O envelhecimento e o isolamento são problemas cada vez mais presentes em Portugal. Castro Marim, concelho algarvio composto por quatro freguesias, três delas localizadas no interior da serra, não é exceção. Os serviços de apoio de várias instituições locais ajudam a minimizar esta realidade.
“Muitos dos utentes não têm condições para viver na sua própria casa. Acontecem-nos situações em que para um idoso conseguir tomar banho, temos de levar água quente da instituição”, conta Célia Calvinho, ajudante de apoio domiciliário da Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim.
Este é o panorama em que vivem alguns dos 2093 idosos do concelho, sobretudo nas zonas mais rurais. Sem condições de habitabilidade, saneamento básico, aquecimento e muito menos cobertura de rede móvel ou internet. A isto junta-se o pouco contacto social diário, um isolamento forçado e agravado pelo forte despovoamento destas pequenas aldeias isoladas geograficamente. Os filhos e os netos saem da terra e deixam os mais velhos entregues à vagarosa passagem dos dias, fenómeno que se estende a vários pontos do país.
Uma retrato que, ainda assim, pode surpreender muita gente, afinal estamos a falar do litoral algarvio, terra fronteiriça, bastante característica pelas suas salinas, Castelo e Forte de São Sebastião. O mesmo concelho onde nasce agora o maior e mais luxuoso eco resort de Portugal (“Verde Lago”, em Altura, freguesia litoral, turística), num claro contraste com as localidades mais interiores e rurais, desde logo a própria sede de concelho, mas também Odeleite ou Azinhal.
Para muitos dos utentes, cabe às equipas do serviço de apoio domiciliário desenvolvido pelas IPSS do concelho, dar resposta às suas necessidades básicas diárias, desde a alimentação, higiene pessoal ou toma dos medicamentos. Segundo Iola Fernandes (diretora-geral da Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim e diretora técnica da estrutura residencial para pessoas com perturbação neurocognitiva), estas equipas garantem a manutenção de alguns desses idosos “no seu meio natural de vida”.
São três as visitas diárias, em horários que variam de pessoa para pessoa. Na visita matinal, geralmente entre as 7:30h e as 11:30h, o intuito é fazer a higiene pessoal, o respetivo banho e quando necessário dar o pequeno almoço. A partir das 11:45h, as equipas distribuem os almoços. No período da tarde, finalizam com a última higiene do dia e a última refeição. Em alguns casos, esta é a última interação diária destas pessoas. Sozinhos e, por vezes, acamados, é com grande dificuldade que aguentam até à manhã seguinte.
“Nós ajudamos o máximo que conseguimos, mas mais do que isto não dá”
Jorge Martins, psicólogo e diretor técnico da Unidade de Cuidados Continuados da Associação de Bem Estar Social da freguesia do Azinhal, partilha que, antigamente, estas pessoas procuravam os serviços de apoio domiciliário sobretudo como uma companhia, de modo a quebrar o seu isolamento. Agora, e como “a serra está muito envelhecida”, há outras debilidades e necessidades. Para muitas delas, a resposta “já não é a ideal”.
Fruto da dimensão e características do concelho — 300 km2 e 6435 habitantes e um Índice de Envelhecimento de 296,9 idosos por cada 100 jovens, superando o valor regional, segundo os Censos 2021 — são diversas as dificuldades com que estes serviços se deparam. Na Associação de Bem Estar Social da freguesia do Azinhal, prestam apoio a cerca de 80 idosos através de quatro equipas que percorrem o interior da serra de Castro Marim. Cerca de mil km diários e, segundo os próprios, a frustração de passarem mais tempo na estrada do que a cumprir o seu propósito. Já no Serviço de Apoio Domiciliário da Santa Casa são percorridos 250 km diários por duas equipas com o objetivo de auxiliar 50 utentes.
“O Algarve não é só resorts turísticos, sol e praia”
Um empenho que nem sempre caminha lado a lado com as ajudas necessárias. José Cabrita, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim, evidencia que são poucas as instituições que conseguem aguentar e fazer face às despesas. Admitir novos utentes torna-se difícil ou mesmo impossível. “Nós queremos fazer mais e ajudar mais, mas não temos capacidade nem recursos humanos para tal.” O psicólogo Jorge Martins avisa, inclusive, que a situação terá tendência a agravar-se, até porque “a população a nível nacional está a envelhecer cada vez mais“, sendo necessária uma maior “capacidade de resposta”.
Situação à qual se juntam as assimetrias da região, com um índice de pobreza acima da média (24,5%, contra os 19,4% do resto do país), no distrito que, paradoxalmente, mais contribui para o PIB Nacional. “O Algarve quase não tem acesso aos fundos de coesão destinados a impulsionar as regiões mais pobres a convergir economicamente com as mais ricas há mais de uma década, o que agrava as assimetrias regionais”, realça Iola Fernandes. Com reformas que muitas vezes rondam os 300 euros e numa região com os preços inflacionados pelo turismo, esta conjugação leva a situações “muito graves”, resultando em quadros clínicos depressivos e ansiedade, que, por sua vez, acabam “por precipitar quadros de perturbação neurocognitiva (demência)”, avança a diretora-geral da Santa Casa da Misericórdia local. Algo que, segundo a própria, deveria conduzir a uma profunda “reflexão” de todos os intervenientes regionais e nacionais. “O Algarve não é só resorts turísticos, sol e praia”, conclui.
Além dos serviços já referidos, o município desenvolve algumas atividades com vista a combater o isolamento das pessoas que habitam na zona serrana, principalmente na terceira idade. A Unidade Móvel de Saúde, que atua ao nível dos cuidados de saúde primários de forma descentralizada, a Bibliomovel, que de forma itinerante leva atividades culturais, lúdicas e recreativas aos locais mais escondidos do concelho, e ainda a Universidade do Tempo Livre que tem polos espalhados por todo o território.