Em Portugal, cerca de 80% do orçamento investido nos incêndios é gasto em combate. A prevenção das florestas é cada vez mais urgente e a tecnologia surge como solução. Foram criados sistemas de monitorização, plataformas online e até ninhos de pássaros inteligentes, mas a falta de cooperação das entidades florestais tem dificultado a implantação dos projetos.
Muitos incêndios. Pouca prevenção. São as frases que melhor descrevem o cenário que assolou o país no verão de 2017. Nos últimos anos, o orçamento despendido no combate tem sido bastante superior ao orçamento investido na prevenção. Portugal gasta cerca de seis vezes mais a resolver um incêndio do que a preveni-lo. No ano passado, os fogos causaram um prejuízo de mil milhões de euros. A prevenção custa, por ano, 165 milhões de euros, segundo os dados da Associação Quercus. De modo a inverter a situação, é necessário apostar na prevenção para que as consequências ecológicas, económicas e sociais dos incêndios sejam evitadas.
Embora atrasado no que toca às medidas de prevenção, Portugal tem-se defrontado com alternativas tecnológicas que ajudam na resolução do problema. Os portugueses deitaram “mãos à obra” e, até agora, foram criados sistemas de monitorização, aplicações e sites para integrar a tecnologia no mundo dos fogos. No entanto, a dúvida face aos novos sistemas tecnológicos e o difícil investimento por parte das entidades florestais têm resultado num obstáculo para as empresas que confiaram na tecnologia como solução para a prevenção e combate dos incêndios.
O ninho de pássaros inteligente
Fundada por Luís Correia, Nuno Correia e Bruno Amaral, a OOZ Labs criou o projeto SparroWatch: um ninho de pássaros inteligente com a função de ajudar na prevenção dos incêndios. Em 2015, as florestas portuguesas arderam três vezes mais do que nos anos anteriores e a equipa sentiu necessidade de agir. “Nos últimos dois anos, houve vários incêndios que nos chamaram à atenção e essa foi a razão principal para o nascimento do projeto”, justifica Luís Correia.
Nesse mesmo ano, surgiu um novo tipo de componente (o NodeMCU) que a equipa tinha curiosidade em experimentar. A urgência em ajudar na prevenção dos fogos e a vontade de implementar um conjunto de nodes tornaram-se os catalisadores para a criação da rede. Luís Correia admite que “depois de se acrescentarem os sensores ao projeto, foi um passo até se ‘esconder’ a eletrónica nos ninhos de pássaros”.
São construídos em madeira e incluem um pequeno painel solar no telhado para os sustentar. Os abrigos de pássaros formam uma rede Wi-fi que permite não só comunicarem entre si como também possibilita o envio de informações para o sistema central. Luís Correia sublinha: “O projeto podia perfeitamente ter sido implementado sem os ninhos de pássaros. Mas faz sentido que tenha sido realizado assim.” Na verdade, uma vez incorporado nos ninhos dos pássaros, o SparroWatch contribui também para a observação e proteção dos animais.
A temperatura e a humidade foram, inicialmente, os indicadores que a equipa considerou mais favoráveis às medições de prevenção de incêndios. Os painéis contam ainda com a deteção de substâncias como o C02, que facilmente identificam o começo de um fogo. Se um ninho assinalar níveis diferentes do normal, é enviado um sinal às restantes “casinhas” e a informação chega ao sistema central.
Luís Correia afirma que “o propósito do projeto é, mais do que detetar um incêndio, fazer a prevenção e limpeza das florestas. Com os dados provenientes do sistema central, as equipas de proteção florestal e as entidades responsáveis pelas florestas sabem onde a limpeza deve ser feita e, de uma forma simples, o incêndio é evitado”.
A OOZ Labs não se define como uma empresa, mas sim como um grupo de amigos que se juntou e criou uma iniciativa vantajosa para a prevenção dos incêndios. A equipa foi desafiada a apresentar o projeto na Make Faire 2016, uma feira que reúne diversos entusiastas e os seus projetos criativos e invenções. No entanto, a falta de estrutura da equipa dificultou a implantação do projeto, na prática.
O fundador da OOZ Labs explica: “Foi um projeto interessante que ganhou uma proporção maior do que esperávamos, mas cada um tem o seu trabalho e vida pessoal.” Luís Correia confessa ainda que o grupo de amigos gostava que, um dia, alguém pudesse investir no projeto com ou sem a ajuda dos criadores. Além disso, as informações para colocar o SparroWatch na prática estão todas disponíveis no site da equipa. “Nós oferecemos o apoio necessário a quem queira colocá-lo na prática”, assegura Luís Correia.
A OOZ Labs continua a promover o projeto, mas de uma forma reativa e ocasional. “Por vezes, divulgamos a iniciativa através dos nossos blogues, caso surja alguma notícia digna de comunicar”, refere Luís Correia. O elemento da equipa confessa que seria “gratificante ver implementado o projeto piloto para entender até que ponto é prático e útil para a prevenção dos incêndios”. O grupo de amigos ainda não perdeu a esperança: um dia espera ver o projeto ganhar vida.
A monitorização dos incêndios
Em Portugal, a tecnologia tem vindo a superar as expectativas. A FlicksSystems, uma start-up portuguesa que desenvolveu o sistema de monitorização de incêndios, não fugiu à regra. O projeto desenvolvido pela empresa permite a deteção rápida de fogos, nos primeiros instantes e não só. A inovação do sistema centra-se no acompanhamento do desenvolvimento do fogo facilitando, assim, o trabalho de milhares de bombeiros.
