Eu chego e pergunto: quem é esta? Sentada a um canto, vejo uns olhos tímidos, verde cor de azeitona mirar-me de lado. Ela é nova na turma e olha para as novidades em seu redor. Eu já lá moro há muito, estou integrado e intrigado com a presença dela. Quero saber mais, preciso de saber mais. De onde vem, quantos anos tem, como é que se chama, será que me ama? Ainda é cedo para saber. A solidão e a impaciência levam a melhor sobre a inteligência. Eu pergunto: o teu nome. A medo, tira os olhos do chão e responde em forma de feitiço: Margarida. E ficámos por ali, a timidez que de mim se apodera não me permite soltar das algemas que me prendem. Trago-as comigo desde que me lembro mas não estão à vista de todos. Acho que ela as viu mas rezo para que não. Esboço um sorriso parvo em jeito de despedida e em troca dou-lhe o meu nome, mais um de tantos outros que ela já ouviu.
Os olhos doces dela cruzam-se diariamente com o meu rosto envergonhado que rapidamente se esconde. Nada tenho a perder mas porquê fazer figura de urso e sujeitar-me a ouvir um não? Está-se bem melhor aqui dentro da bolha. Seria tudo mais fácil se ela sentisse o mesmo, quebrasse a redoma em que vivo e me provasse que os seus olhos só são doces para mim.
Lá fora, no campo, sou eu próprio. Saio da bolha e dou asas à imaginação. Sei que ela está a ver. Finta atrás de finta, remate atrás de remate, na esperança de um dia fazer golo. Um dia a bola fugiu-me e foi ter com ela. O calor da tarde estampado no meu rosto esconde a vergonha que me assiste. Levanto a cabeça, olho-a nos olhos como se olhasse para a baliza no momento decisivo e pergunto: dás-me a bola?
Estou assustada, vim parar ao desconhecido. Todos me olham com espanto e eu retribuo com um sorriso tímido. Uns abordam-me e até são simpáticos, outros apenas comentam ao longe. Entre “ois”, “olás” e “tudo bens”, entra um rapaz que me olha mas finge que não me vê. Tenta ser discreto mas é o mais curioso deles todos, só não consigo perceber se gosta ou não de mim. Aborda-me mas não é muito expansivo, talvez a minha vergonha o tenha espantado, muitas vezes tenho este efeito nas pessoas. Mas ele sorriu! Terá sido por simpatia ou achou-me mesmo piada? Ou será que é como todos os outros e está lançar charme à miúda nova só para se armar?
Todos os dias é o último a chegar. Passa por mim quando se senta e desvia o rosto quando olho para ele. Qualquer outro olharia de volta e aproveitava para se meter comigo. Ele não. Ou quer muito ou não quer nada. E eu? Faço o quê?
A timidez dele contrasta com o à vontade dos outros, e isso mexe comigo. Sei que há ali qualquer coisa mas não sei o quê. E ele, será que sabe o que eu sinto ou também está na dúvida? Se ao menos tivesse um sinal…não preciso de muito, só quero saber se vale mesmo a pena.
Costumo sentar-me nas bancadas a vê-lo jogar à bola. Tem jeito. Podia elogiá-lo mas não tenho coragem, posso ser mal interpretada. Mais vale ficar quieta, até porque são sempre os rapazes que se declaram às raparigas. Se fosse outro já se tinha feito a mim, mas eu já o tinha despachado.
Um dia a bola veio ter comigo. Atrás dela, veio ele. Na minha direcção, ofegante e talvez nervoso. Controlei o tremor das pernas, engoli em seco e pensei, é agora ou nunca. Olhei-o nos olhos e disse: queres a bola?
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Escrita Criativa”, no ano letivo 2015-2016, na Universidade Autónoma de Lisboa.