Passaram 50 anos do dia que repôs a liberdade em Portugal. Os que lá estiveram em 1974, os seus filhos, os netos e os bisnetos, compuseram a Avenida, neste dia 25 de 2024.
Todas as gerações, numa voz única, proclamaram a continuidade de abril, para maio, junho e todos os meses que lhe seguem. Olhos meus, nunca tinham visto a Avenida assim, tão bonita. Do Marquês de Pombal ao Terreiro do Paço caminhavam as vozes da liberdade. Cantavam, em alto e bom tom, as letras que fizeram abril acontecer. Em Grândola Vila Morena, o som fez ouvir-se mais alto, não era oriundo da voz apenas, vinha do coração, da alma. Toda a gente conhece a música, os de idade tenra e os de respeitada idade.
Arrepiei-me, da cabeça aos pés e os meus olhos, frios ao olhar para o mundo, deixaram levar-se por uma emoção descontrolada. Nem quando um dos grandes clubes de Lisboa ganha o campeonato a capital assiste a tanta gente nas ruas para celebrar. Afinal, o povo português tem amores maiores.
Levantámos neste dia de novo, o esplendor de Portugal; entre as brumas da memória, a pátria sentiu a voz, de todos os egrégios avós, que nos trouxeram meio século de liberdade.
Vi cravos por todo o lado. Muitos, suportados pelas mãos de quem os acompanhava, alguns pelo bolso de peito das camisas ou grafados em cartazes; outros ainda, marcados na pele em forma de tatuagem.
Queria um cravo para mim, não me fossem considerar menos defensora da liberdade.
— Boa tarde, é um cravo, por favor.
— Já não tenho mais cravos, menina. — Respondeu-me com simpatia, a dona da florista da Praça D. Pedro IV, no Rossio.
Atrás de mim estava uma família, composta por um homem, uma mulher e uma menina, possivelmente filha dos dois, que não tinha, aos meus olhos, mais de quatro anos. Levavam o mesmo pedido que eu e ouviram a mesma resposta.
A menina chorou, porque não teria um cravo para si. Não acredito que o choro tenha sido porque aos quatro anos reconhece a importância da liberdade. Mas foi comovente ver alguém chorar por não ter um cravo.
Aos quatro anos, eu chorava porque queria comer dez chocolates num só dia, porque queria uma boneca igual à que já tinha em casa ou porque queria conduzir o carro do meu pai. Acho que nunca chorei porque queria um cravo, mas espero que os meus filhos chorem por isso.
Percebi, naquele momento, que pode existir alguma esperança no futuro. Sei que romantizo aquilo que vejo, gosto mais do sim do que do não, por isso, sim, acreditemos que o futuro será melhor e que aos 14 anos esta mesma menina continuará a chorar quando não tiver um cravo.
Não consegui o cravo. Fui comprar o jornal. Acho que é quase a mesma coisa. Continuei a caminhar e encontrei o Ricardo. Foi bom vê-lo ali, porque sei bem que se tivesse escolhido ser humorista antes de abril de 74 teria acabado preso. O seu humor não faz apenas rir, também chateia alguns políticos. Que bom é poder chatear os políticos e caminhar por Lisboa livremente. Olhou para mim, talvez estranhando ter um jornal na mão e não um cravo. Sorri-lhe e ele com um sorriso respondeu-me. Ganhei coragem para perguntar-lhe o que é a liberdade.
“A liberdade é, curiosamente, uma coisa muito perigosa, que não tem assim tantos admiradores e é uma das razões que me traz aqui, nos 50 anos do 25 de abril. Acho um milagre que isto tenha durado 50 anos, porque a liberdade implica que as outras pessoas façam e digam coisas de que não gostamos. Há muitas pessoas que não gostam da maneira como os outros vivem. Isto ter durado tanto tempo, tendo a liberdade tão poucos fãs, é excelente. Espero que dure mais um bocado.”
Sim, Ricardo Araújo Pereira… também espero que dure um pouco mais.