Esforço é provavelmente a palavra que melhor descreve o percurso pessoal e profissional de Jean Philippe Rosier. Aos 33 anos, confessa nunca ter pensado chegar onde chegou. Licenciado em Publicidade, é sócio da maior escola de atividades criativas da América Latina, a Perestroika.
Em entrevista na Universidade Autónoma de Lisboa, após uma palestra para alunos de Comunicação, o franco-brasileiro fala de educação num dos países com mais analfabetos do Mundo: o Brasil.
A sua infância foi especial. Nasceu no Brasil, mas aos 4 anos foi viver para França e teve de aprender a falar francês quando ainda mal sabia falar português. Aparentemente, sempre teve que se esforçar muito para se conseguir adaptar. Acha que o facto de ter lidado com a mudança tão cedo o ajudou a nível profissional?
Com certeza. Acho que você falou tudo justamente, o facto de eu ter que me adaptar desde muito pequeno a uma nova cultura, a uma nova língua. Eu aprendi a falar português, mas fui alfabetizado em francês primeiro do que português e o difícil foi quando retornei ao Brasil, porque aí não sabia falar português muito bem. Então tive que me esforçar muito para acompanhar as matérias, para conseguir passar de ano sem que precisasse de repetir o ano. Isto desde cedo veio meio claro na minha cabeça: bom, se eu colocar esforço, se eu colocar energia, se eu me dedicar, eu consigo. Vai depender muito do quanto eu coloco de energia para isso, e claro que levei isso para toda a minha vida. A nível do esporte, competia em natação e sempre me dediquei muito a isso e consegui bons resultados também por entender que só depende de mim, só depende do meu treino, só depende da minha dedicação. E aí, quando vem o mercado de trabalho, a mesma coisa. Eu já estava com isso internalizado, então coloquei mais esforço, mais energia, para conseguir conquistar o que conquistei até hoje.
“Se errei, se perdi, se isso não deu certo, mas aprendi com isso, então, já estou melhor do que era ontem, e isso me faz crescer”
Disse que não precisava de ser o melhor da turma ou o melhor atleta, apenas tinha de ser melhor do que era ontem. Quando é que chegou aqui, a esta conclusão?
Eu acho que isso é muito ‘legal’ porque a gente fala hoje muito de um mundo competitivo e olha muito para o lado, e acho que temos de parar de olhar para o lado e olhar para a frente. Não preciso ser melhor que você, preciso ser melhor do que era ontem. A minha competição é comigo mesmo. Se eu for melhor do que era ontem todos os dias, vou estar a evoluir e, consequentemente, vou estar me desenvolvendo. Se vou ser melhor que fulano? Talvez não ou talvez sim, agora o importante é que eu busque sempre esse desenvolvimento, esse self development [desenvolvimento pessoal]. Se eu fizer isso, vou estar crescendo e crescendo, ao meu redor, as coisas em que estou envolvido, seja em trabalho ou questões pessoais, vão estar se desenvolvendo em conjunto. Às vezes a gente se bloqueia porque coloca uma pessoa como objetivo e quer chegar lá como ele. Primeiro, você não é ele, nunca vai ser, então a maneira como ele chegou ou onde ele chegou talvez você nunca chegue porque não precisa chegar lá ou talvez porque vai chegar pelo mesmo caminho ou por outros. Eu acho que isso também nos ajuda a se frustrar menos com as coisas que acontecem no momento em que a gente entende: “Bom, se errei, se perdi, se isso não deu certo, mas aprendi com isso, então, já estou melhor do que era ontem, e isso me faz crescer.”
A pessoa que acreditava não ter nascido com o poder da criatividade, hoje é sócio da maior escola de criatividade da América Latina. Alguma vez pensou que fosse possível?
Confesso que não. É curioso, porque sempre tive um plano. Quando me comecei a desenvolver como profissional era muito um plano tradicional: entrar numa multinacional. Afinal de contas, falo outras línguas, então, isso é um diferencial, e queria contruir carreira numa empresa e aí começar a ‘galgar’ caminhos e chegar a ser diretor, presidente, CEO, não sei. E como a vida deu uma reviravolta. No momento em que olhei para isso, estava numa grande empresa que não era uma agência, era um banco, mas era um banco um pouco diferente, enfim, eu fazia a função de treinamento de pessoas. Olhei e falei: “‘nossa’, não é isso que eu quero”. Só que eu também não sabia o que queria. Aí, conhecer e viver e construir junto da Perestroika foi muito isso. Não sabia o que queria até saber da existência de uma possibilidade na Perestroika, então, jamais passou pela minha cabeça isso.
Sempre preferiu estar onde a capacidade criativa não fosse necessária?
