Perder-se-ia um craque como todos sabem.
Na sua juventude, o clube que apoiava situava-se a 70 quilómetros da sua terra, Mâcon, o que proporcionou ao jovem o sonho de poder prestar provas e fazer o seu percurso no seu clube do coração. Mas, inevitavelmente, a resposta do gigante francês, Lyon, foi a mesma, um redondo e significativo “Não!”. A contra-ofensiva veio através do seu pai, que tendo sido um influente político francês, e inclusive, conselheiro da cidade de Mâcon, abriu as portas dos campos de treino do modesto clube, ao seu filho. Assim, o pequeno Antoine poderia evoluir o seu jogo, não esquecendo, apesar de tudo, a vontade em ingressar num clube de topo. Essa mesma vontade materializava-se no esforço que o seu pai impunha aquando das visitas mensais a outras academias pelo país, mesmo como um “Não” quase inevitável em mãos. A qualidade do jovem era, já naquela altura, um dado incontornável. A técnica e classe já lá estavam, o que faltava, segundo os especialistas franceses, era a estatura e porte físico, que segundo os mesmos, traria maior consistência ao seu jogo. As visitas a Saint Ettiene, a Lyon ou a Montpellier resultavam todas no mesmo. Para um menino que era obcecado com o jogo, a falta de confiança nas suas qualidades pesava cada vez mais.
Finalmente, em 2005, durante uma prova onde vestia a camisola do Montpellier e jogava contra a academia do Paris Saint Germain, em Paris, a sua qualidade foi finalmente notada e apreciada por olheiros ali presentes. O que fica para a história é o convite de um deles, que pertencia aos espanhóis do Real Sociedad. Griezmann tinha agora a oportunidade de mostrar todo o seu potencial, isto porque a cultura futebolística espanhola não é a mesma da francesa, e o tipo de jogador que o jovem Griezmann se tinha tornado era um formato imensamente apetecido para uma cultura tão enriquecida como a espanhola. Mas a decisão nunca seria fácil, nem para o jovem, nem para a sua família que olhava para esta possibilidade com algum receio, tendo em conta que nada garantia que o filho teria futuro em terras espanholas. O convite apenas mencionava provas de uma semana. E uma viagem até terras bascas, mais precisamente à bela cidade de San Sebastián, apenas com uma promessa de uma semana de provas em mãos, era algo que não convencia os tutores do jovem. Apesar de tudo, e com o apoio total e importantíssimo dos seus pais, o jovem Antoine lá foi para Espanha.
E chegou com sucesso, finalizando uma semana de provas, apenas para ver outra ser-lhe concedida. Após essas duas semanas de testes, o clube contactou os seus pais e prometeu-lhes que o seu filho seria uma estrela, entregando nas suas mãos a possibilidade de trazer Antoine definitivamente para o Real Sociedad. Era um sentimento agridoce contudo. O seu filho estaria longe, sem bilhete de regresso, mas com a oportunidade de cumprir os seus sonhos. Mas a resposta não poderia ser negativa.
A primeira temporada mostrou-se difícil: a dificuldade da língua, combinada com a distância de casa e dos seus pais, tornou a tarefa de jogar à bola mais difícil. Mas, através da ajuda do mesmo olheiro que o descobriu, que através de um acompanhamento paciente e diário, e da gentileza de trazer o jovem para viver na sua casa, onde poderia tornar a vida do jovem menos solitária, conseguiu potenciar a sua qualidade, e nas três épocas seguintes a sua qualidade evidenciou-se ao mais alto nível.
O resto é história. Depois de várias épocas a jogar pela equipa principal do clube Basco, transferiu-se para o gigante de Madrid, o Atlético, por um valor perto de 30 milhões de euros. A oportunidade que teve em jovem materializou-se naquilo que ele é hoje: um dos melhores atacantes mundiais. Os seus 1.76 não o impedem nem de saltar mais alto que os restantes, nem de marcar mais golos que 90 por cento dos avançados europeus. Já foi campeão mundial pelo seu país, já ganhou a Supertaça e a Liga Europa pelo Atlético, e já foi distinguido inúmeras vezes pela sua importância individual. Ainda lhe falta muito caminho para percorrer, e a sua qualidade ainda tem muito tempo para se exprimir.
Esta é só uma das provas de que todos os anos se perdem imensos jovens com qualidade. Os que vencem, mesmo contra diagnósticos pouco conhecedores, são história – Messi é só um dos maiores exemplos. Quantos mais serão precisos para se entender que o futebol é jogado com o cérebro? Nisso os espanhóis ainda nos ensinam. E é lá que os pequeninos têm mais espaço para crescer, é por isso que serão sempre, na minha modesta opinião, a maior potência futebolística mundial. O mundo só deve seguir o exemplo…