Passaram meses desde o verão trágico e prolongado que devastou o país. O frio do inverno e a reclusão dos que vivem protegidos entre os prédios altos das cidades tende a apagar da memória coletiva a tragédia que os noticiários trouxeram para diante dos nossos olhos. No Interior Centro, a inclemência das chamas, alimentadas pelos ventos fortes e temperaturas elevadas, engoliam florestas, invadiam povoações e deixavam dezenas de famílias despojadas de tudo, incluindo de vida.
A falta de meios e a inoperância da Proteção Civil foram fatais. Quanto mais notícias surgiam, mais aumentava o turbilhão de revolta, impotência e incredulidade entre os portugueses, mas também além-fronteiras. Os apoios surgiram de todas as direções, numa necessidade indómita de combater a dor e a sensação da fragilidade da condição humana. E em Portugal, que até foi considerado o segundo país mais pacífico do mundo, perdeu-se o sentimento de segurança e de paz que nos levava a atravessar o País à procura do verde, do ar puro e cheiro a pinheiro, tão característicos da zona Centro.
Os números e os testemunhos de horror já todos os conhecemos. Foram explorados e noticiados até à exaustão. Por mais notícias e artigos publicados a tentar perceber onde estão a ser aplicados os donativos, as respostas ainda não são claras. Há inúmeros projetos em movimento, mas ficamos na dúvida se têm resiliência e força suficientes para responder à dimensão da tragédia, se conseguem ser mais teimosos que as estatísticas da desertificação. Quando se pergunta às pessoas que viveram na pele a tragédia se as medidas estão a ser acionadas, fica a sensação de que tudo é demasiado difícil, burocrático e moroso para quem, muitas vezes, não sabe ler ou escrever, quanto mais aceder à Internet.
Quando cruzamos a região Centro à procura de esperança, somos confrontados com a destruição numa área tão vasta. O embate com o cenário de horror desperta uma revolta ainda maior do que aquela que os media nos trouxeram para diante dos nossos olhos ao longo de meses. Apesar do que se perdeu ser incalculável, a meio percurso da A23, deparamo-nos com o espírito de resiliência local, tão própria das regiões do Interior. De um lado, lê-se: “Belver- Nós não desistimos!”, um cartaz da Associação de Produtores Florestais da Freguesia de Belver (APFLOBEV) e da Câmara do Gavião. Do lado oposto, a mensagem é par: “Renascer Mação”.
Mas será difícil cumprir com todos estes desígnios e com uma imensa necessidade de renovação se as medidas ficarem presas nos gabinetes dos ministros ou de outro qualquer serviço burocrático, sem apoio no terreno e contacto com as populações para compreender as suas reais necessidades, combinadas com sessões de esclarecimento sobre o que é importante mudar.
O conjunto de textos “Depois dos Incêndios” é o resultado do desafio lançado aos alunos de 2ºano da licenciatura em Ciências da Comunicação para usarem a força da palavra e da informação. Mais do que uma simples classificação final, um grupo de quase 60 jovens tentou perceber, na abertura do novo ano, o que está a acontecer nos mais de 500 mil hectares de área ardida – das florestas, às zonas de proteção ambiental, tecido empresarial e povoações. Por uma questão de contexto, será inevitável lembrar o que aconteceu, mas o mais premente é despertar consciências, educar e levar as novas gerações de comunicadores a exaltar a importância de não perdermos o foco ou a noção do que é essencial para que as regiões devastadas renasçam.
Do ambiente à cultura, existe uma força impulsionadora que temos de apoiar. Para que funcione, não podemos esquecer o que aconteceu no verão passado, na esperança de que aquilo que possamos conseguir de diferente seja suficiente para impedir que cenários de horror como o que persiste na memória de todos se repitam. Os alunos de Ciências da Comunicação e a Universidade Autónoma de Lisboa estão empenhados nesta missão possível.