Faça frio ou faça sol, eles estão sempre lá. Entram-nos pela casa de manhã enquanto se prepara o pequeno-almoço ou quando estamos reféns do trânsito rumo ao trabalho. Humor, boa disposição, conversa e piada fácil são os ingredientes de gente que fala connosco através da rádio. A receita para o sucesso do programa da manhã parece funcionar há anos, mas na M80 as ideias renovam-se a cada dia.
São 6h15 de uma madrugada de Maio e o corpo só pede para voltar à cama. Combate-se a inércia com café oferecido pelo segurança que assegura que “a Vanda ainda não chegou”. No interior do estúdio da M80, a produtora do programa já arrancou com a preparação da emissão, passando os últimos detalhes do dia ao estagiário. Margarida Moura está sorridente e com o aspeto de quem já está pronta há horas, coisa que não se esperaria de alguém que começou o dia tão cedo. Pensando bem, num horário tão exigente ao longo de muitos anos é difícil acreditar que aquela gente consiga ter uma vida normal, família e amigos.
Vanda Miranda confirma que “é um bocado difícil ter vida social durante a semana… pior é o horário. Gostamos de fazer o programa, mas é puxado acordar tão cedo como nós fazemos!” Paulo Fernandes, o seu parceiro das manhãs, interrompe a colega e explica que no final do programa está sem paciência e cansado. “O pior de mim fica para os meus que estão em casa e devia ser precisamente o contrário.”
Nos últimos meses, a equipa passou a contar com mais uma ajuda. Luís Silva, 20 anos, recém-licenciado em Comunicação Social, é o estagiário na M80 no período da manhã. Apesar de ter escolhido outra opção para o seu estágio, acabou por ali ficar. O mais novo elemento da equipa confessa à orientadora de estágio que “está a correr tudo bem”, mesmo que o Paulo Fernandes se esteja sempre a meter com ele.
Para os “pais” Vanda e Paulo, com esta profissão e este tipo de horário, tudo se torna ainda mais complicado. É muito difícil acompanhar os horários de quem os rodeia. “A minha família goza comigo”, afirma Vanda Miranda, “dizem que eu a partir das seis da tarde já estou birrenta e que não tenho paciência para nada”. Luís, pouco habituado a estas rotinas, já começou a sentir os efeitos da nova disciplina. “Não é fácil levantar-me a estas horas, mas tudo aqui passa muito rápido e quando dás por isso já acabou.”
Uma receita que funciona
Este é o preço a pagar por trabalhar no mais “famoso” – e dizem que nobre – horário do mundo da rádio. “Ter um bom ambiente e darmo-nos bem ajuda a que ultrapassemos o sono e o cansaço e entremos aqui na brincadeira. Isso depois consegue-se passar lá para fora”, explica Vanda. “Sermos honestos ajuda muito. Somos o que somos, não estamos aqui a tentar ter piada ou a ser mais cinzentões… Um dia, vimos mais bem dispostos, outros dias menos”, conta Paulo Fernandes. “É importante puxarmos uns pelos outros, há dias em que um tem mais sono, no seguinte tem o outro…”, realça Vanda Miranda.
Susana Romana, outra madrugadora da M80, mete-se na conversa: “Quando se faz isto todos os dias, mesmo que haja um dia que corra menos bem, no dia a seguir vais fazer tudo outra vez. Não existe espaço para grandes angústias, porque sabes que vai haver muitos mais programas pela frente.”
O bom ambiente interno é imprescindível para que o programa possa fluir de uma maneira natural e sem percalços. “Quanto melhor as coisas são por dentro, melhor saem lá para fora”, enfatiza Vanda. Paulo refere que “estamos a construir a imagem do programa. E isso não se constrói num dia, mas sim em anos. Não é por um dia poder correr mal que vamos beliscar a nossa imagem ou aquilo que somos para os outros”.
As sondagens mais recentes (Bareme Rádio- Marktest) mostram que, em média, neste horário, as pessoas não passam mais de meia hora seguida a ouvirem rádio. Há que ir ao encontro de “quem já está na rua por estas horas”, afirma Vanda Miranda. “É a rotina das pessoas, é o que faz sentido”, remata.
Interatividade
Em programas com este grau de empatia e interatividade, as redes sociais são um elemento fundamental e uma “ferramenta importante”, comenta Luís. Fora do estúdio, vai assistindo a todo o programa e ajudando a produtora Margarida em tudo o que ela necessita.
Se até há uns anos, a rádio era apenas som, hoje tem imagem, vídeo e texto. Exemplo disso é a gravação vídeo de todas as rubricas do programa para partilha nas redes sociais. São muitos os ouvintes que, cada vez mais, interagem ao minuto com os locutores via online, como é possível observar durante toda a emissão.
São agora 7h20. Luís e Margarida discutem sobre quem irá gravar as rubricas e editá-las no dia seguinte, para de seguida serem publicadas no site oficial da rádio. Com este hábito interno, todas as pessoas podem ter acesso às várias intervenções desde o início do programa da manhã.
