Longe vão os tempos em que assistíamos em casa à presença de políticos só nos telejornais e sempre com entrevistas moderadas pelos chamados jornalistas de referência – na Rádio e na Imprensa, as coisas aconteciam e faziam-se da mesma forma. Numa frase, grandes entrevistas aos políticos eram feitas por grandes jornalistas e apenas e só em programas de informação. Nunca, como hoje, a política esteve tão presente nos programas de entretenimento – os programas do Herman José não contam para esta história, porque estiveram sempre à frente de tudo e de todos – e por isso, o chamado ‘Jornalismo de Celebridades’ é, hoje, uma realidade.
Atualmente, os políticos, além de profissionais da política, são comentadores sociais e desportivos, actores com pequenos papéis em filmes e séries de ficção, e participantes activos em programas de humor – umas vezes como entrevistadores, outras como entrevistados. Alguns frequentam glamorosas festas particulares fotografadas pela chamada “imprensa cor-de-rosa”.
Segundo Nilton, humorista e escritor com um vasto curriculum no Stand Up, “existe hoje uma certa ingerência dos políticos no entretenimento e isso cria desde logo um problema. Há uns anos, as coisas estavam muito mais separadas, cada um fazia o seu trabalho e, por isso, até dizia que não me custava nada pagar impostos porque os políticos contribuíam com parte das piadas. A verdade é que, hoje, a balança está a tender claramente para o lado de lá. Os políticos, hoje, fazem piadas, nós já não temos que as trabalhar, elas já chegam feitas e, assim de repente, tens políticos a fazer mais entretenimento do que nós e, isso, é de facto, um problema”. Na Ucrânia, o realizador, comediante e guionista Volodymyr Zelensky, que interpretou o papel de chefe do Estado numa série de televisão de grande audiência, foi recentemente eleito Presidente do seu país. A imprensa internacional não tem dúvidas de que os eleitores votaram na estrela da série e não no professor que nunca tinha feito política.
Contam-se pelos dedos de uma mão, os políticos nacionais que não terão passado quer por um dos muitos programas do incontornável Herman José, quer pelo popular “Alta Definição”, de Daniel Oliveira. Curiosamente, em 2007, Pedro Santana Lopes abandonou em directo uma entrevista na SIC, porque a entrevista foi interrompida por um direto: a ideia era mostrar a chegada a Portugal do treinador de futebol “Special One” José Mourinho. “Acho que o país está doido e as pessoas têm que aprender”, disse o ex-líder do Partido Social Democrata, antes de abandonar o estúdio.
Hélder Prior, professor de Comunicação Política na Universidade Autónoma de Lisboa, defende que “a política está cada vez mais presente em sectores do entretenimento televisivo, no jornalismo de celebridades e, claro, na Internet. Num entorno mediático saturado por estímulos comunicativos que procuram capturar e gerir a atenção pública, o entretenimento converteu-se num meio para alcançar audiências heterogéneas e diversificadas. Vemos como conteúdos mais sérios da política se mesclam com programas de humor, sátira, talk shows televisivos e outros programas próprios da chamada ‘política pop'”.
Olhando hoje para os media, é fácil perceber que a linha que separa a política do entretenimento é claramente cada vez mais ténue, o que desde logo dificulta a discussão quando queremos saber quem contamina quem. E, por isso, Hélder Prior vai mais longe: “Se até há pouco tempo a comunicação política se centrava nos mecanismos tradicionais de contacto com os eleitores e a presença dos dirigentes políticos nos meios de comunicação se resumia aos telejornais, aos programas de entrevista política e às secções especializadas dos jornais de referência, actualmente, os dirigentes políticos não dispensam a participação nos programas dos Gato Fedorento, no ‘5 para a Meia Noite’ ou no ‘Programa da Cristina’. A expansão do politainment, termo usado para caracterizar a imbricação da política com o campo do entretenimento, também alcança a Internet, sobretudo através da cultura digital dos memes, cada vez mais utilizados como replicadores de mensagens, como propaganda política ou como forma de intervenção pública.”
“O meio é a mensagem”, disse o intelectual, filósofo e investigador canadiano Marshall McLuhan. E, se hoje olharmos para a relação do actual Presidente da República com os media, facilmente percebemos que ninguém compreendeu tão bem como ele a “dica” de McLuhan: Marcelo Rebelo de Sousa foi comentador televisivo durante 14 anos.
Para o politólogo e comentador Francisco Santiago [nome fictício],”nenhum político até ao presente, nem José Sócrates que tinha uma forma ímpar de se relacionar com os meios de comunicação social, soube usar os media como Marcelo – o actual Presidente da República foi brilhante na sua estratégia. Soube quase sempre esconder o seu lado político, não hesitando sequer quando achava útil criticar os vários líderes do seu partido. Paralelamente, foi sempre mostrando a melhor face do seu perfil. Uma face mais pessoal, mais do lado das pessoas – a ideia dos afectos já estaria eventualmente a caminho -, da emoção que aqui e ali foi sempre camuflando a razão. O tema politainment nunca foi tão estudado como agora e Portugal não foge à regra”.
Segundo números revelados em 2015 pela TVI, quando Jerónimo de Sousa (líder e secretário-geral do PCP) foi convidado do programa de humor “Isso É Tudo Muito Bonito, Mas”, dos Gato Fedorento, o programa alcançou uma audiência de quase mais um milhão de pessoas do que o programa de entrevistas da RTP, da autoria do jornalista Victor Gonçalves que, duas semanas antes, teve como convidado, precisamente, Jerónimo de Sousa. Francisco Santiago acrescenta que “a presença dos políticos nestes programas já não se deve apenas a audiências e respectivos enquadramentos editoriais. É que, além da fácil obtenção de números muito simpáticos, os políticos perceberam que estes programas chegam com alguma facilidade aos cidadãos que, se por um lado estão menos interessados em questões políticas, por outro são pessoas muito atentas às questões sociais, económicas e até culturais”.
Nuno Markl, humorista, escritor e radialista, acha que os políticos olham para o politainment como uma oportunidade, embora defenda que as coisas são ainda bastante tensas. “Quando os Gato Fedorento fizeram, em 2009, o programa “Esmiúça os Sufrágios”, o Ricardo [Araújo Pereira] falava precisamente nisso, nessa tensão que está sempre presente durante os programas. Nós não temos ainda a cultura do espectáculo, do entretenimento.”
Será que caminhamos de facto para uma verdadeira celebrização da política e estarão os políticos mais do que nunca a transformar-se em celebridades e as celebridades em políticos? Não terá sido por acaso que o professor e filósofo Eduardo Lourenço disse (aliás, Eduardo Lourenço nada diz por acaso) que “a televisão é a capital de Portugal”. A discussão segue dentro de momentos, mas uma coisa é certa, o politainment veio para ficar e as contas fazem-se sempre no fim. Os dados estão lançados: faites vos jeux!