Em Portugal, são cada vez mais as entidades patronais que recorrem aos serviços das empresas de trabalho temporário, em vez de contratar diretamente os colaboradores e integrá-los no quadro, ao fim de dois anos de funções. A moda parece ter entrado no sistema laboral com o aumento dos call centers em todo o País.
Uma pesquisa académica realizada na Universidade do Minho de 2017 conclui que o trabalho temporário tem registado um aumento exponencial e um boom significativo do número de empresas a operar no setor. Dados recolhidos pela Pordata, portal estatístico da Fundação Francisco Manuel dos Santos, revelam que 22.3% da população portuguesa tem um contrato temporário, condição que mostra estar a cima da média global, que é 14.2%. Apesar de a definição não ser precisa e coesa para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o conceito é definido como “a situação em que uma empresa cede, a título oneroso e por tempo limitado, a outra empresa, a disponibilidade da força de trabalho de certo número de trabalhadores que ficam funcionalmente integrados na empresa utilizadora”.
A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) descreve esta forma laboral como “a relação de trabalho triangular em que uma entidade empregadora (ETT) contrata, renumera e exerce o poder disciplinar sobre um trabalhador (trabalhador temporário), colocando-o a prestar a sua atividade numa outra entidade (utilizador) que o recebe e exerce, de uma forma delegada, os poderes de autoridade e direção”.
A conceção de trabalho temporário surgiu nos Estados Unidos da América, nos anos 1920, para colmatar as necessidades de mão-de-obra. Hoje, esta modalidade é vista, entre os economistas, como um forma de criação de emprego, de competitividade e de flexibilização da gestão de recursos humanos, expandido a diversos setores de atividade e a diversos níveis de qualificação.
Para as entidades empregadoras, este sistema proporciona maior flexibilidade na gestão, pode permitir aumento da produtividade e da competitividade e diminuição de custos administrativos e de recrutamento. Luís Fiadeiro, especialista em direito do trabalho, afirma que, o legislador apurou mais a lei e está mais rigorosa atualmente para os trabalhadores. No entanto admite que há um uso excessivo destes vínculos por parte de algumas entidades patronais. “Existem alguns casos de empresas que estão a abusar deste campo, o que pode originar surpresas negativas. Neste caso, o trabalhador tem de ser eficaz e se necessário colocar a empresa em tribunal”.
O fenómeno dos call centers
O conceito de call center está bastante amplo e surge para dar resposta à necessidade do cliente. Uma central de atendimento, relacionada aos mais diversos serviços. Segundo o European Contact Center Benchmark 2014, a criação de call centers continua a crescer no velho continente sendo que, segundo o relatório, em toda a Europa trabalhavam 3.8 milhões de pessoas.
Os contratos provisórios podem ser vistos como o recurso a uma fonte externa, tendo sido assumido durante largos anos pelo legislador como uma possibilidade de desenvolvimento equilibrado da economia nacional. Rui Fortuna, também especialista em direito do trabalho, esclarece que “este tipo de modelo pode ter algumas vantagens, nomeadamente, a diminuição de custos e o aproveitamento do trabalho sem ampliação do quadro pessoal”.
A precariedade laboral tem estado no centro do debate público. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, no último trimestre de 2017, o peso dos contratos a prazo e falsos recibos verdes, no total dos empregados por conta de outrem, era precisamente o mesmo que no quarto trimestre de 2015, ou seja, 22,2%. Vale a pena recuar no tempo e olhar os dados do INE, numa perspetiva de longo prazo, para perceber como tem evoluído, no conjunto dos empregados por conta de outrem, o peso dos trabalhadores a termo e da prestação de serviços, que indicia falsos recibos verdes.
Desde 2011 que o peso dos trabalhadores por conta de outrem sem vínculo permanente se mantém entre os 20,3% e os 23,1%. O que remete para um dado estrutural da economia e uma característica no mercado português. A verdade é que a taxa de desemprego do 1º semestre de 2018 é de 7.9%. Segundo o relatório anual de 2015 da Análise do Setor do Trabalho Temporário, por cada trabalhador, são realizados quatro contratos de trabalho com duração media de 73 dias.
