Num momento em que as democracias são testadas em todo o mundo, torna-se necessário educar os mais jovens acerca do “combustível” que sustenta qualquer sistema democrático: o interesse e participação cívica dos cidadãos.
Escândalo após escândalo, casos atrás de “casinhos”, o grau de confiança dos portugueses perante os políticos vai caindo dia após dia. De acordo com o estudo da Transparency International [Transparência Internacional], em 2021, 88% dos portugueses acreditavam que a corrupção estava presente no Governo.
Com a relação entre os cidadãos e os seus representantes numa contínua “corda bamba”, existirá hipótese de reconciliação entre os grupos que sustentam o sistema democrático?
A resposta a esta questão poderá residir no local que tem como principal função educar e transmitir conhecimentos: a Escola.
Portugueses e participação política: um relacionamento que começa com o “pé esquerdo”
Se há 50 anos o desinteresse da população portuguesa por política retratava-se em menos de 10% (8,5%) nas primeiras eleições livres após o Estado Novo, hoje o cenário encontra-se muito diferente. Cerca de metade dos cidadãos portugueses (48,6%) absteve-se de ter poder de decisão sobre o seu próprio futuro nas últimas eleições legislativas.
Alma Rivera, deputada do Partido Comunista Português (PCP), presume que este afastamento é condicionado pelo facto das pessoas não serem chamadas a participar e a discutir os seus problemas. “Os cidadãos têm visto governos que prometem uma coisa e fazem outra”, o que acaba por provocar um “sentimento de desilusão muito grande”.
Para que as pessoas se voltem a aproximar da política surge a necessidade de as consciencializar sobre esta temática, sendo eficaz o desenvolvimento deste interesse nos primeiros anos de evolução do pensamento crítico: a juventude.
Vicente Valentim, investigador político, refere que “um conjunto de estudos já comprovou que as primeiras experiências políticas das pessoas são muito determinantes para aquilo que farão no futuro”, destacando que “se os mais jovens participarem, votarem e discutirem questões da atualidade existe a tendência para que mantenham ativamente esses hábitos”.
Se é na Educação que se encontra a solução, compreende-se que para resolver a problemática de desinteresse geral por política, torna-se necessário corrigir as imperfeições que “habitam” no próprio sistema de ensino.
“A Escola tomou uma posição muito secundária, serve apenas para vir picar o ponto, estar presente e depois vamos embora”
O ensino nacional encontra-se constantemente no centro do debate, seja pela falta de condições dos seus docentes ou pelos conteúdos curriculares e formas de educar desatualizadas. Segundo José Mendes (aluno na Escola Secundária da Moita), o que aprendeu sobre política baseou-se na “pesquisa autónoma” e nas conversas que tinha com os seus amigos. O jovem de 17 anos acredita que “se fosse para depender do sistema de ensino, ficava na mesma sem perceber nada”.
Ao nível da literacia política, muitos estudantes do Ensino Secundário estão condicionados tanto pelo curso como pelo local em que estudam. Na Escola Secundária da Moita, João Galvão (colega de turma de José) refere que escolheu Ciência Política como disciplina opcional, mas “como é habitual todos os anos, a disciplina não abriu porque são necessárias 20 pessoas a concorrer”. À semelhança do seu colega José, João foi forçado a conhecer o sistema político sozinho, sem qualquer apoio letivo: “a Escola não instiga a curiosidade e a pesquisa, o que no final de contas é o que permite que criemos um pensamento crítico para tomarmos melhores decisões no futuro”. É ainda importante salientar que só existe esta possibilidade de escolha para alunos que optam por Línguas e Humanidades, como é o caso de José e João, e para quem estuda Ciências Socioeconómicas.
Por terem sido condicionados pela falta de condições para abrir uma turma de Ciência Política na instituição em que estudam, José Mendes e João Galvão têm uma perspetiva pouco positiva da intervenção do ensino na oferta de competências de literacia política aos mais jovens. Aliás, João ressalta que “a Escola tomou uma posição muito secundária, serve apenas para vir picar o ponto, estar presente e depois vamos embora”. No entanto, a Educação pode deter de um papel extremamente importante na promoção da participação política dos jovens, quando existem condições para que a disciplina de Ciência Política seja lecionada.
