Graças à criatividade de arquitetos e artistas plásticos portugueses, as 56 estações que se ramificam pela capital tornaram-se, em 70 anos de história, em muito mais do que um local de passagem ou de desânimo nas horas de ponta. A pluralidade artística do Metropolitano de Lisboa faz com que seja considerado um dos mais bonitos da Europa.
Lisboa amanhece num dia de sol, marcado pela escuridão. A luz que dá alma à cidade está agora carregada pelo vazio. No Largo do Rato, espaço de história e cultura, são poucos os que por ali passam. Portugal está mergulhado num novo confinamento e o largo outrora movimentado entre o trânsito e os empurrões tem hoje menos pessoas. Resistem aqueles que se apressam para apanhar o Metro.
Numa viagem curta que contou com a companhia de Francisco Simões e um encontro com Pedro Calapez, os dois artistas plásticos revisitam a sua obra, imaginando como seriam as próximas criações se o metro de Lisboa continuasse a crescer como uma tela branca e cheia de luz que rompe com a escuridão destes lugares de velocidade.
O sino da igreja junto à estação marca a hora do encontro com um dos artistas que dá forma e vida às estações do Metropolitano de Lisboa. A viagem começa pela estação terminal do Rato, de onde partem os primeiros comboios do dia. Inaugurada no âmbito do alargamento desta linha até à zona do Largo do Rato, no dia 29 de dezembro de 1997. A estação está localizada de forma a dar acesso ao Museu de História Natural e da Ciência, ao Jardim Botânico e ao Teatro da Cornucópia. Marcada pelo longo passeio de escadas que dão acesso à zona das bilheteiras, encontra-se Francisco Simões, escultor responsável por homenagear Maria Helena Vieira Silva e Arpad Szènés, os artistas que deram cor à estação do Rato. De forma emocionada, dirige-se às esculturas onde recorda o convite feito pelo metro. “Foi um prazer e uma alegria enorme porque conheci Vieira da Silva e Arpad Szènés com quem aprendi muito, sobretudo, em ética e estética”. Continuando o caminho até ao cais do terminal, o artista revela alguns pormenores da arte que se encontra nos topos da nave da estação. Um processo criado em 1997, por Manuel Cargaleiro, que transpôs para azulejo, as pinturas de Maria Helena Vieira da Silva e do seu marido Arpad Szènés.
Sem hora certa, ouve-se o barulho do comboio a chegar ao cais. Já dentro da carruagem com destino ao Campo Pequeno, Francisco Simões despede-se da estação do Rato com elogios. “É lindíssima”.
A escuridão dos túneis apaga agora a cor da arte reproduzida nas paredes das estações. Sem saber por onde se segue, é uma voz que ecoa a informação que a próxima estação tem correspondência à linha Azul, Marquês de Pombal. Aqui, enquanto entram e saem pessoas, lembra-se o passado, uma estação com mais de 60 anos inaugurada pelo Presidente da República Américo Tomás.
Marquês de Pombal: “a nova rotunda”
Intitulada como Rotunda até 1998, o Marquês de Pombal é uma estação onde se cruzam duas linhas: a Azul e a Amarela. O projeto original, inaugurado a 29 de dezembro de 1959, tem arquitetura de Francisco Keil do Amaral, Falcão e Cunha e pinturas de Maria Keil. A remodelação de 1995 esteve a cargo dos arquitetos João e José Santa-Rita e foi adornada pela obra dos escultores João Cutileiro e Charters de Almeida. As obras de melhoramentos pretendiam o alargamento dos cais de embarque e a construção de um espaço de ligação à nova estação, da linha Amarela, dando a origem à estação que conhecemos nos dias de hoje.
São mais de 70 anos de história, que se cruzam com o progresso da mobilidade em Lisboa e com a arte que dá cor, luz e humaniza a estações de metro. É assim desde o início. Quando abriu com 11 estações, o ainda pequeno e limitado metropolitano já se vestia com arte, neste caso, desde cedo com as intervenções de Maria Keil.
O Metro expandiu-se, renovou-se e trouxe ainda mais a arte para “debaixo da terra”. O progresso alargou-se a mais 56 estações e mais de 44 quilómetros de rede, que ganharam vida com a intervenção de figuras da arte nacional, como Maria Keil, Maria Helena Vieira da Silva, Júlio Pomar, Pedro Calapez, Siza Vieira ou Francisco Silva.
A mulher “de uma Lisboa pequena e limitada”
Prossegue-se viagem pela linha Amarela durante 10 minutos, como se o o artista fosse ao encontro da sua obra. Após um clarão de luz, vislumbram-se as figuras femininas esculpidas em pedra e que habitam eternamente este lugar de passagem. As portas abrem-se e a grandeza das esculturas fazem levantar a cabeça para alcançar o rosto das mulheres. Francisco Simões, artista que nos acompanha desde o Rato, olha agora para um dos seus mais “admiráveis” projetos. A estação do Campo Pequeno, inaugurada em 1959, ganhou vida anos depois com as obras do artista.
O retrato de uma outra Lisboa, “uma Lisboa pequena e limitada”, diz, era também o retrato “da mulher dos anos 30 e 40”. Em pedra, esculpiu mulheres do campo, varinas, lavadeiras, ciganas, aguadeiras, vendedoras e floristas. Senta-se à frente da varina, olha para a florista, que descreve como “a menina das tranças pretas com amores prefeitos à cabeça”. Francisco Simões recorda com emoção a experiência vivida com um casal de cegos. O artista conta como, através do toque, o casal interpretou a sua obra.
