Sinopse da editora Asa:
“Não era intenção de Aza, uma jovem de dezasseis anos, investigar o enigmático desaparecimento do bilionário Russell Pickett. Mas estão em jogo uma recompensa de cem mil dólares e a vontade da sua melhor amiga Daisy, que se sente fascinada pelo mistério. Juntas, irão transpor a distância (tão curta, e no entanto tão vasta) que as separa de Davis, o filho do desaparecido. Mas Aza debate-se também com as suas batalhas interiores. Por mais que tente ser uma boa filha, amiga, aluna, e quiçá detetive, tem de lidar diariamente com as suas penosas e asfixiantes «espirais de pensamentos».”
Crítica:
Torna-se claro, a partir da primeira página, que a história de Aza Holmes é muito mais do que um mistério com uma melhor amiga divertida ou um romance com um rapaz que apesar de ter tudo, sente que não tem nada. É, sim, a história de uma rapariga que todos os dias sofre com uma doença bastante real para ela, mesmo que não o seja para os seus amigos. Aza sofre de uma Perturbação Obsessiva-Compulsiva (POC).
Os detalhes do transtorno mental estão incrivelmente escritos, fazendo com que o leitor se aproxime da personagem (o que seria de esperar, visto que o próprio autor sofre do mesmo). O leitor sente e compreende a dor, a ansiedade e frustração infernal de Aza, a sua preocupação constante de ter uma infeção mortal, que leva ao seu tique de abrir uma ferida no dedo, trocando freneticamente o penso que a cobre, de uma maneira quase ritualística.
A narração é bastante repetitiva, o que pode cansar alguns leitores, levando-os a fechar o livro, como, de certeza, desejaria a personagem Aza fazer de cada vez que cai na sua espiral de pensamentos da qual não pode escapar. A personagem faz as ligações mais absurdas entre as coisas, entrando em longos parágrafos de introspeção que despertam a curiosidade do leitor e o fazem refletir. O próprio título em inglês ‘Turtles All the Way Down‘, uma expressão que significa “algo que continua infinitamente”, é uma ótima metáfora para desordens mentais em geral, inclusivamente utilizada no livro numa conversa entre Aza e Daisy.
John Green tem experiência em criar personagens com as quais os jovens se conseguem identificar facilmente, e Aza Holmes não foge à regra, sendo uma adolescente complexa, ainda a desenvolver e a tentar compreender os seus sentimentos, os seus pensamentos e gostos próprios. Facilmente simpatizamos com a personagem, sentimos que ela é humana. Inclusivamente, observamos as relações que tem com as pessoas à sua volta, como a sua mãe e a sua melhor amiga e ambas nos dão a sensação que são relações reais, entre pessoas que conhecemos.
Apesar de POC estar maravilhosamente representada em Aza, a complexidade da personagem parece ser a única coisa que o livro tem realmente a oferecer. O mistério do desaparecimento do pai de Davis é um pouco “enfiado” no livro para parecer que a história evolui, quando, na verdade, até o suposto clímax da busca recebe pouca atenção e não afeta o leitor como deveria.
Daisy, a melhor amiga da personagem principal, parece servir como alívio humorístico com o seu entusiasmo exagerado e paixão por rapazes e ‘Star Wars’ – até escreve “fanfiction” sobre o Chewbacca, algo que no início tornava a personagem engraçada, mas que rapidamente se torna irritante. Nos capítulos finais do livro, a personagem é desenvolvida à pressa, e ainda que nos faça compreender o seu lado da história, dificilmente o leitor cria uma conexão com ela.
Outra personagem que não foi desenvolvida foi Davis, cujas únicas características são ser rico e não saber do paradeiro do pai. Davis tem medo que as pessoas apenas se aproximem dele pelo seu dinheiro e tem ressentimentos do pai por nunca realmente ter tido um, deixando os seus empregados a cuidar de Davis e do seu irmão mais novo Noah, que partilha alguns momentos emocionais com Aza e mesmo com Davis, que nos fazem querer compreender melhor a sua tristeza e vulnerabilidade escondidas atrás do típico rapazinho que fica fechado no quarto a jogar vídeo jogos.
Davis parece existir apenas para ser o interesse romântico de Aza e fazer-lhe perguntas que a façam voltar aos seus monólogos interiores ansiosos. Sente-se que o romance entre as duas personagens é um pouco seco e forçado principalmente em momentos cliché, como olharem para as estrelas juntos o que leva a conversas bastante filosóficas, mas também desnecessárias. De facto, a maior parte das interações com Daisy e Davis parecem existir apenas para fomentarem a mente irrequieta de Aza para assim voltarmos à “parte interessante”.
Contudo, John Green capta nesta sua obra a insegurança e ansiedade que faz parte da adolescência de uma maneira quase perfeita, tocando no tema sensível que são as desordens mentais que fará o leitor sentir, tomar as dores e simpatizar com a personagem principal. O livro padece por tentar ser mais do que é e consegue ser maçador em algumas partes, mas tudo isso é perdoado devido à escrita e compreensão maravilhosa que Green tem do que é ser adolescente. Um livro ideal para quem procura perceber as mentes ansiosas que caminham pelo mundo.
Se gostaste de ler ‘Mil Vezes Adeus’ também gostarás de ‘À Procura de Alaska’, de John Green.