Mudanças económicas globais e na cultura do trabalho em Portugal, somadas à subida galopante do custo de vida e aos crónicos salários baixos, trouxeram uma novidade que, afinal, de novidade nada tem: os portugueses estão outras vez a emigrar.
A mala já está feita e a porta já se fechou. O caminho até o aeroporto é longo, mas não existe outra opção. O check-in é sinónimo de despedida e as lágrimas escorrem no rosto das famílias que desconhecem a data de regresso. O avião descola e começa uma jornada na vida de muitos portugueses que se veem forçados a abandonar o seu país de origem em busca de mais oportunidades.
A emigraçāo é quase uma tradiçāo em Portugal. Com cerca de 22% da populaçāo, segundo o relatório de Observaçāo das Nações Unidas, Portugal é o segundo país europeu com a maior taxa de emigraçāo. Estima-se também que, anualmente mais de 110 mil portugueses saem para fora do país.
Desvalorizaçāo dos profissionais
Vítor Casanova, 50 anos, residente no litoral alentejano e empreiteiro de profissāo, revela que “em cinco meses de trabalho lá fora ganho um ano de trabalho em Portugal”. O fator económico é um dos principais motivos que levam a ocorrência deste “fenómeno” que é a emigraçāo. A falta de emprego, as condições quase precárias oferecidas e a desvalorizaçāo da māo de obra têm contribuído para o aumento desta taxa.
Vítor começou a sua jornada internacional em 1995 e, desde entāo, nunca mais parou. Enumera a lista dos países onde já trabalhou, “em Espanha, França, Holanda, Noruega, Bélgica, Alemanha, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Argélia e Marrocos”, admitindo que estar fora do “nosso” país é complicado emocionalmente mas que gosta das diferenças culturais dos outros países por onde tem passado.
“Portugal tem uma das melhores māos de obra do mundo”, declara. Sente que as empresas internacionais valorizam mais os portugueses do que propriamente as nacionais. Fazendo trabalhos temporários de quatro a cinco semanas, Vítor Casanova caracteriza as empresas que apostam nos portugueses como “angariadores de carne humana”.
À procura de mais
Um dos motivos pelos quais muitos portugueses abandonam o seu país é a procura de projetos mais ambiciosos, coisa que muitos nāo conseguem encontrar em Portugal. Rui Gouveia, Engenheiro Civil de 62 anos, nasceu em Angola e lá permaneceu até aos seus 20 anos, onde concluiu o ensino secundário e o primeiro ano da universidade, vindo para Portugal em 1975 depois da Revoluçāo.
Em 2008, recebeu uma proposta por parte da empresa onde trabalhava em Portugal, surgindo a oportunidade de abrir uma filial da empresa em Angola. Esse projeto, bastante ambicioso, foi o fator decisivo para a sua ida. Rui admite que na altura em que lhe foi proposto já se sentia português e, portanto, afirma que “ninguém gosta de sair do seu habitat” e que as pessoas que vāo trabalhar para fora têm, quase na totalidade, o intuito de voltar. “ O que me fez ir para Angola foi a pressāo por parte da administraçāo”, declara. Além da ambiçāo do projeto, o conhecimento da cultura angolana e das suas pessoas, levou a administraçāo da empresa de Rui a exercer pressāo sobre o mesmo para aceitar o cargo.
Com a globalizaçāo que existe no século XXI “é muito fácil em meia-dúzia de horas uma empresa internacional adquirir outra, coisa que há 20 anos nāo acontecia com tanta frequência. Antigamente, dizer-se que trabalhava nos CTT ou num banco era sinal de segurança, pois era improvável haver ondas de despedimentos, afetando milhares de pessoas, coisa que hoje já acontece”, afirma Rui Gouveia. “Numa manhā, podes estar sentado à secretaria e à tarde podes já nāo ir trabalhar”, isto é o que acontece em algumas empresas que sāo adquiridas por outras. “Como foi o caso da empresa da Rosário, a minha esposa”, revela.
Outro fator que contribui para a taxa de emigraçāo em Portugal é o fato de este país ser o mais ocidental da Europa, entre Espanha e o mar. Isso eleva o desejo de explorar diferentes culturas, a procura de maior formaçāo, nāo disponível no país, desenvolvimento de projetos, enriquecimento profissional, entre outros… Motivos estes que fazem com que os portugueses, na sua maioria, emigrem em direçāo ao centro da Europa.
O amor pelo país de origem
“A nossa comida, o sol, as praias e a nossa gente…Não trocava Portugal por outro país, seria um sacrifício. Se tivesse realmente de o fazer até à altura da reforma optaria pelos países nórdicos, depois disso seria em Espanha, por ser muito semelhante a Portugal”, destaca Vítor Casanova quando descreve o seu país. Características estas partilhadas por grande parte dos portugueses emigrantes que anseiam pela oportunidade de um dia poderem voltar, com estabilidade, a Portugal.
“Quero trabalhar mais dois ou três anos e depois estabilizar em Portugal. Arranjar um trabalho que dê para pagar pelo menos as contas. Neste momento, estou de férias mas para a semana vou para a Alemanha umas semanas e depois vou até à Dinamarca”, revela Vítor. O português caracteriza-se por um patriotismo assumido o que torna a decisão de abandonar o país bastante difícil para ele, mas considera-a inevitável. Rui Gouveia demonstra esperança ao afirmar: “tenho esperança que Portugal possa vir a ter condições para que esta emigraçāo nāo seja tāo grande. A taxa de desemprego tem vindo a baixar, contudo, nāo é fácil para uma pessoa com grandes ambições conseguir manter-se em Portugal”.
“O fator decisivo para ter ido trabalhar para o estrangeiro foi a oportunidade de dar maior qualidade de vida à minha família, apesar de muitas vezes o desejo de largar tudo e voltar fosse grande. Nāo o fiz, porque eles estavam a contar comigo e com o dinheiro que eu iria trazer para casa”, afirma Carlos Serrāo, de 46 anos, técnico de manutençāo. Este sentimento é também partilhado por Rui Gouveia que revela muitas vezes ter pensado que, “se pudesse, fazia as malas e ia já embora. Estou farto disto!”
“É difícil viver em Portugal com uma boa qualidade de vida. Nos dias de hoje, Portugal é um país para os turistas e nāo para quem cá vive. Os preços aumentam e os salários continuam os mesmos e, em alguns casos, até baixam. Depois vemos-nos obrigados a ir trabalhar para o estrangeiro se quisermos oferecer às nossas famílias condições superiores àquelas que conseguiríamos em Portugal. É triste que isto aconteça. Eu, por exemplo, fui e voltei. Muitas famílias, infelizmente, têm de se mudar em definitivo, acabando por lá ficar. E é assim que vamos perdendo os nossos”, desabafa Carlos Serrāo.