A arte pública desempenha, segundo o escultor, dois papéis importantes: “Primeiro, torna-se acessível a todos os cidadãos e, depois, quando uma pessoa chega ao fim do dia cansado, fatigado ou com mil e uma preocupações, mergulha num subterrâneo. Espera 5 ou 10 minutos e vê um túnel preto. Se a pessoa que está parada estiver a olhar para uma parede e escultura bonita começa logo a descomprimir.”
Quando uma estação de metro pode ser um livro de histórias
A viagem faz-se longa, da linha Amarela à linha Vermelha, em direção às Olaias. São cerca de 20 minutos de olhos postos em máscaras e mãos que se esfregam com fricção para impedir que um invisível vírus se propague.
Chegando à estação, saltam à vista os sumptuosos pilares de cor ocre que sustentam este espaço, forrado a azulejo de cores variadas, como se a transmitir vida e dinamismo a quem por ali passa. Junto às escadas rolantes, encontra-se Pedro Calapez, artista plástico português responsável pelo desenho intitulado “Livro da Selva”. O painel cerâmico foi construído em duas espessuras, característica que permite uma leitura em relevo. Está situado no átrio acessível a todos os olhos. “Foi um processo interessante para mim, porque foi a primeira vez que fiz algo assim”, refere. Inspirando-se na rotina frenética dos utentes do Metro, tenta representar “a selva que é a hora de ponta no metropolitano” e dar a entender aos mais atentos que o gigante painel é “um livro que se abre e conta uma história”. As linhas e o grafismo simples dão traço e forma a vegetais e a animais, uma fusão de elementos que o autor recria.
Olaias é uma das estações do Metropolitano de Lisboa que se situa entre as estações Alameda e Bela Vista, da linha Vermelha. Localizada na Avenida Engenheiro Arantes e Oliveira, é considerada uma das estações mais bonitas do mundo. A inauguração ocorreu a 19 de maio de 1998, juntamente com a estações Oriente, Chelas, Bela Vista e Alameda, visando o alargamento da rede à zona da Expo 98. O projeto arquitetónico é da autoria do arquiteto Tomás Taveira. Os artistas plásticos que presentearam a estação com a sua criatividade foram Pedro Cabrita Reis, Graça Pereira Coutinho, Pedro Calapez e Rui Sanches. Esta estação está equipada com vários elevadores e escadas rolantes de forma a poder servir passageiros com deficiências motoras.
Última paragem
A última paragem é a Estação da Alameda, uma encruzilhada onde há troca da linha Vermelha para a linha Verde ou vice-versa, mas também onde, num corredor largo composto por lojas, há o encontro de pessoas que têm destinos opostos. O projeto arquitetónico original é da autoria de Dinis Gomes com intervenções plásticas de Maria Keil. A 3 de março de 1998 dá-se por concluída a remodelação que visava prolongar o cais de embarque. O arquiteto responsável foi Manuel Tainha, acompanhado por intervenções plásticas do pintor Noronha da Costa.
É conhecida pelo cheiro inconfundível do pão tostado e de tomate em molho, que leva a qualquer um a uma viagem fora de Lisboa, sendo também esse o traço cosmopolita que representa o metropolitano. Sentado à frente da parede revestida de azulejo, um dos muitos utentes presentes está vidrado no retângulo luminoso. Paula Fragoso, dona de uma mercearia que se encontra na superfície do metro, confessa que desconhece o nome dos artistas que lhe embelezam o espaço onde trabalha: “Sinceramente, não tenho conhecimento do autor desta obra. No entanto, é bastante bonita.” Atualmente de máscara e com cuidados redobrados, a comerciante frequenta o metro diariamente no seu trajeto casa-trabalho. O seu sentido prático leva-a a desvalorizar este mundo que lhe parece ser de ostentação: “Entendo a importância de a arte estar acessível a todos, mas acho que o dinheiro investido poderia ser utilizado para um melhor funcionamento do metro.”
Arte a um “metro” de si
A arte no metro em Lisboa funciona hoje como uma galeria aberta a todo o público, democratizando o que durante séculos só esteve acessível para as elites. As representações artísticas presentes nas diversas estações de metro tentam levar até aos cidadãos comuns uma lufada de ar fresco para que encarem o seu dia a dia com outra disposição.
As obras de arte no metropolitano são também uma representação da cidade cosmopolita e do espírito da portugalidade. Numa altura em que o metro continua às voltas com a ideia de metro circular, poderão surgir também hipóteses de representar, em futuras estações, outras peças de arte. Desafiado a representar Portugal numa das novas estações, Francisco Simões, artista plástico que nos acompanhou em parte da viagem, não hesita em expressar a sua criatividade: “Fazia três pilares. Um pilar onde começava com a junção dos visigodos, dos fenícios, dos lusitanos a caracterizar a matriz da nossa génese da nossa origem. Depois, criava um pilar onde ia representar a história com um personagem que me fascina, o Infante D. Henrique, o homem que fez a escola da navegação, a escola que descobriu o mundo. Por fim, o último pilar era Camões, pois é o símbolo da nossa sabedoria, da nossa poética e da nossa forma de amar. Somos magníficos.”
Em sete décadas e com desconfiança inicial, o metro cresceu por quase 50 quilómetros de túnel, alterando a forma como se circula em Lisboa e os hábitos de quem vive na azáfama da capital. De baixo da cidade das sete colinas desafiou leis da física rompendo terras e rios, mas transporta para o escuro da subterra, a luz e a arte de um país. O Metropolitano de Lisboa foi-se renovando e integrando a ideia de humanização dentro das suas instalações, criando assim telas em branco para os artistas exporem o seu sentido de subjetividade.