Isso é curioso porque as minhas escolhas profissionais antes da Perestroika, como não me considerava criativo, tentava enxergar de que forma podia ajudar a isso [a Perestroika] acontecer. Então, trabalhei em marketing que não exigia criatividade na sua essência, trabalhei no departamento de comercial, trabalhei em outras áreas. Isso me limitava, limitava essa minha verdade absoluta de: não sou criativo. Foi muito importante para mim mudar essa lente, virar essa chave e começar. No momento em que entendi, estudei e vi que dava. Eu falei: “bom preciso ajudar outras pessoas que são como eu”. Por isso, veio muito essa vontade de desenvolver processos criativos, de facilitar workshops, de estudar sobre isso, daí gravar um curso online para que possa permitir que mais pessoas não se limitem na sua carreira profissional, assim como me limitei durante muitos anos.
Considerando-se uma pessoa sem criatividade, porque decidiu tirar um curso de publicidade?
A decisão da publicidade foi muito clara para mim. Eu assistia televisão e aí muitas vezes gostava do horário dos comerciais. Olhava para isso e falava: “‘pô’ isso aqui é legal, eu fazia uma coisa diferente, isso aqui é interessante.” Então, me imaginava nesse universo, sendo a pessoa que fazia os comerciais de televisão, e não parava para pensar se tinha a capacidade. Pensava “isto deve ser legal, divertido, gostaria de gastar minhas horas e a minha energia nisso”. No momento em que entrei na universidade, foi aí que percebi: “‘eish’ a galera é muito melhor do que eu”. Os meus colegas eram muito melhores, apresentavam projetos muito melhores e, como a universidade não me ensinou a ser [melhor] ela me cobrou: você precisa entregar isso. Mas eu perguntava: por onde é que começo? Eu olhava para o lado e via os meus colegas fazendo peças incríveis, ideias maravilhosas e eu continuava a questionar-me: como é que eu chego lá? Como é que eu faço para ter isso? E eu não tive, durante a universidade inteira, resposta para estas perguntas. Então, naquele momento, pensei que dentro desse mundo existem outras áreas em que eu podia estar atuando. Sempre fui muito comunicativo, tinha uma boa relação com as pessoas, então, esse meu lado aqui podia me ajudar, não necessariamente a fazer a peça comercial, mas eu podia estar junto.
No podcast “Falar criativo” referiu que na altura em que entrou para a Perestroika, apercebeu-se de que os seus chefes tinham o drive criativo que “supostamente” não tinha. Foi aí que descobriu que a criatividade não é um dom, mas uma habilidade?
Isso foi incrível, foi depois da minha universidade quando entrei na Perestroika. Na época, nem era uma escola, eram cursos que estavam a ser construídos, e conheci os meus dois mentores da criatividade que foram o Tiago e o Felipe [os sócios, Tiago Mattos e Felipe Anghinoni] e eles já trabalhavam em agência, tinham a facilidade e sabiam a técnica. Então, foram grandes mentores para mim porque desmistificaram a criatividade me ensinando a fazer e mostrando. E é muito engraçado que hoje na minha equipe, peço a mesma coisa que eles me pediam que era: “cara, a gente tem que pensar no nome de um curso, não me aparece aqui com cinco opções, quero que venha com 200 opções”. Isso é um processo, é a tentativa e erro, é fazer combinações. Trabalhando junto comigo, eles foram sendo meus professores e mentores para me dar a entender como criavam. Eu nunca sentei do lado de um colega criativo e perguntei como é que ele fazia. Na época, todo mundo está competindo então, ninguém quer ensinar uma coisa para o outro. No caso deles não, eles pensam: esse é meu pupilo, eu quero é que ele aprenda porque, se ele aprender, não preciso mais fazer. Além de serem duas pessoas incríveis, talentosíssimos, ainda tiveram esse entendimento, que era importante me ensinar tudo.
Como surgiu o nome Perestroika?
Tem duas histórias, a história romântica e a histórica verdadeira. A história verdadeira é a seguinte: foi num brainstorming [processo criativo em grupo] para criar nomes para os cursos porque, na época, não era uma escola era um curso só, e aí foi feito um brain. Então surgiram ideias tipo “curso-urso”, “fiscal de fazenda”, coisas assim sem pés nem cabeça, e dentro desse brainstorming alguém escreveu “Perestroika” porque era uma palavra que estava muito presente na vida do Tiago e do Felipe. Eles são mais velhos que eu, o Tiago tem 37 e o Felipe tem 39, então viveram muito o período da perestroika. E aí quando começaram a fazer o short list [pré-seleção] pararam na “Perestroika” e acharam um nome interessante, forte, não era para ser em inglês, ele marca, gera uma “peres what”, e depois fomos ver ao dicionário o que significava a palavra e significava reconstrução. Daí surge a historia romântica: se perestroika significa construção, o que a gente quer é reconstruir a educação no Brasil.
