No dia 21 de março de 2011, há exatamente 10 anos, nascia uma nova estação. Rádio Autónoma foi o nome de batismo, “Acabou o silêncio” foram as primeiras palavras proferidas neste nascimento.
“A Rádio Autónoma começou agora as emissões com gente dentro”, lia-se no post do blog da rádio que convidava para seguir a emissão on-line. Havia locutores, produtores, uma playlist, jingles de identificação da estação, podcasts, um estúdio recém equipado para emitir, outro para gravar, um software de automação, um stream, começava uma relação com editores e grupos independentes de músicos. Havia as coisas de que se fazem uma rádio.
Foi um dia de festa, mas a festa a sério seria depois, em maio, com uma emissão de rádio ao vivo, no pátio da universidade, dois concertos, de Mulher Homem e Capitão Fausto, e festa pela noite fora.
Concerto dos Capitão Fausto (esq.) e dos Mulher Homem (dir.)
Entrevista aos Mulher Homem (esq.) e emissão de rádio ao vivo (dir.)
Mas vamos lá voltar a esse dia primeiro o tal de 21 de março de 2011. Havia uma equipa de animadores, professores das cadeiras de rádio, técnicos do estúdio e alunos, tanto da licenciatura em Ciências da Comunicação como de um curso de especialização em rádio. Esta equipa garantia a animação de continuidade, com o recurso a uma playlist.
Ambiente no estúdio 3 do edifício da UAL Boavista
Já existiam cinco podcasts. “Lisboa Low Cost”, de Leonor Veiga, uma agenda cultural com ofertas a baixo custo; “Anita Vai Ao Mel”, de Kadji (Miguel Simões), uma hora com novidades musicais de vários estilos; “Volta Mais Rápida”, de Tiago Crispim, um programa sobre o mundo da Fórmula 1; “O Lado Negro”, de António Lima, uma hora de hard rock e heavy metal; “Soundcheck”, de Pedro Arnaut, meia hora em que se falava e se ouvia o que ia acontecer em Portugal no mundo da música. Nesse dia surgia mais um, “Vinil”, de João de Sousa, cinco minutos diários para recordar um disco.
A matriz e quem compõe esta rádio já estava definida. Sobretudo alunos da Universidade Autónoma, mas também outros amantes da rádio, gente não ligada à universidade. Outros alunos de outras universidades juntar-se-iam mais tarde, especialmente alunos de comunicação da Nova, da ESCSC e do ISCSP e até de escolas secundárias.
Nove meses antes
A Rádio Autónoma não nasceu de geração espontânea. Na verdade, o dia 21 março de 2011 foi apenas o afinar do modelo, a implementação das rotinas, trazer e coordenar gente, cimentar as relações com editoras, músicos e agentes culturais. É por isso que já existiam podcasts e uma playlist. A rádio tinha sido “concebida” 9 meses antes. O nome Rádio Autónoma foi usado pela primeira vez num stream on-line ininterrupto a 31 de maio de 2010. Foram 3 dias de emissão de rádio e televisão, numa espécie de trabalho final ao vivo de duas unidades curriculares da licenciatura em Ciências da Comunicação da Autónoma.
Ambiente no estúdio de emissão no edifício da Autónoma da rua da Boavista
A leitura no estúdio, ainda em papel, bem como a consulta aos jornais
De manhã à noite, os finalistas desse ano trabalharam por turnos, mantiveram uma emissão de rádio com animação de programas, noticiários, transmissão em direto de conferências, reportagens. Um último embate da prática. No semestre tinha sido aos poucos, em continuidade, agora ia ser ao vivo. O nervosismo e a excitação dos alunos eram evidentes, aumentava nos segundos antes de irem para o ar, tanto na rádio como na televisão. Houve enganos, hesitações, falhas técnicas, improvisos. Faz parte.
Toda a estrutura à volta desta emissão foi mantida e melhorada. Houve mais investimento técnico e tecnológico. Dedicámos um dos estúdios só para esta finalidade. O stream não mais seria desligado, até hoje.
