Já treinou equipas como o Benfica, o Sporting e o Porto. Numa entrevista realizada na Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Santos, o português “mais grego do que muitos gregos”, fala de futebol: as paixões, a Grécia e a seleção portuguesa.
A maior parte das pessoas sabe que o Fernando entrou no mundo do futebol, oficialmente, aos 15 anos, e foi jogador do Benfica, CS Marítimo e Estoril. Pouca gente saberá que, em 1977, concluiu a sua formação em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Quando foi a última vez que trabalhou nesta área?
Em 1998. Trabalhei no Hotel Palácio desde o dia 5 de janeiro de 1981 até à altura em que fui para o Futebol Clube do Porto, em junho de 1998.
A paixão pelo futebol supera a paixão que tem pela engenharia?
Não sei se isso se pode considerar assim. São duas áreas completamente distintas. Gosto muito das duas, mas foram opções de vida. Obviamente que, quando és criança, a paixão do futebol vem primeiro do que a paixão da engenharia. Mas depois fiz o meu curso, fui trabalhar e, ainda hoje, com muita frequência, vou ao local onde trabalhei. E isso é sinal que a paixão pela engenharia nunca passou.
Abandonou os relvados nos anos 80. Porquê?
Abandonei em 1986-87. Porque houve um período, em 1985, em que passei a ser jogador e treinador-adjunto do António Fidalgo [no Estoril]. Nessa altura, o meu plano de vida não passava pelo futebol, passava só pela minha atividade profissional, enquanto engenheiro. E foram dois anos um bocadinho mistos. Agora, acabar a carreira foi em 1986.
E qual foi o motivo que o levou a deixar essa carreira de jogador?
Entrei em 1981 para o Hotel Palácio, como diretor de manutenção. A partir do momento em que entrei, comecei a exercer a minha profissão de engenheiro. Exercia duas profissões ao mesmo tempo: a da engenharia e a de jogador de futebol. E procurava cumprir bem. Mas, a partir dessa altura, pensei que a solução certa para mim seria seguir esta via da engenharia. Aconteceu que depois, passado uns anos, tudo voltou a trás.
Sente saudades de jogar futebol?
Não sei, não sou uma pessoa de muitas saudades. Relembro com alegria esse tempo passado, tudo o que fui enquanto praticante, e os meus colegas. Ainda hoje tenho uma relação muito forte com a maioria deles,com muitos dos que jogaram comigo. Lembro-me não só de quando fui profissional, mas também quando jogava no meu bairro. O jogar futebol é sempre alguma coisa que nos deixa recordações. Hoje, já não tenho paciência para jogar futebol, até porque tenho sempre muitas dores cada vez que tento.
Mas o facto de ser treinador e estar sempre em contacto direto com os jogadores mais jovens, não lhe traz alguma nostalgia desses tempos?
Não. A vida é feita dessas coisas. Isso é quando somos novos e temos esse tipo de nostalgia. É o ciclo natural da vida. Ciclos da vida são assim. Todos passarão por ela.
Um português na Grécia
Em 2001, mudou-se para a Grécia. Acha que foi fundamental compreender a cultura grega, para conseguir liderar equipas como o AEK Athens FC, o Panathinaikos FC, o PAOK FC, e a seleção nacional?
Quando cheguei à Grécia, percebi que o mais importante, acima de tudo, era procurar conhecer a cultura. A primeira tendência é tentarmos que as coisas funcionem à nossa maneira. Mas não, depois percebi rapidamente que havia duas coisas que eram muito importantes. A mais importante de todas era conhecer a cultura, conhecer a forma de as pessoas estarem, de pensarem, de reagirem. E isso, obviamente, que foi um trabalho que tive de fazer mais rápido ainda do que falar grego. Se fores para algum país estrangeiro, acho que a primeira preocupação que deves fazer é essa adaptação.
“Não posso dizer que me sinto tão grego como português, porque nasci em Portugal”
Mas o mundo do futebol grego é diferente do futebol português, a que estava habituado?
Não há mundos diferentes no futebol, nem na vida. O que há são culturas diferentes. As pessoas pensam de maneira diferente. E, portanto nunca faço esse tipo de comparações: se é melhor, se é pior. As pessoas não são iguais. Se fores para um país como a Suécia, onde praticamente não há dia, só há noite, tens é que te adaptar. Agora isso não faz com que as culturas sejam melhores ou piores.
Foi difícil o processo de adaptação à língua e à cultura?
À cultura, rapidamente me adaptei. Nos primeiros tempos, sim, houve alguma dificuldade, principalmente na adpatação aos horários das refeições, porque na Grécia não há muito esta coisa do horário da refeição. A primeira vez que saí de Portugal, em 2001, já tinha hábitos enraizados em mim de cultura portuguesa. Mas, ao fim de um mês, dois meses, ultrapassei. Depois há a questão da língua. Essa demorou mais tempo. Pouca gente domina o grego. E aí tive alguma dificuldade, também porque nunca lá estive muito tempo seguido. Estive lá um ano e meio, dois anos, e depois voltei a Portugal. Estes últimos sete anos que estive na Grécia, os três anos no PAOK e os quatro anos na seleção, permitiram-me que fale o suficiente para conversar com os meus amigos.
