Em Portugal, um em cada dez adultos sofrem com algum grau de doença renal crónica. A nefrologia é a especialidade hospitalar que se encarrega de diagnosticar e tratar doenças renais. Embora existam vários tratamentos possíveis, a hemodiálise é a mais recorrente.
Dados da Sociedade Portuguesa de Nefrologia revelam que cerca de 850 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de doença renal. Em Portugal, tem vindo a aumentar anualmente o número de doentes sob tratamento de função substitutiva da função renal. A permanência de doentes em tratamento de hemodiálise e regista uma das taxas mais elevadas da Europa.
A prevenção e sensibilização que passa, entre outras, pela hidratação, uma alimentação saudável e exercício físico regular, são algumas recomendações fundamentais para que o número de doentes renais possa diminuir. A nefrologista Ana Galvão explica que “são os órgãos vitais. Além de eliminarem o excesso de água e toxinas do nosso organismo, são os principais responsáveis pelo equilíbrio do meio interno, regulam a quantidade de água corporal, a pressão arterial, os eletrólitos entre outros.”
Os rins têm ainda “funções endócrinas importantes como a síntese de eritropoietina necessária para a produção de glóbulos vermelhos e a ativação da vitamina D para o bom equilíbrio do metabolismo ósseo”, especifica Ana Galvão.
O diagnóstico da doença é um processo simples e direto, através de uma análise ao sangue e à urina. ”No sangue, vamos detetar um aumento de toxinas que normalmente são eliminadas por filtração glomerular pelo rim como a creatinina e a ureia e, na urina, a presença de albumina pode ser indicadora de lesão renal”, esclarece a especialista.
A manifestação de sintomas nem sempre é detetável numa fase inicial da doença. A nefrologista ressalva que “a doença renal crónica é, muitas vezes, silenciosa, ou seja, não se manifesta. Quando os sintomas aparecem, já a doença renal está, muitas vezes, evoluída”. Numa fase avançada, os doentes podem ter queixas de cansaço e falta de apetite que podem ser provenientes da anemia provocada pela doença. “Nestes casos, poderá ser necessária suplementação de ferro”, indica.
Existem ainda casos em que uma vez perdida a capacidade de eliminar o excesso de líquidos do organismo, apresentam edemas marcados e dificuldades respiratórios. A médica nefrologista avisa que “é importante que sejam realizados rastreios da doença, principalmente, nos considerados grupos de risco como é o caso de: idosos, doentes diabéticos, hipertensos ou com algum historial de doença na família”.
Causas da doença
Sendo o rim um órgão vital repleto de vasos sanguíneos e de filtração, está sujeito a diversas agressões. Como avança Ana Galvão, “as causas da doença renal podem ser hereditárias, defeito do sistema renal ou problemas de saúde que causam danos ao longo dos anos como é o caso da diabetes e infeções renais. Existem casos em que não se regista uma causa exata para o aparecimento da doença”.
A doença renal tem dois estágios: a aguda e a crónica. Nas situações crónicas, significa que os rins já não são capazes de, por si só, manter o organismo saudável. “Define-se como uma diminuição da taxa de filtração glomerular que persiste há mais de três meses.” Reflete-se na presença de lesões irreversíveis nos rins que leva a uma perda progressiva das funções do órgão.
Por sua vez, o estado agudo caracteriza-se pela perda súbita da função renal, no prazo de horas ou dias, e pode dever-se a agressões renais ou extra renais. A nefrologista adverte que “contrariamente ao estado crónico que é irreversível, um quadro clínico agudo, quando é tratado através da eliminação das agressões, pode recuperar a função renal na sua totalidade”.
Após a confirmação do diagnóstico, inicia-se um primeiro tratamento em que o médico tenta regredir a doença com medicação e ajustando uma dieta. É essencial um acompanhamento e avaliação frequentes da função renal através de análises que permitem ter uma estimativa da taxa de fixação glomerular (TFG). “Numa pessoa normal, a TFG é superior a 90 ml/minuto e quando atinge valores inferiores a 15 ml/minuto, começamos a preparar os pacientes para uma técnica de substituição da função renal”, explica Ana Galvão.
Tratamentos disponíveis
Existem diversos tratamentos possíveis para a substituição da função renal como é o caso da diálise peritoneal, a hemodiálise ou o transplante renal. A decisão sobre qual o tratamento mais adequado é, explica a especialista, “do nefrologista que, atempadamente, orienta o doente para uma consulta de esclarecimento da doença renal crónica onde são explicadas as diferentes técnicas de tratamento, quer ao paciente, quer aos seus familiares. E caso não haja nenhuma contra
indicação para qualquer uma das técnicas possíveis, é o doente que escolhe qual o tratamento que mais se adapta ao seu estilo de vida”, adianta.
