Ser hospedeira de bordo é uma profissão associada a viagens e a ordenados interessantes. O ‘reverso da medalha’ é aprender a viver com a ausência da família e a abdicar da natalidade, em muitos casos até depois dos 35 anos.
A companhia aérea Emirates contrata hospedeiras de bordo em todo o Mundo, com uma condição: terão de viver no Dubai. As regras rígidas impostas a toda a tripulação não oferecem espaço para a família, a não ser nos períodos estipulados para férias.
Já a portuguesa TAP procura facilitar a vida familiar das suas trabalhadoras, disponibilizando um infantário 24 horas por dia, todos os dias do ano, até as crianças completarem os cinco anos. Inclui vacinação, alimentação saudável, acompanhamento em colónias de férias, entre muitos outros serviços. Mas nem esses serviços permitem ultrapassar alguns constrangimentos.
Telma Gonçalves, hospedeira de bordo de 2000 a 2018, acabou por deixar a maternidade para depois. Pensou várias vezes em ser mãe, mas achou melhor não o fazer. “São-nos dadas variadíssimas condições para tornar a maternidade possível, mas para mim não eram suficientes. Eu iria ter um filho para, de seguida, abdicar dele. Mesmo sendo possível antecipar uma solução, eu não estaria disposta. Levar o meu filho às 2:00h ou 3:00h para o infantário, não. Poderia pedir troca de escala do voo aos meus colegas e tentar estar sempre de dia, mas teria que estar sempre a pedir.”
Para Telma, esta profissão concretizava o sonho de poder conhecer o Mundo. Quando o tempo começou a passar, a profissão foi perdendo o “brilho” e a solidão acabou por se revelar um problema. Os amigos acabaram por se afastar, devido a uma ausência constante. Constituir família acabou por se tornar uma necessidade. Abdicou dos voos, e hoje é hospedeira de terra. Para conseguir conciliar a antiga profissão com a necessidade de ser mãe, Telma sugere: “talvez ajudasse se nos fossem dados horários diurnos com escalas mãe. Aí, sim, seria ouro sobre azul”.
Existem vários testemunhos de hospedeiras que conseguem gerir com sucesso a vida profissional, a família e os filhos. As ausências são vistas com naturalidade e o serviço oferecido pela companhia aérea é considerado uma mais-valia para que as ‘mães TAP’ consigam fazer face às exigências da profissão.
Maria Conceição Carvalho, responsável pelo serviço do infantário da TAP, explicou, em entrevista ao jornal Público, como funciona o serviço e quem usufrui dele. Foram criadas as escalas mãe, possibilitando às recém mamãs voltarem a casa todos os dias. Estas escalas são praticadas durante cinco anos, minimizando desta forma os desencontros entre a mãe e o bebé. Porém, o horário poderá ser atribuído em qualquer escala, diurna ou noturna.
Registe-se que a TAP tem ao seu serviço cerca de 1.600 assistentes de voo e 939 pilotos, mas apenas 240 crianças utilizam o infantário da companhia. A situação, porém, poderia ser mais complexa, se não tivesse existido uma evolução nos regulamentos, no sentido de proteger a natalidade.
Recuemos no tempo. Em 1940, foram formados sindicatos que lutaram por melhorias salariais, benefícios e condições de trabalho. O principal propósito dessa luta sindical consistiu em desafiar o que percebiam como sexista e estereotipado, tais como limites de idade (entre os 32 e os 35 anos, as hospedeiras de voo eram despedidas), limites de altura e de peso, limitação sobre o casamento e proibição de gravidez. Muitas dessas limitações foram levantadas por mandatos judiciais.
Em 1968, as restrições foram declaradas como discriminação sexual, tornando-se ilegais ao abrigo da lei dos Direitos Civis de 1994.