Criada por Sérgio Tavares e Bruno Teixeira, a FlicksSystems dedica-se ao desenvolvimento e ao fornecimento de sistemas avançados de monitorização ambiental. Embora aposte também noutros projetos de monitorização, nomeadamente no sector agrícola, a empresa tem-se dedicado à recolha de dados das condições florestais, em tempo-real, de modo a optimizar a prevenção e a desenvolver inventários florestais. Desta forma, é não só possível detetar o deflagrar de um incêndio, como também acompanhar a sua evolução.
Na prática, o sistema é composto por um conjunto de sensores, conectados entre si. Cada dispositivo é instalado em infraestruturas existentes nas florestas. Os sensores são ligados a uma central onde são disponibilizadas informações como a localização e o estado do incêndio.
No entanto, tal como a OOZ Labs, a FlicksSystems confronta-se com a questão do financiamento do projeto. Até à altura o investimento envolvido foi suportado pelos dois fundadores da empresa. No entanto, a implementação da iniciativa no terreno, requer um investimento de cerca de 50 mil euros, que só é possível com a ajuda de um parceiro.
Além da falta de estrutura por parte de uma empresa, o outro fator que leva ao esquecimento dos atuais sistemas tecnológicos é o próprio funcionamento das entidades florestais. “A principal dificuldade com que nos temos deparado na aplicação dos sistemas tecnológicos é a falta de abertura por parte das entidades ligadas à prevenção de incêndios, em explorar novos conceitos tecnológicos”, confessa Sérgio Tavares. Uma das razões que leva a essa fraca recetividade, segundo o fundador da FlicksSystems, é a pouca organização e cooperação entre as entidades. “Chega mesmo a ser difícil entender quem são os responsáveis e os possíveis utilizadores dos nossos sistemas.”
Sérgio Tavares defende ainda que a criação de plataformas de teste e unidades piloto para a investigação das diferentes tecnologias seria a solução para, neste momento, existir uma gestão mais rigorosa do risco de incêndio. “Grande parte dos projetos necessita de cooperação e de abertura das entidades. Sem essa cooperação, torna-se difícil materializar as ideias”, reconhece o empreendedor.
Mesmo apesar da dificuldade de financiamento, a FlicksSystems, com o projeto de monitorização de incêndios, ganhou o 1º Prémio na Competição Europeia da Junior Achivement no Europe Enterprise Challenge, em Espanha, tendo sido considerada a Start-Up do ano. E não só. A empresa conquistou ainda o prémio de inovação da Intel (Intel Innovation Award), em Madrid. “Nessa altura, a FlicksSystems foi também semifinalista do concurso internacional da Intel, em Berkeley, na Califórnia”, orgulha-se Sérgio Tavares.
O sucesso da tecnologia: o projeto Fogos.pt
Embora se torne cada vez mais uma ferramenta eficaz na prevenção dos incêndios, a tecnologia é um meio caro para investir e, com uma estrutura frágil, dificilmente se tem sucesso em Portugal.
O projeto de João Pina não caiu no erro. O site Fogos.pt nasceu há dois anos, a partir de uma conversa entre o autor da plataforma e um grupo de amigos bombeiros, que se queixava do antigo método de informação das ocorrências dos incêndios. O método consistia num PDF disponibilizado que não permitia recorrer à informação de uma forma rápida e descomplicada e que apenas atrasava o trabalho dos bombeiros. João Pina acredita que “um dos problemas da prevenção dos incêndios em Portugal é a falha que existe no intervalo de tempo entre as ocorrências dos incêndios e a atualização da informação disponível”.
Atualizada de 10 em 10 minutos e com a ajuda da Autoridade Nacional da Protecção Civil, a plataforma foi um meio essencial para a disponibilização de informação, em tempo real, das ocorrências dos incêndios. Quando o incêndio de Pedrógão Grande deflagrou, João Pina conta que aderiram à plataforma milhares de utilizadores com urgência em acompanhar os incêndios. Cerca de dez mil pessoas utilizaram o site nos dias dos grandes incêndios, sobretudo, famílias afetadas pelos fogos, bombeiros e até comandantes operacionais.
Entre as várias informações concedidas pelo site, a localização, a hora de início e o estado do incêndio são os destaques da página. O estado das ocorrências é definido por diferentes cores que permitem identificar a gravidade do incêndio. Além disso, é também possível, através do site, identificar os meios humanos, aéreos e terrestres que se deslocaram entretanto para o local, pelo que, para quem pretenda contribuir para a resolução do incêndio, esta se revela uma informação útil.
No fim-de-semana do incêndio em Pedrógão Grande, os milhares de acessos simultâneos ultrapassaram os limites de page views do site. A tecnologia não esteve a favor de João Pina nesta altura. Quanto maior fosse o número de pessoas a aderir ao site, maior o número de solicitações à Google e mais depressa seria atingido o limite da quota do Fogos.pt. “Nesse dia, tive de apelar às pessoas através do Twitter para disponibilizarem acessos através das suas contas”, admite João Pina, confessando, ao mesmo tempo, não ter tido alternativa. O apelo do freelancer propagou-se pela Internet e centenas de pessoas cederam os acessos necessários ao site.
João Pina faz a gestão do Fogos.pt apenas como hobbie. No entanto, em dois dias críticos para o país, ajudou cerca de 400 mil pessoas. Recentemente, o serviço ficou disponível para aplicação de smartphone. Assim, a qualquer hora e em qualquer lugar, os utilizadores do site podem ser notificados com alertas, caso esteja a deflagrar um incêndio em determinado distrito. No futuro, o autor espera implementar novas funções no site que contribuam, cada vez mais, para a prevenção dos incêndios. “Temos de conseguir absorver o impacto tecnológico nas nossas vidas e sermos capazes de nos adaptar às características que a tecnologia implementou na nossa sociedade”, remata João Pina.