A diálise é um procedimento para substituir algumas das funções dos rins como a remoção do excesso de água corporal e a remoção de resíduos., com duas vertentes distintas: a diálise peritoneal e a hemodiálise. Como esclarece Ana galvão,“a diálise peritoneal consiste na introdução de um tubo
de plástico, chamado de cateter, por via cirúrgica, e permanece no corpo do paciente durante todo o tratamento. É colocado na cavidade peritoneal presente no abdómen. Esta cavidade tem uma membrana que serve de filtro para limpar o sangue. O cateter permanece no corpo por várias horas e, após esse período, é drenada e substituída. Este processo é repetido quatro a cinco vezes por dia. Pode ser realizada de duas formas: manual, tipicamente feita durante o dia, ou automática, através de uma máquina, normalmente feita à noite. Qualquer uma das opções tem lugar em casa e depende da preferência do paciente”. Este tratamento é, segundo a especialista, “contínuo e realizado diariamente permitindo ao paciente fazer as suas atividades habituais nas trocas do tratamento. O paciente é treinado por enfermeiros especializados na diálise peritoneal e demora cerca de uma a duas semanas”.
A hemodiálise usa, explica a médica, “um rim artificial, também conhecido como dialisador, em conjunto com uma máquina”. Durante o tratamento, acrescenta, “o monitor transporta uma parte do sangue, do paciente para o dialisador e deste para o doente. Assim, o excesso de água e os resíduos no sangue são removidos no dialisador. O sangue limpo é devolvido ao corpo através de um conjunto de tubos previamente preparados.
É feita através de um dialisador que permite a passagem de água e resíduos, ao mesmo tempo que elementos úteis como as células do sangue e a proteína sejam retidos, e por norma é feito três vezes por semana.
Para este tratamento, é necessário um acesso especial ao sangue, através da colocação de uma fístula, enxerto ou cateter, dependendo da situação”.
Quanto aos efeitos secundários, Ana Galvão ressalva que “o objetivo das técnicas de diálise é que os doentes consigam manter o equilíbrio do meio interno sem que se apresentem sintomas. Por vezes, algumas consequências são variações sintomáticas de tensão arterial que são transitórias”.
Embora se verifiquem, excecionalmente, quadros de recuperação da função renal, a doença renal crónica é, por norma, um quadro clínico irreversível sendo que os pacientes acabam por necessitar deste tratamento a vida toda ou, se for o caso, até receberem um transplante de rim.
Apesar de estarem condicionados ao tratamento, a nefrologista assume: “O objetivo é que os doentes mantenham uma vida normal. Nós, nefrologistas, tentamos sempre adaptar os tratamentos de diálise ao horário e atividade do doente, mas tem sempre de existir uma adaptação do mesmo ao horário dos tratamentos.” Este tratamento pode ser feito num hospital ou numa clínica de diálise, onde há uma equipa médica que prepara e executa todo o tratamento, com uma regularidade de três a quatro vezes por semana.
A forma como se processa o tratamento está relacionada com o tempo, a duração e a frequência do tratamento, assim como a disponibilidade médica, estilo de vida e unidade de diálise.
Para que tudo corra pelo melhor, a nefrologista Ana Galvão deixa algumas precauções: “O paciente deve ter alguns cuidados, enquanto está em fase de diálise: cumprir a recomendação do tratamento e respetiva dieta, controlo de peso e pressão arterial, informar a equipa médica de quaisquer alterações que possam ocorrer durante este período, como é o caso de dores de cabeça, náuseas, entre outros.”
Uma vez iniciado o tratamento o doente deve “cumprir o tratamento prescrito pelo nefrologista e seguir a dieta adequada à insuficiência renal prescrita pela nutricionista. “Há, por norma, um controlo mais apertado da tensão arterial e uma vigilância mais apertada da medicação”, explica Ana Galvão.
O transplante renal é realizado, segundo a nefrologista, “com rim de cadáver ou com um rim de dador vivo”. Este processo consiste na colocação de um rim no abdómen inferior, enquanto os rins doentes, por norma, não são retirados. “O novo rim pode começar a funcionar de imediato, demorar algumas semanas a iniciar as suas funções ou, em casos raros, pode ser rejeitado pelo organismo”.
De forma a evitar uma rejeição, a médica sublinha que “é importante ter algumas precauções como a toma diária de medicação após a cirurgia, visitas regulares ao médico que acompanha o caso. Um transplante bem-sucedido pode ajudar e até retornar um estado de saúde saudável sem ser necessário recorrer a um tratamento de diálise”.
Prevenir antes que seja tarde
A doença renal ainda não tem uma cura conhecida. A prevenção é, por enquanto, a única forma de evitar a doença. “Seguir uma alimentação saudável que tenha em conta uma não ingestão de gorduras e sal em demasia, o controlo de peso, controlo da diabetes e da hipertensão, assim como a prática regular de exercício físico são algumas das precauções que se devem ter em conta para evitar problemas do foro renal”, recomenda.
Todos os anos, a Sociedade Portuguesa de Nefrologista celebra o Dia Mundial do Rim com campanhas de sensibilização que associa a doença a temas relevantes como a obesidade, tentando alertar a população para a importância da prevenção.
Regras de ouro para a saúde dos rins
1. Ter uma alimentação saudável.
2. Manter uma boa forma física e evitar o sedentarismo
3. Controlar o açúcar no sangue
4. Controlar a tensão arterial
5. Evitar o excesso de peso
6. Manter uma boa hidratação tendo um adequado consumo de água
7. Evitar o tabaco
8. Não se automedicar a fim de evitar nefrotoxicidade
Fonte: Dra. Ana Galvão, nefrologista