Via Skype, a partir do sótão de sua casa, Rui Unas fala do seu mais recente trabalho, “O Mistério de Irma Vap”, que protagoniza ao lado de Rui Melo, e de alguns dos projectos mais marcantes da sua carreira.
Atualmente, está em cena no Casino Lisboa com a peça “O Mistério de Irma Vap”. Como surgiu este projecto?
Normalmente, estes trabalhos como actor surgem sempre com um convite da produtora. Neste caso, chama-se Sandra Faria, e inaugurou uma produtora de espectáculos, Força de Produção. O primeiro espectáculo que quis fazer foi exactamente este: “O Mistério de Irma Vap”. A Sandra já me tinha convidado para trabalhar em projectos na UAU, uma outra produtora de espectáculos. Como correu bem das outras vezes, presumo que se sentiu confiante o suficiente para me convidar a mim e ao Rui Melo para sermos protagonistas desta peça. Geralmente é assim que funciona em teatro. A produtora liga-nos e diz: “Gostava que fizesses um espectáculo, o texto é este, vais trabalhar com esta pessoa…” Ela mandou-me o guião da peça, li, gostei, acertámos alguns detalhes, e já estamos em cena há três semanas.
O cartaz da peça é algo enigmático, comédia, mistério, terror…Qual é o género dominante desta peça? É que eu fui ver e, na minha opinião, é um thriller cómico. Concorda?
Prefiro entender a peça como uma comédia, uma sátira que o autor, Charles Ludlam, fez de vários géneros teatrais e cinematográficos. Há, por isso, referências a Hitchcock e a Shakespeare, e, como qualquer sátira, está assente no humor. No entanto, a linha condutora do enredo é uma história de terror, de suspense, e depois há uma grande revelação no final. Prefiro entender esta peça mais como uma comédia que usa o registo do thriller como linha dramatúrgica. É uma história essencialmente de mistério e de algum terror, mas com comédia. Se calhar, o cartaz não é muito explícito, mas, a partir do momento em que me tem a mim e ao Rui Melo e que se percebe que estamos mascarados, entende-se que o tom é humorístico.
Interpreta duas de oito personagens. Um homem, D. Edgar, e uma mulher, a governanta Joana. São duas personagens com características muito distintas. É um desafio complicado gerir duas personagens em cima do mesmo palco?
Sim, já é complicado fazer uma personagem de forma convincente e de que as pessoas gostem, mais difícil é quando são duas, ainda por cima um homem e uma mulher. Nesta peça, em particular, a dificuldade está na transição rápida de figurinos que temos que fazer. O espectáculo está construído de maneira a que os actores tenham de mudar de figurino e de personagem rapidamente, e há partes em que há tantas mutações de figurino que se torna fascinante para nós, que fazemos, e creio que também para o espectador, ver o D. Edgar e passado cinco segundos, aparecer a Joana, que sou eu à mesma. É uma dificuldade acrescida, mas só torna o espectáculo muito mais interessante, tanto do ponto de vista do espectador, como do ponto de vista do actor. Para mim e para o Rui Melo é difícil, mas é muito mais desafiante. Acaba por ser muito mais gratificante conseguirmos fazer todas as noites um bom espectáculo.
Como tem sido a reacção do público nestas primeiras semanas em cena?
Respondendo de uma forma muito egocêntrica, as pessoas têm-me dado os parabéns, sobretudo porque não vêem o Rui Unas, mas sim duas personagens completamente diferentes que foram construídas de raiz. Felizmente, tenho recebido um bom feedback do meu trabalho em particular e, no geral, as pessoas têm gostado muito e têm dado também muitos parabéns ao Rui Melo, um actor excepcional e sem o qual eu não brilharia, porque este é um trabalho de dupla, no qual temos que ter muita química. O Rui Melo foi a melhor escolha que podiam ter feito, damo-nos muito bem, quer em cima do palco quer fora dele. Regra geral, as pessoas têm elogiado o esforço, porque é notório que acabamos a peça fisicamente esgotados. Por isso, para já, estou muito satisfeito com o nosso trabalho e com a reacção do público.
O que podem esperar as pessoas que ainda não foram ver a peça?
Podem esperar uma peça dos anos 80 que ganhou inúmeros prémios lá fora e que no Brasil foi uma das peças que mais tempo esteve em cena, quase duas décadas. Tem um texto brilhante e tem várias camadas. As pessoas que entendem as referências a Shakespeare e a Hitchcock vão gostar, e as pessoas que só acham piada a ver-me a mim e ao Rui Melo vestidos de mulher também. Confesso que não é uma peça que contenha piadas que façam o público rir-se de cinco em cinco minutos, a piada está na história em si e na situação que contém algum suspense, que é revelado no final, e que exerce algum fascínio, pelo facto de dois atores se conseguirem desdobrar em tantas personagens em tão pouco tempo. Sou suspeito, mas acho que é daqueles espectáculos que as pessoas vêem e do qual se vão lembrar daqui a um ou dois anos, porque há em palco um carrossel de acontecimentos em tão curto espaço de tempo que fica na memória.
“De repente, dou por mim a fazer novelas, cinema e comédia também”
Tal como no palco, o Rui desempenha mais do que um papel fora dele: é actor, apresentador, locutor, humorista, escreveu livros, faz rádio e até produz kizomba. Em que papel se sente mais confortável?
