Bandas de covers: necessidade ou opção? A maioria do público desconhece a realidade por detrás dos rostos que dão voz a músicas mais ou menos familiares. Trabalham arduamente para poder proporcionar um bom momento a quem saiu à noite para beber um copo e, na maioria das vezes, o seu trabalho não é reconhecido. Mas por culpa própria ou da cultura musical de quem os ouve?
Já se ouvem os primeiros acordes no espaço que circunda o bar “Arte no Cais” na frente ribeirinha da cidade do Montijo. ‘Miss Fine’ é o quarteto eleito para animar a noite. O som forte da bateria e dos acordes da guitarra distorcida contrastam com o calmo e relaxante ritmo das pequenas ondas do Tejo. Na rua, pessoas de todas as idades circulam com expressões alegres, de quem vai fazer daquela noite uma fuga à rotina, procurando o espaço noturno com o qual mais se identificam.
Quem se sente atraído pela sonoridade da música ao vivo, entra no bar e encontra uma multidão que segue atentamente os movimentos enérgicos de uma rapariga loira que entoa temas conhecidos, do fado ao rock. Atrás dela, o baterista põe alma em cada pancada que percute no instrumento, enchendo de ritmo a harmonia que o guitarrista e o baixista vão fazendo entre si. É difícil ficar indiferente. O corpo vai baloiçando, embalado pela pulsação da música e a boca vai repetindo os refrões das canções que estão a ser entoadas.
Quanto mais envolvidos com aqueles músicos, mais vontade há de os conhecer melhor: saber de onde vêm, qual o seu percurso, gostos musicais e o que fazem para além das suas enérgicas e animadas atuações.
Pesos pesados, poucos trocados e muita esperança
Sábado à tarde. O sol brilhante sugere um relaxante passeio em família ou, para os mais atrevidos, um refrescante mergulho nas águas salgadas das praias da Costa da Caparica ou Fonte da Telha. Resistentes a essa tentação, os músicos saem de casa deixando para trás as famílias, carregando os pesados instrumentos e aparelhagem que preenchem todos os cantinhos disponíveis dos automóveis. Vão em busca de mais uns “trocados” para juntar ao vencimento proveniente dos seus empregos das “9h às 17h”, mas, no fundo, sempre com a esperança que alguém, de entre o público, reconheça o seu valor e lhes faça a promessa de uma carreira de sucesso no mundo da música.
Helena Fonseca, vocalista dos ‘Miss Fine’, vê as bandas de covers não só como um segundo trabalho, mas também como uma escola de formação de artistas, um primeiro passo para uma carreira no mundo dos originais. Apesar de se sentir feliz a tocar músicas de outros artistas, Helena ambiciona fazer chegar a sua voz a todo o mundo, mas cantando temas próprios.
A vocalista considera que os músicos muitas das vezes embalam em facilitismos e limitam-se a fazer cópias integrais das músicas que interpretam, não lhes dando características que as possam, de alguma forma, tornar únicas ou pelo menos diferentes. Segundo Helena, “o público não dá o devido valor aos artistas, e muitas vezes por culpa dos próprios”. Carlos Surgy, baixista da banda, afirma mesmo que “nem todas as bandas de covers são feitas por bons artistas ou músicos. Muitas das vezes, os projetos musicais são iniciados por pessoas que sabem fazer dois ou três acordes, mas que se encontram numa situação profissional instável. O mercado é assim prejudicado, quer ao nível da qualidade do produto final, quer ao nível dos cachets” que, neste caso, são praticados muito abaixo da média.
Apesar dos seus 40 anos, Surgy já conta 22 de experiência na área da música. Garante que, na altura em que começou a tocar, os espetáculos eram muito bem remunerados e os artistas eram muito valorizados, quer pelas organizações, quer pelo público em geral. Conta que “já lá vai o tempo das vacas gordas”. Hoje, além de pouca consideração, “os músicos ganham muito pouco face às despesas, material e horas que têm que despender para que um concerto tenha o mínimo de qualidade”.
Outra das questões apontadas pela banda é a dificuldade em conciliar o seu trabalho “normal” com a vida familiar e as atuações noturnas. Dani Pereira, baterista, é funcionário no Hospital Júlio de Matos e está sujeito a um horário com turnos rotativos. Pai de um menino de um ano, o baterista diz que “é muito complicado conciliar o horário do hospital com as atuações e ainda ter tempo para a família”.
Originais ou covers?
Além destas barreiras, Helena e Dani mencionam outra que, por vezes, se torna das mais difíceis: as pessoas. “É muito difícil lidar com as pessoas. As pessoas são difíceis.” Segundo eles, é muito difícil gerir feitios, emoções, objetivos, motivação e disponibilidade no seio de qualquer projeto musical. Há quem se contente com pouco, há quem queira voar mais alto, há quem queira ganhar uns trocos e há quem queira mostrar ao mundo o seu verdadeiro valor. “Se não remarmos todos para o mesmo lado, o barco tem tendência a partir.”
Quer pela caraterística voz de Helena Fonseca, quer pelas caraterísticas dos músicos que a compõem, a banda ‘Miss Fine’, ao investir numa carreira ligada aos originais, ia muito provavelmente ter uma sonoridade ligada a um novo conceito que tem ganhado alguma dimensão em Portugal: o “novo fado”. Tanto pode aproximar-se de Ana Moura, se se apostar numa sonoridade mais acústica, como se pode assemelhar a “Amor Electro”, uma vez que o espírito rock está fortemente presente.
Quando um músico inicia a sua carreira musical, por norma a sua ambição é ser um artista reconhecido, com um repertório próprio, que faz espetáculos para milhares de fãs. Mas então porque existem tantas bandas de covers?
Em Portugal, o mercado musical é muito restrito para novos projetos com repertório próprio. A grande maioria dos agentes ou promotores de espetáculo apenas aposta nos artistas de nome, que conseguiram lançar as suas carreiras através de máquinas de produção ou simplesmente por risco próprio, investindo o que têm e o que não têm, ou em bandas que toquem versões de temas conhecidos. Muitos dos artistas que decidem enveredar por uma carreira no mundo dos originais tem um penoso caminho a percorrer até começarem a ganhar os primeiros cachets. Ou sujeitam-se às vontades das grandes máquinas de produção musical.
Existem exceções bem conhecidas do nosso panorama musical. Nomes como ‘The Gift’, Pedro Abrunhosa, entre outros, vêm à memória quando de persistência se fala. Até Salvador Sobral, vencedor do último festival da Eurovisão, foi vítima de controvérsias entre o público português e passou sempre despercebido até conseguir este feito. O seu álbum de estreia “Excuse Me”, editado em março de 2016, foi um espelho disso.
Existem ainda poucas bandas que conseguem passar dos covers ao trabalho original reconhecido. E não é por falta de qualidade. Muitas das vezes são os “rótulos” que as bandas vão adquirindo que depois não as deixam sair do mesmo circuito. E ‘Miss Fine’ parece não constituir exceção.
Trabalho realizado no âmbito da disciplina Atelier de Imprensa e Jornalismo Online, no ano lectivo 2016/2017 em regime de pós-laboral.