Para se fazer uma emissão da manhã há que respeitar certas regras, como dividir o tempo em ciclos de mais ou menos meia hora e estar sempre à espreita de um espaço para improviso. Mas por vezes não sobra muito tempo, entre os impreteríveis compromissos matinais e as informações sobre meteorologia, trânsito, publicidade e, claro, as principais notícias do dia. A informação entra de meia em meia hora pela voz de Ana Bernardino. Num curto espaço de tempo previamente definido, a jornalista vai atualizando os ouvintes com o essencial da informação à medida que a manhã avança.
Novo acidente na segunda circular… Vanda Miranda aos comandos da mesa de controlo da emissão, abre o microfone: “Atualizamos agora o trânsito.” A interatividade com os ouvintes no que diz respeito à informação de trânsito é muito útil por estas horas, principalmente nas grandes cidades.
Dia após dia, muitas são as histórias que percorrem os corredores da Media Capital Rádios. No corredor da M80, ouve-se falar de vencedores profissionais de passatempos. Margarida fala na suspeita de um ouvinte que “deve ter uma central telefónica em casa, muito sinceramente… ele consegue ganhar todos os passatempos. Não só nas rádios do grupo, mas em todas no geral”.
Profissionais de passatempos
Há ouvintes que chegam ao ponto de darem informações falsas quando ligam para a central dos passatempos e, após novo contacto por parte da estação, vão levantar os prémios com fotocópias de cartões de cidadão falsos, nomeadamente de pessoas acamadas e em casa.
Ainda que estas situações sejam difíceis de controlar, é uma guerra que os produtores têm tentado combater ao longo dos anos. Estes “perseguidores de passatempos” transformam-se em stalkers, ao ponto de acharem que “são amigos de toda a gente da rádio, o que é muito cansativo e torna-se chato”, confessa Margarida Moura.
Humor e entretenimento
O entretenimento tem espaços bem definidos nos programas da manhã mais populares em Portugal. Na M80, a rubrica diária “Linha de Passe” tem no seu cardápio os temas mais recentes da atualidade desportiva.
O jornalista Paulo Rico, especializado em desporto, entra apressado no estúdio às 8h12 para ultimar a intervenção deste dia. Tema em destaque, Benfica é campeão. Festeja-se “efusivamente” no estúdio o título dos “encarnados”, especialmente Vanda, que ao ouvir o hino do Benfica se levanta da cadeira e começa a cantar. Paulo Fernandes, sportinguista “doentio” e mais do que assumido, não acha piada à brincadeira da colega. Após troca de meia dúzia de palavras mais ou menos provocatórias a emissão lá seguiu em frente.
Há agora “Macaquinhos no Sótão”. O relógio marca agora 8h40, quando Susana entra no estúdio. Tem agora 10 minutos até à entrada em emissão, momento em que traz para a discussão os assuntos próprios de quem tem, ou não, “macaquinhos no sótão”. Paulo e Vanda tentam adivinhar o tema da emissão de hoje.
Há ainda tempo para saber “Quais as expressões mais usadas pelos adolescentes?” Após o lançamento da pergunta, muitos são os ouvintes que através do tradicional telefone e das redes sociais interagem com toda a equipa. Minutos mais tarde faz-se luz: “tipo” foi a palavra que reuniu mais consenso nas respostas e comentários por parte do auditório.
Mas a rubrica que permite mais intervenção dos ouvintes, é obviamente a “Acha que sabe responder?” Uma pergunta por dia… que nunca fica sem resposta. Após a pergunta ser lançada, “A que é que David Bowie foi induzido em 1996?”, o telefone exterior do estúdio parece tocar em contínuo…. Margarida e o estagiário Luís começam a atender os participantes, tirando, antes de mais, os dados sobre os mesmos. Apesar de muitos telefonemas, apenas cinco participantes podem ganhar. E mesmo após os vencedores estarem decididos, o telefone nunca parou de tocar. Luís, já “chateado” e em modo repetitivo, durante um longo período de tempo: “Peço desculpa, mas os prémios já foram dados… Volte a tentar outro dia. Obrigado!” Quem respondeu “Rock n’ Roll Hall of Fame” foi premiado com uma entrada dupla para o Remember Crato que acontece durante o escaldante verão alentejano.
“É para isso que, apesar dos sacrifícios e da pouca atividade sexual”, como diz Vanda, culpando o horário do programa em tom de brincadeira, “há quem não se veja a fazer outra coisa”. A opção é brindada, de forma geral, com trabalho a dobrar. Esqueça-se a ideia feita de que estas pessoas só trabalham das 7h às 11h.
“Todos nós temos coisas extra rádio”, conta Vanda Miranda. Susana é guionista, Vanda faz publicidade e participa em eventos, tal como Paulo Fernandes. “É um bocado enganador pensar que chega às 11h e está tudo feito”, esclarece a animadora das manhãs da M80. “Adorava dizer o que é o meu dia-a-dia mas… é muito trabalho… ah e mais duas filhas pequenas”, afirma Paulo Fernandes.
Quanto a Margarida Moura, ri e dispara um “eu? tenho só de ir escrever o programa de amanhã. Coisa pouca!”, e sai de cena. São agora 11 horas e amanhã é outro dia nos dias da rádio.