“A nossa metodologia é o nosso grande diferencial, se a gente fosse a Coca-cola seria a nossa fórmula secreta”
A Perestroika é uma escola livre com atividades criativas e com o objetivo de transformar a educação. Para isso, têm um método muito próprio de ensinar, em que os professores se podem vestir de princesas ou animas. Fala-nos um pouco deste método.
A nossa metodologia é o nosso grande diferencial, se a gente fosse a Coca-cola seria a nossa fórmula secreta porque é a maneira como a gente faz. A educação é o “como” e não o “quê”. O “quê” a gente tem todos os programas de cursos, agora o “como” isso é feito é diferente, varia de uma universidade para a outra, de uma escola para a outra. Então a nossa metodologia ela é o nosso diferencial e é o experience learning [educação que parte da experiência]. A gente criou isso de uma maneira totalmente empírica. Então, à medida que as aulas iam acontecendo e as coisas iam resultando, repetíamos. Haviam coisas de davam certo e pensávamos: mas porque é que deu certo? Isso aqui fizemos, mas não deu certo, será que tem um jeito de dar certo? Vamos tentar de novo. Então, depois de 10 anos, virou um material e a gente escreveu um livro e, hoje, a metodologia são quatro pilares baseados na experiência, são 23 princípios. O que é que a gente fez? A gente escreveu esse livro e publicou na licença mais permissiva da creative commons [permissão de uso e partilha] o que significa que qualquer pessoa que queira usar a nossa metodologia, qualquer universidade, escola concorrente, whatever, pode fazê-lo de graça sem gastar nenhum real, nenhum euro, nenhum dólar. A única coisa que a gente pede é que cite a Perestroika como fonte de inspiração. Nós vemos isto como o nosso legado para o Mundo e para a educação. Se a gente quer ajudar a transformar o Mundo num lugar mais criativo, subversivo, sensível e do bem, e transformar a educação, se mais pessoas, instituições, escolas estiverem usando a nossa metodologia não vão estar sendo nossas concorrentes, vão estar sendo nossas parceiras, porque vão estar ajudando a gente a chegar no propósito.
No mesmo podcast disse que, no projeto inicial da escola, houve quem dissesse que a Perestroika iria ser um suicídio profissional. É por essa razão que se intitulam como a pior escola do Mundo?
Também, mas são dois episódios diferentes. O suicídio profissional foi quando decidimos lançar o Curso de Poker porque, na época, a gente tinha curso de Criatividade e Inovação dentro da publicidade, um de Atendimento e um outro de Pesquisa, e aí a gente estava a ser confundido com uma empresa de comunicação, mas éramos mais do que isso. A gente quer uma escola que fale de qualquer coisa e aí a gente pensou: o que é que nenhuma universidade faria de cursos? Poker! Eu jogava, o Tiago jogava, então ‘tá’, vamos fazer um Curso de Poker. Na época, há sete/dez anos atrás, a gente estava começando a nossa carreira empreendedora, então, fomos consultar algumas pessoas, e aí ouvimos de um profissional que a gente respeita muito que disse: “olha, se vocês lançarem esse projeto vai ser um suicídio profissional.” Então, lançámos esse curso porque era isso que a gente queria. Isso também foi muito emblemático na nossa história, porque um Curso de Poker ajuda as pessoas a explicarem o que é a Perestroika. Vários eventos a que vou, as pessoas chegam e falam: fulano você tem que conhecer o Jean da Perestroika, a Perestroika é uma escola que tem cerveja na sala de aula e eles têm um Curso de Poker. Então, virou uma referência do que é o projeto. E “a pior escola do Mundo” é porque quando a gente olha para a maneira como a educação está sendo feita no Mundo hoje, centralizada, séria, tradicional, teórica, e olha para isso e diz: “se isso é o jeito de fazer educação, então a gente quer fazer o contrário” a gente vai ser a pior escola porque a gente vai fazer totalmente o contrário do que está sendo feito.
Inicialmente, como é que conseguiram dar a entender às pessoas que aquilo que fazem é de facto educação?
Na verdade, a Perestroika virou uma escola por causa dos feedbacks. O objetivo não era abrir uma escola, o objetivo era treinar e capacitar pessoas para se tornarem mais criativas, porque o mercado de publicidade precisava disso. Pessoas como o Jean precisavam disso. Então surgiu o primeiro curso, as pessoas adoraram e o feedback foi incrível. Falaram: “‘nossa’ isso valeu mais do que meus anos de faculdade.” ‘Opa’ será que a gente sabe dar aulas? E aí fizemos o segundo curso, o terceiro e o quarto, até que chegou a uma hora que percebemos: “isso aqui é mais do que um curso, isso aqui pode ser aplicado para outros conteúdos”. Aí veio a metodologia, e da metodologia veio o entendimento de que o céu é o limite. Se a gente tem uma metodologia e a gente encontra a pessoa que tem o conteúdo, a gente pode fazer um curso de qualquer coisa. É isso que a gente basicamente faz.
