Na temporada de futebol 2017/2018 foram registados, só em Portugal, 2394 casos de violência (sendo que existiu um total de 2578 ocorrências, mostrando a relevância do futebol nestes dados). Na época transata, o saldo tinha sido de 2960 (segundo o jornal “O JOGO”).
“A violência tem raízes sociais profundas, emergindo habitualmente de grupos com sinais de carência cultural e económica profundas”, refere Luís Paulo Relógio, especialista em Gestão do Desporto. O também advogado e docente universitário acrescenta que “as massas tendem a sublimar as suas carências e anseios nas ‘lutas’ desportivas, aderindo a uma entidade – clube – com a qual se identificam e transformam cada combate numa luta pessoal”. Com a crescente cobertura que estes fenómenos têm nos meios de comunicação social, a violência no futebol começa a ser uma preocupação tanto para adeptos como para responsáveis pela modalidade.
O termo hooligan ascendeu e estes começaram a tomar conta do desporto e a dirigir-se aos recintos apenas com o intuito de criar conflitos. Segundo Mariana Jadaugy, 20 anos, elemento assíduo da claque do Sporting Clube de Portugal, estes conflitos “podem acontecer pelo facto de esses grupos de adeptos irem ao encontro de outros com os quais já tenham tido conflitos no passado”. A jovem adepta reforça ainda que “hoje em dia, existe uma dinâmica algo violenta ligada ao futebol, e aqui falamos tanto de violência física como psicológica/verbal”. Estes hooligans (ou vândalos, no português) são caraterizados, por norma, pelas suas condutas violentas que, na maioria das vezes, não têm qualquer explicação: procuram destruição, caos e causar o pânico. Destroem carros, procuram alvos inocentes nas ruas e vandalizam casas desportivas dos clubes adversários. Nuno Leitão, 21 anos, sócio do Sport Lisboa e Benfica e com presença frequente nas claques, sublinha que “este tipo de atos surgem de grupos de adeptos sem qualquer objetivo”, reforçando que “o futebol não tem de ser feito de inimigos mas sim de rivalidades”.
Os verdadeiros culpados
Um dos assuntos mais falados em praça pública continua, inevitavelmente, a ser o futebol. A cada café, a cada esquina ou a cada banco de jardim encontramos alguém com disposição para passar uma tarde a falar sobre o desporto rei. Até que ponto será o facto de toda a gente poder dizer o que acha um problema para estimular a violência diretamente relacionada a este desporto? E por que é que o adepto português não aceita as derrotas do seu clube? Luís Paulo Relógio é da opinião que “a cultura desportiva portuguesa centra-se na paixão clubística muito para além do desejo da excelência desportiva. O adepto lusitano quer a vitória do seu clube a qualquer custo. Mesmo que jogue pior e que o resultado seja adulterado, o que interessa é a vitória. É algo semelhante à sede de sangue com que os cidadãos romanos acorriam aos circos para assistirem às lutas de gladiadores ou ao lançamento dos condenados aos leões e aos tigres”.
Outros dos principais visados por estes problemas são os comentadores desportivos, que cada vez mais aparecem em programas televisivos: “O clima de violência no futebol começa a ter cada vez mais culpados, desde dirigentes, jornalistas a comentadores desportivos. Hoje em dia, um comentador não comenta o jogo, mas sim as polémicas. Isso faz com que, desde logo, os adeptos fomentem cada vez mais o ódio pelos clubes/adeptos rivais”, argumenta Nuno Leitão.
A força das claques
As claques ganharam mais peso com o decorrer dos anos e, atualmente, apresentam-se como sendo uma das grandes bases para o sucesso e o acompanhamento de uma equipa. Ouve-se frequentemente o slogan “vocês dentro de campo, nós do lado de fora”. Os jogadores reconhecem, cada vez mais, a importância destes grupos, chegando várias vezes durante os jogos a pedir o apoio necessário. Daniel Almeida, 20 anos, que já acompanhou em diversas ocasiões a claque do Futebol Clube do Porto, refere que “quando as pessoas são da mesma claque, estão todas lá para o mesmo. Conflitos em situações destas só se podem justificar por alguma rivalidade de ideias entre o núcleo central da maioria e o grupo visado em minoria”. Porém, as claques acabam também por ser problemáticas, na medida em que implicam algumas atividades ilegais: “Eu própria já assisti a certas ilegalidades que têm sempre a ver com negócios internos das claques. São coisas muito difíceis de controlar pois são feitas com muita cautela”, constata Mariana.
