Boarding Gate é uma rubrica onde destacamos desportistas portugueses espalhados pelo mundo. O convidado desta semana é Ricardo Chéu, treinador de futebol que representa o FK Senica, da Eslováquia.
Nascido no seio de uma família do interior do país (Vila Nova de Foz Côa), onde o futebol tem pouca expressão nacional, Ricardo Chéu desde cedo gostou da modalidade. Motivado pelos seus irmãos e pelo seu ídolo, o seu pai, Ricardo decidiu entrar na Universidade de Desporto para ser treinador. A época 2008/2009 marca o início da sua carreira ao mais alto nível, tendo sido preparador físico do Olhanense, integrando a equipa técnica de Jorge Costa. Passou ainda, como treinador-adjunto, pela Académica de Coimbra, Santa Clara e Feirense. A sua carreira como treinador principal começou no Mirandela, em 2013/2014, e rapidamente chegou ao Académico de Viseu. Depois de uma experiência curta no Penafiel (na Primeira Liga), em 2014/2015, seguiu-se o regresso ao clube de Viseu. Orientou ainda o Freamunde e o União da Madeira, até decidir sair do país, primeiro para Itália. Atualmente, com 38 anos, representa as cores do FK Senica, da Eslováquia.
Porta de embarque
Com razões bastante objetivas, o técnico português assume que o fator financeiro teve um peso grande na sua saída para o estrangeiro. Para além disso, denuncia uma situação que nos devia de preocupar e que merece uma reflexão: “qualquer trabalhador/treinador tem o direito de receber os seus salários, algo que não aconteceu nas duas últimas temporadas, em que, nas equipas que treinei, existiram grandes dificuldades económicas… uma realidade dura para quem trabalha arduamente para pagar as suas contas”. O desejo de treinar fora de Portugal também se tornou importante na sua decisão, aceitando inicialmente o projeto vindo de Itália. “Surgiu o Rieti, um clube que militava na série C italiana. As pessoas estão longe de imaginar a realidade do futebol italiano, na chamada 3ªdivisão: existem equipas com orçamentos de 12 milhões de euros por época! Nessa mesma competição, jogámos com equipas como o Catânia, Regina, Juve Stabia, estádios sempre com médias superiores a 8000 pessoas por jogo”.
Cultura
Não tendo sentido um grande impacto cultural, Ricardo adianta que houve um fator que o incomodou bastante – o frio (temperaturas que rondam os 14º negativos). “Culturalmente, não senti grandes diferenças. É um país humilde e trabalhador, de pessoas que se respeitam e que são muito educadas”, explica. Movido pela paixão de fazer o que gosta, o português acrescenta ainda que, apesar de ter um plantel com muitas nacionalidades, o inglês é a língua oficial dentro do grupo, o que facilita ainda mais todo o processo.
Momento mais marcante
Confrontado com a escolha do momento mais marcante em terras eslovacas, Ricardo Chéu não hesitou ao revelar, não um momento, mas sim uma mentalidade desportiva diferente: “o respeito pelo treinador… não me recordo de ter sido insultado, ou mesmo os meus jogadores serem insultados em campos adversários. É cultural o aceitar que estamos a fazer o nosso trabalho, que somos profissionais, algo impensável em Portugal, onde dar indicações aos nossos jogadores dá sempre direito ao insulto”.
Diferenças do desporto em Portugal
Comparando o futebol português com o futebol eslovaco, o mister refere que, no que toca ao estilo de jogo, o futebol eslovaco é mais agressivo e menos técnico do que em Portugal, contudo acrescenta que existem muitos jogadores que jogariam em equipas portuguesas, alguns nos “clubes grandes” nacionais, reconhecendo a enorme potencialidade do futebol da Eslováquia, aliada à boa mentalidade do povo eslovaco. Por essas razões, a modalidade está em crescimento, com cada vez mais público. “Os estádios são quase todos eles novos e com excelentes relvados”, afirma Ricardo Chéu.
No que diz respeito ao futebol nacional, o mesmo confessa-se triste e desapontado. “O futebol português está a atravessar uma fase muito negativa. O jogo deixou de ser valorizado pelo adepto e passou a ser mais importante a opinião do comentador ou personalidades ligadas ao desporto”, argumenta o treinador.
Abordando um possível regresso a Portugal, o técnico português deixa a questão no ar, apesar de assumir o desejo de voltar aos relvados lusitanos. “Para mim, o mais importante é a minha família e quero o melhor para ela, por isso tem de ser uma decisão ponderada em todos os aspetos. Mas claro que gostaria de voltar ao meu país… dependeria muito das seguranças económicas que tivesse para fazer um bom trabalho”, finaliza.