Diria que sou sobretudo um entertainer. Como tal, onde me sinto mais confortável é no género talk-show, mas também me dá muito gozo representar e estar na área da comédia, apesar de não me intitular humorista, apenas utilizo o humor como ferramenta de trabalho. Comecei por ser apresentador de televisão e era isso que gostava mesmo de fazer. Entretanto, o trabalho como apresentador começou a escassear, começaram a aparecer convites para trabalhar como actor e, de repente, dou por mim a fazer novelas, cinema e comédia também. Hoje em dia, desdobro-me em muitas actividades. Nenhuma delas se destaca, porque aquilo que gosto mesmo de fazer é comunicar. Actualmente, utilizo bastante a Internet, que me permite comunicar das mais diferentes formas, através do Facebook, do Youtube, da escrita ou de imagens, é, por isso um excelente instrumento para pessoas como eu, que precisam de se expressar de alguma maneira.
Qual o projecto (programa, novela, filme, peça, etc…) que mais o marcou?
Destaco sempre o “Cabaret da Coxa”, porque era um programa que tinha um registo diferente do que havia na altura. Era feito em directo e ali pus em prática tudo aquilo que aprendi num outro programa feito em directo, o “Curto Circuito”, programa que ainda hoje está no ar e que me deu muita estaleca, capacidade de improviso e onde aprendi muita coisa. O “Curto Circuito” foi uma grande escola de apresentação: fui obrigado a improvisar, a entrevistar e a brincar, tudo isto quase sem guião, o que obrigava os apresentadores a ”encher” o programa com qualquer coisa. Isso fez de mim um entertainer melhor, porque era obrigado a criar personagens. O próprio apresentador do “Cabaret da Coxa” era um personagem que criei e que funcionou, para o bem e para o mal, porque durante algum tempo as pessoas só me associavam a isso. Felizmente, quando comecei a fazer mais trabalhos como actor é que as pessoas começaram a perceber: “Espera aí, se calhar o Rui Unas não é só aquele gajo que apresenta o Cabaret da Coxa, também é capaz de fazer outras coisas e pode ser outra personagem qualquer.” Isso contribuiu para esbater a imagem do grande maluco que só fazia o “Cabaret da Coxa” e para eu ser visto mais como um entertainer e não como o tipo que só dizia asneiras. Agora vêem-me como um bom maluco (risos).
“Orgulho-me muito do trabalho que fiz, apesar de saber que noutras condições faríamos mais e melhor”
Como foi a experiência de gravar a série “Sal”? Qual foi o feedback do público?
A experiência foi alucinante, na medida em que, na altura, estava a fazer a novela (“Sol de Inverno”) e o “Vale Tudo”, e estávamos constantemente a ir e a vir. Infelizmente, as gravações não correram tão bem como esperávamos: deveriam durar um mês e meio e estenderam-se até três meses. Ao contrário do que as pessoas pensavam, não nos estávamos a divertir: havia muito vento, sofremos muito com o frio, passámos muitas noites sem dormir e o cansaço de ir e vir todas as semanas para Lisboa não tornou a experiência muito prazerosa. Contudo, quando trabalhamos com colegas e com um texto com o qual nos identificamos…é tudo muito mais simpático. Em relação ao produto final, não ficou exactamente como queríamos. Eu, pelo menos, tinha outras expectativas em relação à série e aos seus resultados. Por isso, o feedback foi morno. Houve algum entusiasmo, mas não foi um grande sucesso, apesar de termos dado o nosso melhor para subir mais um degrau de qualidade no humor em termos televisivos. Se ficámos aquém, paciência, pelo menos tentámos. Orgulho-me muito do trabalho que fiz, apesar de saber que noutras condições faríamos mais e melhor.
Desde Setembro que protagoniza a rubrica “A Vida de Unas”, de segunda a sexta no “Café da Manhã”, da RFM. É difícil arranjar um tema diferente todos os dias?
Não sou eu que escrevo todos os textos. Tenho uma equipa de três pessoas que os escreve em conjunto comigo, dou algumas dicas e faço uma correcção final, mas confesso que não tinha cabeça para apresentar temas novos todos os dias. Como eles conhecem o meu humor e o meu registo, acabam por fazer os textos da minha rubrica na RFM. Mas não digas a ninguém (risos).
“O Mistério de Irma Vap” vai estar em cena até 10 de Maio. Depois disso já tem algum projecto em agenda?
Tenho um projecto na Internet no qual quero investir, um podcast que fiz há, dois anos, chamado “Maluco Beleza”, onde entrevistava gente conhecida e gente que não conhecia, mas com quem gostava de conversar. Gosto muito de podcasts e é algo que consumo muito. É um formato de entrevista que me agrada porque, ao contrário da televisão ou da rádio, não há um tempo predefinido nem constrangimentos ao nível da linguagem, e assim, a personalidade dos convidados vem ao de cima. Por isso, quero muito voltar a fazer o “Maluco Beleza”, mas uma versão 2.0, com algumas surpresas e melhorias a vários níveis.
Entrevista disponível na integra na página de Facebook de Rui Unas.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.