Viveu mais de uma década na Grécia. Atualmente, sente-se tão grego como português?
Não posso dizer que me sinto tão grego como português, porque nasci em Portugal. Nasci em Portugal, tenho as minhas raízes em Portugal e o meu coração será sempre, em primeiro lugar, português. Quando estou em Portugal, sou português. Quando estou na Grécia, sinto-me grego.
Numa entrevista ao SOL, em setembro de 2014, afirmou que como treinador não tem coração. Também não teve coração quando a Grécia, liderada por si, defrontou Portugal num jogo amigável, realizado no ano passado (21 de maio, preparação para o Mundial 2014)?
Não, durante o jogo não. Sou um profissional. E, enquanto profissional, tudo fiz para que a Grécia vencesse o jogo. Quando és profissional, tens que exercer a plenitude das tuas faculdades. E, aliás, como disse, sempre que estou na Grécia, sinto-me como um grego. Não me sinto como grego num jogo em que toca o meu hino. Mas, em termos profissionais, seguramente. Só queria que a Grécia ganhasse.
Treinar a seleção
No final de 2014, assumiu a função de treinador da equipa principal da seleção portuguesa. Como tem corrido essa experiência?
As coisas têm corrido bem, desportivamente. No plano daquilo que é a competição, também acho que tem corrido bem, em termos da minha adaptação. Posso dizer que, até este momento, globalmente, tem sido uma experiência muito interessante. Uma experiência que conhecia, enquanto profissional, porque estive quatro anos ao serviço de outra seleção. Mas obviamente, que agora, ao serviço do meu país, há sempre alguns momentos mais emocionantes.
Não se sente mais concretizado, por finalmente ter conseguido alcançar a função de treinador da seleção nacional?
Não, não nos torna mais realizados. Talvez nos preencha em termos de prazer. Senti-me tão realizado quando treinei o Estoril ou o AEK, o Benfica, o Sporting, o Porto ou o Amadora. Em qualquer um dos meus trabalhos, senti-me realizado, como me senti muito realizado enquanto engenheiro, no Hotel Palácio. Agora, emocionalmente, obviamente que quando chegas a treinar a seleção do teu país, há sempre qualquer coisa que mexe contigo. Mas isso é emocionalmente, não em termos de realização pessoal.
“Tenho uma grande paixão pela Grécia. Sei que os gregos me retribuem a paixão também da mesma forma”
Tem algum lema, máxima ou valor que gosta de transmitir aos seus jogadores?
Sou um homem de convicções. Acho que uma das coisas que gosto de transmitir aos meus jogadores é que, para já sou um ganhador por excelência. E, portanto, é ganhar. Ter como objetivo ganhar não de qualquer maneira. Ganhar com regras e fazê-lo com a humildade natural de quem sabe que pode alcançar isso. E, portanto, digo que talvez a máxima do respeito. O respeito uns pelos outros. O respeito por nós próprios.
Qual foi o melhor momento da sua carreira como treinador?
Não sei. É muito difícil. As pessoas se calhar esperam que eu diga que foi ganhar o “Penta”, no Porto. Mas quando subi o Estoril de divisão, equipa que estava há muito tempo na II Divisão, foi um momento muito marcante para mim. Quando estive na Grécia, quer quando conquistei títulos, quer quando levei alguns clubes que dificilmente poderiam chegar à posição que chegaram… Levei-os à Liga dos Campeões. Tudo isso é muito marcante. Diria que aqueles dois momentos que me marcaram mais terão sido o primeiro dia que me sentei no banco da seleção grega, porque ali represento um país… E senti que naquele momento estava a retribuir tudo, a forma como fui acarinhado, e sou, pelo povo grego. Mas, obviamente, que depois outro se suplantou. Perguntando-me isto hoje, digo claramente que foi quando me sentei no banco, na primeira vez, ao serviço da seleção nacional e ouvi tocar o hino português, em França. Esse foi o momento mais marcante, talvez.
Ainda gostaria de regressar à Grécia?
Sim, tenho uma grande paixão pela Grécia. Sei que os gregos me retribuem a paixão também da mesma forma, mas, mais do que isso, sempre gostei de viver na Grécia. E quando lá estou, sinto-me em casa. Portanto, não vejo porque não voltar à Grécia um dia.
O futebol ensinou-lhe alguma lição de vida?
Tudo nos dá lições para a vida, desde que a gente as queira ouvir. Era bom que as pessoas estivessem mais atentas aos sinais, porque os sinais são muito importantes. E o futebol não escapa a isso. Faz parte da nossa vida. Neste caso, da minha, de forma particular.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.