“ Os jovens não têm bases para entender o que está por detrás do discurso político”
O debate de ideias torna-se algo essencial para um sistema democrático, na medida em que permite que a Democracia melhore e mantenha a sua vitalidade. No caso de Beatriz Gaiato, estudante de Jornalismo, ao frequentar a disciplina de Ciência Política quando estudava no Colégio Moderno foi-lhe concedida a possibilidade de “perceber o peso de cada decisão política na vida de todos”, através do “debate proporcionado na disciplina”. Beatriz defende que por os jovens não serem detentores do conhecimento ideológico de cada partido, “não têm bases para entender o que está por detrás do discurso político”.
Quanto à linguagem dos políticos, há quem acredite que possa ser um dos maiores entraves ao relacionamento dos jovens com a política: “os discursos são orientados para faixas etárias mais velhas porque na realidade é quem maioritariamente dá mais votos”, aponta Valdemar Bravo, professor de História A na Escola Secundária da Moita. Por sua vez, a deputada Alma Rivera valida a existência de uma “linguagem de natureza elitista e incompreensível” que, possivelmente, ocorre para “impedir que os indivíduos deem a sua opinião e discutam o que as coisas significam de facto”.
Para que os jovens entendam o que é dito devem ser detentores de uma base de conhecimentos e competências que interligue a teoria com os acontecimentos do mundo quotidiano, algo que não acontece de acordo com Natália Pereira, militante da JSD [Juventude Social Democrata] e aluna do 12º ano: “a Escola não nos ensina muito sobre o que está a acontecer atualmente no nosso país”.
Assim, com a apresentação das falhas no sistema de ensino e na ação dos atores políticos, emerge a necessidade de reestruturação das práticas educativas para que, mais tarde, os jovens portugueses não se tornem tão desinteressados por política quanto os seus pais e avós nas eleições legislativas de 2022, onde se verificou 48,6% de abstenção.
Reestruturação do Ensino: um compromisso para o futuro
O intuito de renovar o Ensino português prende-se não só pelo presente, mas principalmente pelo futuro da sociedade democrática. Pelas considerações do estudante universitário de Ciência Política Rui Lopo, “deve ser dada aos alunos a liberdade para poderem ter iniciativas e expressarem as suas opiniões”. De acordo com o jovem natural de Angra do Heroísmo, o problema começa na descredibilização dos delegados de turma na medida em que “os jovens elegem quem os representa, no entanto, essa pessoa não tem poder para fazer rigorosamente nada” e acrescenta ainda o facto de essas eleições passarem a mensagem que “é irrelevante preparar campanhas, cumprir estatutos e votar” porque, “na prática, os representantes dos miúdos estão limitados pelas escolas”.
No que conta à limitação da liberdade dos jovens, a deputada do PCP vai ao encontro da perspetiva de Rui, concluindo que esse controlo e censura por parte das escolas conduz a que, “no futuro, os jovens não se sintam tão confortáveis a participar na sociedade”.
Demonstra-se assim a necessidade das escolas portuguesas corresponderem à Lei de Bases do Sistema Educativo que consagra a Educação como responsável pela promoção do “desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões”.
Para cumprir essa mesma legislação do Sistema Educativo, Beatriz Gaiato considera que as instituições de ensino deveriam “ir para os locais que os jovens mais utilizam: as redes sociais” para difundir o interesse por temáticas políticas que sejam importantes nas suas vidas. Enquanto que Natália recomenda a realização de projetos de cidadania nesse sentido: “em vez de serem sempre feitos trabalhos sobre os mesmos temas, seria interessante falarmos sobre questões que nos vão ajudar quando sairmos da Escola”.
Apostar na Educação e na sua restruturação torna-se um projeto essencial para salvaguardar o regime democrático em que vivemos. O caminho dos portugueses para as urnas pode voltar a ser encontrado, desde que existam os estímulos indicados para promover a literacia política, com início no seio escolar. Tal como é mencionado pelo investigador Vicente Valentim: “investir na Educação torna-se a melhor forma de garantir a qualidade da democracia”.