A radiografia de 2017
São dez de uma rádio universitária peculiar: por um lado, um laboratório de experimentação para amantes da rádio, alunos e não alunos, por outro, um suporte para que os alunos das unidades curriculares de Atelier Rádio tenham um simulador real, uma estação de rádio funcional com uma frente (animação, podcasts, noticiários), mas também com os bastidores (editoras, músicos, fontes, produção, playlisting).
Em 2017, sete anos após o começo fizemos (Bruno Reis, João de Sousa, Tiago Crispim) uma “radiografia” ao trabalho feito. Quantos podcasts acolhemos e desenvolvemos? De que natureza? Quantos alunos acompanhámos? O que eles mais valorizaram? Vamos ver essa “radiografia”.
Foi com algum espanto que somámos 82 colaboradores, entre animadores e produtores de podcasts, nesses sete anos de vida, num total de 53 programas/podcasts. Estes 53 programas foram de géneros e formatos variados, mas curiosamente, descobrimos que estão em linha com os géneros e formatos mais produzidos pelas rádios universitárias espanholas (usámos a classificação mais comum nos estudos espanhóis, não encontrámos estudos sobre a realidade portuguesa).
Formato dos programas (2011-2017)
Género dos programas (2011-2017)
Mas quem foram os autores destes programas? Do total de 53 programas, 23 foram produzidos por alunos da licenciatura em Ciências da Comunicação da UAL, 5 dos quais como parte integrante das unidades curriculares de Atelier Rádio. Os restantes autores distribuem-se entre ex-alunos (4), professores e técnicos da rádio (9), alunos de outras licenciaturas (2), alunos de outras universidades (7), outros convidados fora do meio académico (8).
Focamos agora a nossa atenção nos alunos da licenciatura, os principais utilizadores da rádio. Do total de 40, 28 (75%) responderam a um inquérito sobre a sua participação na rádio. Da lista de competências dos programas das unidades curriculares de rádio, as competências que os alunos indicaram terem mais desenvolvido foram “locução” (28), “edição de áudio (22) e “capacidade de improviso” (21). Ainda com grande relevo surgem as “técnicas vocais” e “planificação de conteúdos” (ambas com 19), “edição de texto” (18), “captação de áudio” (17) e “redação (19).
Nesta “radiografia”, procurou-se também saber o que leva os alunos a aderirem ao projeto. Conclui-se que os alunos procuraram o projeto maioritariamente “porque é um meio que me apaixona” (17 respostas). Curiosamente, apenas 5 alunos disseram ter tido anteriormente experiência de rádio, o que indica que esta paixão não é prévia, foi construída no processo. “Porque podia experimentar ideias” (15) e “Queria construir portefólio” (13) foram as imediatamente as mais respondidas, o que indica uma forte apetência dos alunos para a criatividade/experimentalismo, mas igualmente para uma atividade utilitária, de objetivos pragmáticos para a progressão na carreira, manifestada na intensão de criar portefólio.
26 dos inquiridos declaram que a participação na Rádio Autónoma teve um impacto positivo nas suas vidas ou percurso académico. “Acabou por não definir um rumo para a minha vida, mas durante a minha passagem pela Autónoma, foi sem dúvida uma experiência tão valiosa como qualquer unidade curricular obrigatória (muitas vezes…mais ainda)”, respondeu um aluno, o que indicia o valor do projeto no percurso académico, assim como “Foi uma experiência que me ajudou a perceber a área que mais gostava no jornalismo”, mostra a importância que a praxis pode ter para os alunos definirem rumos em formações de banda larga como Ciências da Comunicação.
Por outro lado, ao ler respostas como “A Rádio Autónoma permitiu-me nascer enquanto profissional de rádio” ou “Grande importância, pois consegui construir uma base para o meu futuro” podemos perceber que em alguns alunos as implicações da participação no projeto foram profundas e positivas no âmbito profissional e pessoal.
Enfim, é por estas razões que o projeto Rádio Autónoma existe há 10 anos. Desenvolve competências técnicas e pessoais nos alunos envolvidos, oferece um suporte prático, próximo da realidade para o funcionamento de unidades curriculares, é uma incubadora de podcasts para amantes deste meio, quer eles sejam desta ou de outra universidade, ou até de fora do meio universitário.
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