Efeitos nos jogadores
Quem vive o desporto do lado de fora deduz que aqueles que o praticam acabam por desenvolver estratégias para não serem influenciados por aquilo que acontece no exterior. As opiniões dividem-se, mas a verdade é que cada jogador é um ser humano e, em certa parte, todos acabam por ser afetados: “A instabilidade é sentida. O ambiente transmite isso aos jogadores. O facto de estes estarem cada vez mais distantes do jogo e mais dentro das redes sociais perturba-os mentalmente”, sublinha Daniel Almeida.
Os jogadores sabem bem, na maioria das vezes, aquilo a que estão sujeitos, o que faz com que, em alguns casos, tanto a pressão externa como interna acabem por ser um pouco ignoradas: “Julgo que [os jogadores] estão um pouco imunes. Porém, começam a observar-se mais manifestações de desagrado por parte dos mesmos. Em bom rigor, a degradação da imagem do futebol afeta ou afetará o êxito profissional deles”, observa José Manuel Pereira, especialista em Gestão do Desporto e licenciado em Educação Física. Nuno Leitão, na mesma linha, refere que “o jogador de hoje em dia tem que ter uma grande capacidade psicológica e provavelmente esse tipo de conflitos não os afetam. São coisas que não chegam ao balneário”.
A adesão aos grandes eventos
Com a aproximação do Mundial de Futebol de 2018 ou dos Jogos Olímpicos de 2020, é impossível não recorrer aos grandes eventos de forma a relembrar situações lamentáveis de violência. Vale a pena recuar até ao Europeu de 2016 para observar cenários negros de rixas entre adeptos ingleses e russos. Numa reportagem emitida em fevereiro de 2017 pela BBC-2, estes últimos já prometeram mais disputas e fizeram ver que os confrontos ainda não acabaram, prometendo um “festival de violência”. Até que ponto uma experiência destas pode ser estragada por estes hooligans? “Por enquanto, penso que os grandes eventos desportivos não são afetados. No futuro, são coisas que podem vir a acontecer, até com o fenómeno do terrorismo em voga”, completa Nuno Leitão. Até à altura do Europeu de 2016, não eram conhecidos muitos registos de confrontos em grandes eventos desportivos. José Manuel Pereira defende que “os grandes eventos constituem uma polaridade própria. Porém, constantes episódios de violência podem de facto afastar os espectadores diretos”. Mas nada parece travar estes grandes espectáculos: os bilhetes continuam a ser vendidos, as pessoas mantêm-se interessadas e as organizações, apesar de assustadas, tentam proporcionar a melhor experiência possível às massas. Luís Paulo Relógio remata que “os Jogos Olímpicos ou os Mundiais de Futebol são os maiores espectáculos desportivos do planeta, pelo que a afluência é de tal modo substancial que os outros fenómenos nunca os poderão afetar”. Facto é: a 12 de março do presente ano, já tinham sido vendidos 1,3 milhões de ingressos para o Campeonato do Mundo, e a procura parece continuar. Será a violência capaz de paralisar o futebol?
Com a aproximação do Mundial de Futebol de 2018, as preocupações quanto à violência na modalidade continuam. Avizinham-se confrontos entre adeptos, culturas e países. O terrorismo é um fenómeno que continua ativo e parece não querer parar: entre muitos eventos, o Mundial já foi marcado como alvo dos próximos ataques e até divulgado como tal pelos próprios terroristas. A organização está preocupada, mas nem por isso os adeptos deixam de esgotar os bilhetes para poderem desfrutar de uma experiência inesquecível.