Rui Ventura, elo de ligação entre o trabalhador e a entidade patronal, afirma que “cada empresa recorre a várias empresas de trabalho temporário. Quando se aproxima dos dois anos, o trabalhador é despedido e contratado por outra empresa desta natureza, nunca ficando nos quadros da empresa”. O advogado Rui Fortuna confirma que “o contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações, não pode exceder o da duração da causa justificativa da sua celebração, nem, em qualquer caso, o limite de dois anos”. Como elo de comunicação entre o empregador e empresa contratante, cabe-lhe toda a gestão de contratos, nomeadamente realizar a folha de horas de cada empregado, bem como indicar as férias ou folgas e até dar seguimento ao ordenado.
Um estudo académico desenvolvido na Universidade de Lisboa, em 2017, concluiu que o trabalho temporário, em Portugal, tem sofrido um aumento, principalmente, pela procura de execução de trabalho. Luís Fiadeiro refere-se ao trabalho temporário em call center como sendo “infelizmente, um mal menor”. Como constata o especialista em direito do trabalho, “os jovens ou se debatem com o problema da precariedade laboral ou aceitam a situação. É uma mão cheia de nada, que leva as pessoas a aceitarem uma situação de precariedade, pois não têm mais nada. Não é bom, apenas um mal menor”.
As palavras do advogado confirmam o testemunho de Nuno Lopes, antigo trabalhador de uma empresa de trabalhado temporário.“Quando estava no último ano de faculdade, comecei a procurar um part-time que ajudasse com as propinas e despesas mensais. Um amigo da minha turma trabalhava no departamento comercial de um call center, perto da universidade, e entregou o meu currículo. Chamaram-me poucos dias depois para começar o processo de formação. Assinei um contrato que permitia à empresa renová-lo automaticamente de 15 em 15 dias ou terminá-lo, caso o comunicador não cumprisse os objetivos comerciais. Fiquei quase dois anos nessa empresa. Quando acabei o curso, passei para horário full-time, enquanto procurava trabalho na área em que me tinha licenciado”, conta.
Defesa dos trabalhadores
Luís Fiadeiro considera que “os trabalhadores estão devidamente defendidos. Tem consagração legal e tutela jurisdicional, ou seja, já estão devidamente acutelados na lei”. Em termos gerais, continua o advogado, “tem consagração tanto constitucional, na Constituição da República, quer a nível legislativo como na lei do Código do Trabalho. Penso que não sejam necessárias grandes alterações. Mais do que mudar, é preciso fazê-la cumprir”.
Os trabalhadores dispõem de vários meios para a sua defesa, como procedimentos cautelares, processo declarativo (comum ou especial) ou executivo. Como esclarece Luís Fiadeiro, “o contrato de trabalho temporário torna-se ilegal em várias situações, nomeadamente, quando não se justifica a razão de ser da sua formulação. Outro motivo pode ser a injustificação da sua celebração ou quando está ultrapassa o termo ou prazo na lei previstos”.
A taxa anual de rotatividade em 2016 chegou aos 30%. Segundo um estudo de contact centers, a percentagem média de colaboradores que é realocado para outras funções ou cargos dentro da empresa é de apenas 3%, o que não mostra a progressão individual do trabalhador.
João Cardoso, atual trabalhador de call center, contratado pela empresa de trabalho temporário vertente humana, descreve a sua situação contratual: “Neste momento, estou com um contrato a termo certo de três meses. Felizmente, há cerca de um ano e meio, consegui aproveitar uma melhoria contratual que me foi concedida devido aos meus bons resultados dentro da empresa. Está situação é rara dentro da empresa que nos contrata visto que a maioria das pessoas tem contrato a termo certo de 15 dias, renováveis automaticamente, em iguais período de tempo.”
Luís Fiadeiro deixa bem claro que os call centers não estão acima da lei. “Se por qualquer motivo não cumprem a lei, estão sujeitos à fiscalização das entidades oficiais e ao cumprimento das sanções que resultam da lei”.