Os vossos cursos têm algum limite de idade?
Não temos nenhum limite de idade, é uma escola livre. Claro que o facto de ter cerveja em aula limita para aqueles que têm menos de 18 anos, mas também já tivemos alunos de 16/15 anos acompanhados com os pais ou outros que sabíamos que eram menores de idade e não permitíamos que bebessem. Partimos do pressuposto que qualquer pessoa que queira buscar conhecimento, está de portas abertas para a Perestroika. Então, não tem limite de idade, nem para cima nem para baixo porque é isso que queremos: diversidade. Quanto mais pessoas diversas a gente tiver na sala de aula melhor. É ótimo porque muitas vezes temos uma pessoa de 18 anos fazendo um trabalho ou discutindo ideias com uma pessoa de 65/ 70 anos. Aproximar gerações para nós é muito importante.
Na conferência que deu na TEDx em Madrid, disse que a educação está a matar a criatividade. Como prevê que seja a educação no futuro?
A meu ver, da maneira tradicional como ela é feita sim, porque ela não está criando indivíduos que aprendem a pensar, ela está criando pessoas que aprendem a replicar, que aprendem a escolher a resposta certa e no momento em que a gente faz isso, a gente não está criando indivíduos que aprendam a se desenvolver ou que criem algo. Se eu não tenho nada e eu te faço uma pergunta, você vai ter que criar algo. Agora, se eu te faço uma pergunta e te coloco cinco opções, você, mesmo não sabendo, pode fechar o olho e acertar. Então, eu acho que sim, da maneira tradicional, da maneira centralizada, teórica, ela está matando a criatividade.
“A escola tradicional como ela é hoje, e como se desenvolveu há 50 anos, não é nada mais do que uma réplica do modelo industrial, e o modelo industrial está destinado ao fracasso”
Acha que estamos a criar uma educação industrializada?
Exatamente, a escola surgiu da indústria. Eles olharam para isso e falaram, bom, isso funciona. Então vamos botar um sinal para tocar para que os alunos saibam que vai começar [a aula] assim como nas fábricas, vamos botar uniformes assim como nas fábricas, vai ter um chefe que é um professor e ele vai dizer o que é certo e o que é errado, se errar toma chibatada, bota chapéu de burro. A escola tradicional como ela é hoje, e como se desenvolveu há 50 anos, não é nada mais do que uma réplica do modelo industrial, e o modelo industrial está destinado ao fracasso.
Numa entrevista disse: “Eu não sabia o que queria, porque não sabia que existia a Perestroika.” Onde acha que estaria agora, se a Perestroika não tivesse aparecido na sua vida?
Nossa Senhora [risos], boa pergunta! Certamente, eu acho que não estaria aqui em Portugal, talvez eu tivesse fazendo uma outra coisa ligado com uma outra paixão minha que é o surf. Há uns anos era algo que tinha na cabeça, empreender nesse mercado. Na época, tinha o Orkut, que era uma rede social muito famosa no Brasil antes do Facebook e aí eu tinha uma comunidade, que era a maior comunidade de surf do Brasil. Então tinha uma audiência e era apaixonado por surf, gostava muito, gosto ainda, e aí eu pensei: “bom quem sabe eu posso criar alguma coisa a partir disso”. Não sei bem o quê, mas acho que estaria trabalhando nessa área.
“Todos temos noção que o Mundo está a mudar, mas entender essas mudanças enquanto elas estão a acontecer é o maior desafio” foi uma das conclusões que tirou do livro “Sapiens” de Yuval Noah Harari. Atualmente, acha que este é um dos maiores desafios da humanidade?
Acho que a humanidade tem vários desafios e esse é um deles. Ás vezes, quando a gente se dá conta já é tarde demais. É curioso isso porque é fácil a gente olhar para trás e identificar movimentos, transformações, evoluções e como é difícil a gente olhar e falar que está mudando agora, que preciso mudar agora, se não vou ficar para trás. Geralmente a gente só percebe quando fica para trás. Sim, é um grande desafio. Acho que tem vários outros grandes também, mas acho que o facto de ele ser tão genérico, muito abrangente, nos ajuda a estar em constante evolução, no momento em que estou atento ao que está acontecendo e vejo que preciso me mexer, saio da inércia e começo a buscar um desenvolvimento e aí volta para a nossa segunda pergunta: se eu estou sempre em desenvolvimento, estando melhor do que era ontem, a chance de continuar a ter sucesso aumenta.